O Jornal Zero Hora de Porto
Alegre publicou matéria sobre o que acontece com a maioria dos jogadores ao término
do campeonato estadual do Rio Grande do Sul.
A matéria está focada no futebol
gaúcho, mais exatamente naqueles que disputaram a primeira fase do campeonato,
onde Grêmio e Internacional não tiveram participação...
Foram 196 atletas inscritos na
disputa.
O mais incrível é que destes,
apenas 6 estão disputando o campeonato brasileiro...
4 na Série A e um, na Série B.
Certamente, o que você vai ler serve
para a maioria absoluta dos Estados.
A vida depois do estadual
Por: Cristiel Gasparetto, Rafael Diverio e Roberto Azambuja
Para o jornal Zero Hora
Entre o desemprego e a Série A: saiba onde estão 196 jogadores do
Gauchão
Zero Hora foi atrás dos atletas
que entraram em campo no dia 5 de abril, última rodada da primeira fase da
competição...
Lembra do meia Wagner, destaque
do Cruzeiro no Gauchão?
E o lateral Paulinho, do Novo Hamburgo, que errou o
pênalti que poderia ter eliminado o Grêmio do Estadual?
Em junho, dois meses após a
última rodada da fase classificatória do campeonato, Zero Hora consultou os
registros da Federação Gaúcha de Futebol (FGF) para descobrir onde estão os
jogadores que disputaram a principal competição do Rio Grande do Sul em 2015.
Foram pesquisados os 196 atletas
que entraram em campo no dia 5 de abril (somente Grêmio e Inter ficaram de
fora).
O resultado mostrou que, em junho, apenas 51 (26%) permaneciam nos
mesmos clubes.
Outros 83 jogadores tomaram os mais diferentes rumos, da Terceirona
do Gauchão à Série A do Campeonato Brasileiro.
Também há boleiros no Espírito
Santo, Acre, Amazonas e até na Malásia.
Teve ainda os que foram para times da
Divisão de Acesso e que já estão, outra vez, desempregados.
Falando nos sem
clube, no momento da consulta à FGF, eles eram 62 (31,6%).
Ah, sobre o Wagner,
ele agora está na Chapecoense.
E o Paulinho defende o Luverdense-MT na Série B.
Artilheiro do Gauchão vive dias vazios sem o gol pela frente
Michel marcou 11 gols, foi
comprado por um empresário, mas segue sem clube
Para cada exercício específico em
uma cadeia muscular, Michel faz uma série de abdominais.
Quer fortalecer o
púbis. Seu agente, José Lorenzo, espanhol que comprou os direitos econômicos do
goleador do Gauchão, contou que, no país de Real Madrid e Barcelona, as
pré-temporadas sacrificam essa região do corpo.
É na academia quase vazia, que,
sozinho, o jogador se dedica a garantir uma boa forma física para, se tudo der
certo, chegar bem à Europa.
Mas o levantamento repetido dos halteres serve,
principalmente, para conter sua ansiedade: dois meses depois de fazer 11 gols
em 15 jogos, o artilheiro do Passo Fundo segue desempregado.
Sua situação, porém, ainda não é
desesperadora, ao menos financeiramente.
Representado pelo empresário cujo
escritório está localizado em frente ao Estádio Santiago Bernabéu, tenta
aparentar tranquilidade de que irá para algum clube da primeira divisão
espanhola nos próximos dias.
Negou propostas de clubes das
séries B e C brasileira e até do famoso "mundo árabe".
Sua esperança
é chegar a uma equipe da altura de um Levante, um Elche ou Getafe, onde o
agente tem bom trânsito.
Aos 26 anos, Michel das Chagas
Henrique, 1m85cm, sabe que uma possível ida para a Espanha é a grande chance de
estourar uma carreira que já estava praticamente encravada entre clubes menores
do Rio Grande do Sul e Santa Catarina — com breves passagens por São Paulo.
O bom posicionamento na área, a
altura que possibilita disputar na cabeça com zagueirões e uma velocidade até
certo ponto surpreendente ajudaram-no a ser destaque na segunda divisão de
Santa Catarina pelo Concórdia no ano passado.
Procurado pelo Passo Fundo,
aceitou o convite de comandar o ataque do time do norte gaúcho em troca da
promessa de salários em dia e uma expectativa de um time forte, que brigasse
pelo título do Interior.
Houve investimento, mas faltou resultado para isso.
Mesmo assim, recebeu o valor prometido.
