Por ANDRÉ KFOURI
(publicada quinta-feira, 4 de junho, no diário Lance!)
O GUARDA-COSTAS
Eram sete pessoas na mesa. Seis jornalistas brasileiros e um segurança sul-africano, ex-soldado do exército que, durante oito meses do ano, trabalha como guarda-costas da família real de um país árabe. Ele é um dos guias da ESPN aqui na África do Sul.
Bom momento para uma conversa sobre o país da Copa. Mas era preciso ter cuidado, sensibilidade para ouvir as opiniões de um ex-militar, branco, a respeito do que a África do Sul era e é.
“Faço parte da ‘geração perdida’”, ele diz. “Tenho 42 anos e não tive escolha.
Ou ia para o exército ou para a cadeia”.
Nosso amigo é de uma época em que as crianças brancas sul-africanas cresciam ouvindo que negros não eram gente. “Mas na minha casa, felizmente, formávamos nossa opinião”, pondera.
“Se dependesse de mim, as mudanças no país teriam acontecido muito antes”.
Olhos se arregalam na mesa redonda da ótima casa de carnes de Johanesburgo.
O interesse aumenta. O que você pensa de Nelson Mandela?, pergunta um colega. “É um ícone humano”, ele responde. “Eu o vejo como se fosse meu avô”, completa.
Meu papel ali era o de intérprete.
Nem todos na mesa falavam inglês.
Nosso segurança estava claramente surpreso pelo papo.
Nós, absolutamente gratos pela oportunidade.
É impossível chegar à África do Sul despido de pré-conceitos, mas é preciso querer ouvir.
E é necessário pelo menos tentar entender o que não nos faz sentido: falar sobre racismo nessa parte do mundo é mais ou menos como falar sobre drogas com holandeses.
O que sabemos, o que pensamos, simplesmente não se aplica.
Ou talvez se aplique, sim. “Eu gosto da nova África do Sul”, diz nosso guia. “Mas o problema da tensão racial não foi resolvido, ainda há um longo caminho a seguir”.
Outro colega quer saber se ele assistiu a “Invictus”, filme dirigido por Clint Eastwood em que Morgan Freeman interpreta Nelson Mandela e Matt Damon faz o papel de François Pienaar, o capitão que levou a seleção sul-africana ao título da Copa do Mundo de Rugby de 1995, logo após a chegada de Mandela à presidência do país. “Li o livro primeiro, depois vi o filme”, ele responde.
O diálogo que se se segue:
- Aquele momento foi mesmo tão importante?
- Talvez tenha sido o momento mais importante da nossa história.
- Nós podemos acreditar que aquele jogo teve tanto impacto?
- Absolutamente sim.
Por incrível que pareça, os olhos do sul-africano na mesa são os únicos secos.
Parte da emoção vem da cena que acontece ao lado.
A garçonete que nos atendia, negra, tinha se hipnotizado pela conversa.
Prestava máxima atenção na tradução das perguntas, nas respostas e na nossa reação.
Ela chamou dois colegas, também negros, e eles ficaram ali, ouvindo.
Se a Copa do Mundo acabar hoje, sem um mísero toque na bola, para mim já valeu.