Surgiram propostas para jogar em
divisões menores enquanto não tem o futuro definido.
A única que realmente
interessava seria uma do São Gabriel, time da cidade em que vive com a mulher e
dois filhos pequenos.
Mas o salário não valia o risco.
Assim, acabou vendo da
arquibancada a equipe ser eliminada na quarta rodada do quadrangular final da
Divisão de Acesso, marcando apenas um gol.
Demonstrou tristeza pelos
companheiros de profissão e funcionários, e até pela cidade que nasceu e
escolheu para viver enquanto não confirma sua viagem para a Península Ibérica.
Quando pisou o gramado do Estádio Sílvio de Faria Corrêa, exclamou,
naturalmente:
— Ah! Que saudade disso aqui!
É na sua São Gabriel que passa os
dias com a família em uma rotina pacata para quem, três meses atrás, estava em
todos os noticiários esportivos.
A jornada se vai mais ou menos assim: pelas
manhãs, assume o papel de babá dos filhos.
As tardes são distribuídas entre
puxar ferro na academia e correr pelas ruas da cidade.
Em algumas noites, joga bola com
outros ex-jogadores — e nesses dias, segura no peso dos exercícios, "para
não endurecer os músculos".
Noutras, acende a lareira para assistir a DVDs
em uma TV de tubo ou receber alguns parentes em seu apartamento de dois
quartos.
Orgulhoso, deixa a chuteira dourada, que recebeu na festa dos melhores
do Gauchão, bem à vista, para se lembrar de sua campanha entre fevereiro e
abril de 2015.
E está sempre com o celular à
mão, com a internet ligada, seja no WiFi ou no 3G.
Porque é pelo WhatsApp sua
principal comunicação com José Lorenzo.
Nem reclama de ter sido acordado, dia
desses, às 5h.
O empresário mandou-lhe uma mensagem de voz garantindo que
estava encaminhando alguns acertos.
O objetivo, na verdade, era
transmitir uma mensagem de tranquilidade quanto ao seu futuro.
Como se fosse
possível tranquilizar um centroavante que está há três meses sem fazer gols.
Sem clube, volante virou sócio de loja de autopeças
Hoje aos 27 anos, Almir relata
que passou por dificuldades no segundo semestre de 2014.
Na tarde de 12 de março de 2011,
o volante Almir teve seu grande momento como jogador.
Em uma partida do
Campeonato Gaúcho, no Estádio Olímpico, ele recebeu passe na entrada da área e
chutou forte, marcando o segundo gol da vitória do Cruzeiro sobre o Grêmio.
Hoje, aos 27 anos, o
meio-campista está longe dos gramados.
Depois de disputar o Estadual pelo União
Frederiquense, não recebeu uma boa proposta financeira.
A alternativa foi se
aventurar em outra área.
O atleta virou sócio de uma autopeça na cidade de
Portão, no Vale do Caí.
— Agora, eu tenho uma renda fixa.
Futebol não é uma certeza para quem joga em time de Interior — justifica.
Natural de Porto Alegre, criado
no bairro Vila Nova, o mesmo de Ronaldinho, Almir sempre quis ser jogador.
O
sonho virou realidade no Cruzeiro, onde chegou em 2005, com 17 anos, e saiu
somente em 2013.
— Fomos vice-campeões gaúchos de
juniores em 2008 — recorda o volante.
Na temporada passada, o primeiro
aperto financeiro assustou.
O ano começou no Vilhena, de Rondônia.
Depois, o
destino foi o União de Frederico Westphalen.
Porém, mesmo após subir com o time de Frederico
Westphalen para a Série A do Gauchão, as propostas para jogar no segundo
semestre não apareceram.
A saída foi ajudar a mulher, Ana, na produção de
eventos e até trabalhar no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) durante as
eleições.
— Ano passado, a gente passou
dificuldades. Tive que me virar — destaca Almir.
Por isso, há três meses, quando o
sogro resolveu investir em uma autopeça e oferecer para o jogador e a filha
tocarem o negócio, o meio-campista resolveu aceitar.
— É complicado sempre ficar
correndo atrás para pagar as contas. Preciso pensar no futuro — enfatiza.
E com o encerramento do Gauchão,
a rotina mudou radicalmente.
Os treinos, jogos e concentrações foram trocados
por um expediente mais tradicional, das 8h às 12h e das 13h30min às 18h, mas
não menos puxado.
— O futebol te priva de muita
coisa, tu fica longe da família, sofre pressão, nem sempre os momentos são bons
— comenta Almir.
Sobre sua estreia no ramo de
autopeças, destaca que no começo estranhou, mas está pegando o jeito.
— Estou aprendendo as peças,
ganhando experiência.
Tem coisas que nem imaginava que existia — diverte-se.
Morador de São Leopoldo, Almir e
a mulher compraram um apartamento pelo programa Minha Casa, Minha Vida.
Com o
que conseguiu juntar no futebol, deu uma entrada e agora pagará o restante em
20 anos.
Para manter a forma, frequenta uma academia e joga em um time de
várzea.
No momento, sua atuação é fora dos gramados, mas se aparecer proposta
de algum clube...
— Se pintar uma boa, eu jogo.
O volante também faz faculdade de
Educação Física no IPA.
Começou em 2007, mas devido à rotina do futebol, teve
que trancar o curso várias vezes.
Atualmente, está no sexto semestre.
— A frustração que tenho no
futebol foi por não ter feito um contrato longo, de não ter oportunidades em um
time grande.
Quando poderia ter, no meu melhor momento, em 2011, me machuquei.
Não era para ser, mas não me arrependo, conquistei bastante coisa.
Joguei na
Arena, no Beira-Rio e no Olímpico.
Meio-campista optou pela faculdade
A instabilidade como jogador do
Interior está incomodando o meio-campista Régis, 25 anos, que disputou o
Gauchão pelo União Frederiquense.
Já pensando em uma vida longe dos gramados, o
atleta começou a cursar Direito em uma universidade de Santiago, cidade da
Região Central do Estado, onde reside.
— Quero fazer concursos, evitar a
instabilidade.
É horrível depender do primeiro semestre — ressalta o jogador,
que ainda não arrumou emprego para o restante do ano.
— Estou sem clube, não apareceu
nada. E não tenho outra fonte de renda. Guardo o que ganho no Estadual e fico
correndo atrás, ligando para amigos e empresários. Meu planejamento básico é
guardar o que ganho no Estadual para o ano inteiro — explica Régis.
A campanha ruim do União-FW no
Gauchão é apontada pelo atleta como um complicador para despertar o interesse
de outros times.
O fato de ficar sem emprego no segundo semestre angustia o
jogador, que não descarta até abandonar os gramados:
— Se ficar sem clube até o final
do ano, terei dificuldade. Nunca tinha ficado parado. Se for para ficar rodando
ou jogar só um semestre, talvez eu pare.
Meio-campista do Avenida no
Gauchão, o mineiro Elias, 26 anos, é outro que sofre com o desemprego.
Desde
abril sem clube, ele conta com a ajuda da mulher para se manter.
— Estou sem renda nenhuma. Jogo
campeonato de amadores e a esposa segura. É complicado — desabafa o atleta, com
passagem pela base do Botafogo e que já jogou no Juventude, na Tailândia e na
Moldávia.
Atualmente, mora em Santa Cruz do Sul e tem como rotina cuidar dos
filhos e se exercitar para manter a forma.
— É muito difícil, estou dividido
se continuo ou não. Prefiro trabalhar ganhando menos, mas que seja um emprego
estável.
Na Série A do Gauchão, a média
salarial é de R$ 5 mil a R$ 10 mil.
Na Divisão de Acesso, o valor médio cai
para cerca de R$ 3 mil.
E nas Copinhas do segundo semestre, diminui ainda mais.
Atacante já recebeu em dólar e agora se mantém no futebol sete
Anderson, ex-Cruzeiro,
complementa a renda de casa com o futebol amador
Anderson Pereira de Oliveira já
recebeu em dólares.
Hoje, desempregado, mantém a forma jogando a Série Prata do
Campeonato de Futebol Sete de Porto Alegre.
Para complementar a renda familiar,
conta com ajuda da mulher, secretária em uma universidade.
O atacante de 25 anos, que mora
no bairro Partenon, deixou o Cruzeiro após a eliminação nas quartas de final do
Gauchão.
Mesmo ainda jovem, garante que conseguiu guardar dinheiro suficiente
para sobreviver a períodos sem clube e sem contracheque.
Afirma que teve proposta de um
clube da Divisão de Acesso, mas recusou.
Havia promessa de um contrato melhor
no Rio de Janeiro, que acabou não vingando.
— Quando você está empregado, tem
que saber administrar. O segundo semestre é mais complicado para jogadores de
time pequeno. Em muitos lugares do Interior, tu acabas não recebendo. Gasta
mais estando fora do que em Porto Alegre — comenta Anderson.
Anderson iniciou no futebol
atuando no Grêmio, em 2001.
Mais tarde, passou por São José de Porto Alegre,
times do Paraná e São Paulo.
Em 2008, chegou a trabalhar com o grupo principal
do Fluminense, à época comandado por Renato Portaluppi.
Três anos depois, passou 10 meses
no Irã, onde teve dificuldades com a língua e a solidão.
Mas pôde fazer o pé de
meia com os petrodólares do Oriente Médio.
Conseguiu dar uma casa para a mãe em
Cachoeirinha.
De volta ao Brasil, passou pelo Boa, de Minas Gerais, e retornou
ao Rio Grande do Sul.
No dia em que conversou com a
reportagem de Zero Hora, Anderson participava de um jogo-treino de seu time em
uma quadra sintética na zona sul de Porto Alegre.
A equipe se preparava para um
torneio no fim de semana seguinte.
Fazia frio, mas o jogo era quente.
Até que
uma pegada mais forte foi o suficiente para iniciar uma briga generalizada.
Anderson se afastou.
— O futebol sete me mantém
jogando, treinando. Não é muito, mas dependendo dos jogos, consigo ganhar um
dinheirinho bom. Aí equilibra — pondera. — O problema é que fico sujeito a me
lesionar em um treino como este e ter que ficar muito mais tempo parado — admite.
O atleta lamenta que teve
"azar" com empresários, por isso mantém apenas um agente que lhe
ajuda na busca por clubes.
A tratativa que mais lhe enche os olhos é uma
oportunidade no futebol de Malta, um minúsculo arquipélago ao sul da Itália,
com menos de 500 mil habitantes.
— Tenho um pensamento muito fixo
de daqui a dois ou três anos não estar passando mais por isso. Tenho muita
vontade de jogar fora de novo. A começar pelo ano inteiro de contrato. O
futebol é uma carreira incerta. Contratos de quatro, cinco meses não têm
estabilidade alguma. Eu ainda não tenho filhos, mas tenho família. E as contas
não esperam — resume Anderson.
Grifes do Interior também sofrem com o desemprego
Eduardinho, 31 anos, e Marcelo
Pitol, 33, contam como se viram para pagar as contas no segundo semestre.
Não são só os jogadores menos
conhecidos que têm dificuldades para arrumar emprego após o Gauchão.
Atletas
rodados, verdadeiras grifes do Interior, também seguem sem emprego três meses
após o encerramento da primeira fase do Estadual.
É o caso, por exemplo, do meia
Eduardinho, 31 anos.
Desde 2009, ele disputa o Gauchão pelo Veranópolis.
Porém,
como o clube da Serra interrompe as atividades após o Estadual, o jogador tem
de ir atrás de emprego no segundo semestre.
Neste ano, não apareceram boas
propostas.
— Cada vez piora mais, são muitos
jogadores parados. Estou gastando o que tenho guardado, não é fácil — reclama
Eduardinho. — Não tenho a vida ganha, se tivesse, já tinha parado de jogar —
acrescenta.
Morador de Caxias do Sul, casado
e pai de um filho, o meia destaca que não aceita ofertas que considera muito
baixas pois tem medo de ter uma lesão grave e comprometer sua participação no
Gauchão do ano seguinte, quando a remuneração é garantida.
— No Veranópolis, sei que o pagamento
é certinho — enfatiza.
Mesmo assim, Eduardinho diz que
pretende jogar alguma das Copinhas organizadas pela FGF no segundo semestre,
para não ficar muito tempo parado.
— Infelizmente, vou ter que
correr o risco.
— Estou vivendo com pouco, mas
vivendo bem, com saúde — pondera o jogador.
Marcelo Pitol
Goleiro formado no Grêmio e com
passagens por vários times do Interior, Marcelo Pitol, 33 anos, é mais um nome
tarimbado no futebol gaúcho que está sem emprego há três meses, desde que o
Aimoré foi eliminado do Estadual.
É a primeira vez, conforme ele, que fica
tanto tempo sem trabalho.
— Estou esperando uma coisa
legal, mas está muito difícil. A cada ano vai piorando, não há um calendário
para toda a temporada — comenta.
Para manter a forma, o goleiro se
exercita em uma academia e também treina com a equipe sub-20 do Aimoré,
comandada pelo ex-jogador Arílson.
A punição de nove jogos sofrida após uma
expulsão no Gauchão também é apontada por Pitol como um fator que dificultou o
acerto com outros clubes.
A situação financeira do goleiro só não é mais
complicada pois tem, em sociedade com o irmão, uma pizzaria em São Leopoldo.
— Não é uma receita muito alta,
mas já dá para pagar as contas — revela.
Para Pitol, além da questão do
calendário, a desorganização dos clubes é um dos motivos para o desemprego de
muitos atletas.
Divisão de Acesso é a salvação depois do fim do Gauchão
São Gabriel recrutou cinco jogadores que disputaram a primeira divisão
Vem de São Gabriel um dos
principais exemplos da destinação de jogadores quando acaba o Gauchão.
O time
da região central do Estado importou cinco atletas para tentar voltar à elite
do futebol estadual em 2016.
Não conseguiu, mas ao menos chegou à fase final.
Quatro destes jogadores estavam
em campo na última rodada da primeira fase do Gauchão, em 5 de abril: o goleiro
Lúcio, o zagueiro Carlão Farias e os volantes Toto e Henrique.
O último acabou
acertando sua saída após sofrer uma lesão.
Márcio Bambu, que não disputou a
partida derradeira do Estadual, completa o time de reforços da Série A.
Ao todo, a Divisão de Acesso
recrutou 19 jogadores do Gauchão.
Para evitar os times de aluguel, a Federação
incluiu no regulamento que só são permitidos três novos vínculos por clube.
A
solução das equipes foi contratar os atletas antes de o torneio começar
“emprestando” para o representante da primeira divisão.
Por isso, Carlão ficou fora do
banco na maior parte dos jogos.
Deu lugar a Lúcio, Toto e Bambu.
Mas mesmo essa
condição não incomodou tanto.
Vinculado ao clube, o zagueiro que atuou pelo
Cruzeiro/RS conseguiu receber seu salário, se manter na vitrine e garantir mais
uns meses de tranquilidade.
— É uma segurança (jogar a
Divisão de Acesso). Dá um fôlego para o segundo semestre, quando a coisa
aperta. As copinhas pagam menos — explica o defensor de 25 anos.
As "copinhas" a que se
refere são os torneios criados pela Federação Gaúcha de Futebol (FGF) para
movimentar o Interior na metade final do ano.
Lúcio sabe bem disso.
Dois anos
atrás, tinha contrato com a Portuguesa e foi emprestado para dois times.
No fim
do segundo empréstimo, deveria retornar ao time da capital paulista.
Não foi aproveitado e passou seis
meses só treinando.
E não recebendo, é claro.
Por isso, nem sempre um acordo
mais longo é uma segurança.
Não se opõe a fazer contratos mais curtos desde que
garantam valores e condições prometidas, mesmo sabendo que pode acabar
desempregado por um tempo.
— Já estamos acostumados a essa
condição. Não dá para desanimar. Basta fazer um trabalho bom que logo já
aparecem outras oportunidades — diz o goleiro de 25 anos que se notabilizou no
último Gauchão ao defender um pênalti de Alex, do Inter.
Além do bom trabalho, é
importante ter amizades e contatos.
Muitos dos contratos de divisões inferiores
e copas de segundo semestre são feitos por indicações de técnicos e atletas.
A
necessidade de algum reforço é dividida com jogadores e treinadores que acabam
lembrando de amigos que tiveram sucesso.
É nisso que se apegam os
jogadores que estão quase ficando desempregados novamente.
— Até porque não dá para
desistir. Mesmo quando pensamos em largar tudo, lembramos de tudo o que já
sacrificamos para viver esse sonho de jogar e ganhamos o gás que precisamos
para não abandonar o que mais gostamos de fazer — conclui Lúcio.
Os jogadores que se deram bem e agora disputam o Brasileirão
Cinco atletas que estiveram na
última rodada do Gauchão conseguiram o sonho da Série A
Dos 196 jogadores do Interior que
entraram em campo na última rodada da fase classificatória do Gauchão, cinco
atingiram o objetivo sonhado por todos: foram contratados por um time da Série
A do Campeonato Brasileiro.
Dois deles estão no Goiás, o lateral-esquerdo
Rafael Forster, ex-Brasil de Pelotas, e o volante Patrick, ex-Caxias.
— O Gauchão foi uma coisa boa.
Como o Brasil foi campeão do Interior em 2014 e 2015, tu acaba aparecendo mais,
e o Goiás me deu oportunidade. Para quem está no Interior é muito difícil
conquistar isso (jogar a Série A) — destaca o catarinense Forster, 24 anos, que
elogia a estrutura da equipe da Região Centro-Oeste.
— As condições de trabalho são
muito boas, a diretoria é qualificada e o pagamento é em dia. No Interior, o
pessoal se esforça, mas às vezes tem essa dificuldade — enfatiza.
Além de Forster e Patrick, o
Goiás conta com mais dois jogadores que disputaram o Gauchão — o zagueiro Fred
(ex-Novo Hamburgo) e o centroavante Wesley (ex-São José) —, mas eles não estão
entre os 196 pesquisados nesta reportagem pois não entraram em campo na última
rodada do Estadual.
Forster e Wesley, inclusive,
viajaram no mesmo voo rumo a Goiânia para se apresentar ao novo clube.
Os
quatro "gaúchos" foram titulares no jogo do último domingo, na
derrota de virada para o Fluminense por 2 a 1.
Para os jogadores do Interior que
estão desempregados ou em clubes menores, o lateral-esquerdo deixa uma mensagem
de esperança.
Acredita que vale a pena insistir na carreira e usa o próprio
exemplo, já que em 2011 e 2012, pensou em largar o futebol.
Agora, é titular em
uma das principais equipes do país e joga nos modernos estádios da Copa do
Mundo.
— Às vezes, as coisas fogem do
controle, tu não tens poder de decisão. Para mim, valeu a pena ter esperado,
ter me dedicado, me esforçado um pouco mais. Futebol é o que gostamos de fazer.
Mas se chegar ao ponto de não ter mais vontade de ter contato com a bola, aí
não dá mais — conclui Forster.
Os outros jogadores que
disputaram o Gauchão e estão em clubes da Série A são o goleiro Bruno Grassi,
que saiu do Cruzeiro e foi para o Grêmio, o meia Wagner, ex-Cruzeiro e agora na
Chapecoense, e Matheus Ribeiro, lateral que foi do Ypiranga e se transferiu
para o Atlético-PR.
Sindicato define desemprego no futebol como "descarte de
homens"
Entidade cobra planejamento dos
clubes a longo prazo e maior suporte da CBF.
Para o Sindicato dos Atletas
Profissionais do RS, dois dados chamam a atenção.
O primeiro é o baixo número
de atletas que seguem no mesmo time pelo qual jogaram no Gauchão.
Para o
presidente da entidade, Paulo Cesar Mocellin, a informação comprova que não há
qualquer planejamento de longo prazo entre os clubes.
Os 31% de desempregados após o
Estadual também assustam.
Segundo o advogado Décio Neuhaus, coordenador
jurídico do sindicato, o percentual aponta para um "descarte de
homens".
— É como mercadoria. Usa até
enquanto serve e depois põe fora — comenta.
O sindicato tem um termo para
definir os lugares em que a maioria dos atletas vai quando acaba o Gauchão:
"futebol de subsistência".
Trata-se das divisões inferiores tanto do
Rio Grande do Sul quanto de fora.
— Muitas vezes os salários acordados
não são pagos e as situações em que vivem são precárias — diz Mocellin.
Outra dificuldade reclamada pela
entidade é a dificuldade de ter acesso a dados dos atletas.
A mudança no
sistema de registro tornou quase impossível acompanhar um atleta.
O BID só
apresenta os dados do dia, sem a função cumulativa, que facilitaria a pesquisa.
Para eles, duas mudanças são
necessárias — e urgentes.
A primeira é a necessidade de mais transparência na
CBF no setor de transferências e registros.
A segunda, e mais complicada, é a
elaboração de um novo calendário nacional de competições, que permita que os
times do Interior joguem durante todo o ano.
Três perguntas para Lúcio Flávio,
meia do Coritiba, representante do Bom Senso F.C.
Qual a posição do Bom Senso sobre
esta situação?
Definimos como lamentável. O
certo é termos calendário anual para todos os clubes profissionais. Não é
somente no Rio Grande do Sul, isso afeta todos os estados. A culpa disso é das
entidades de administração do futebol, especialmente a CBF, que é o órgão
máximo.
Como mudar o quadro?
Democratizando as decisões.
Estabelecendo a participação de atletas nos órgãos de deliberação da CBF e das
federações. Assim teremos uma oxigenação das propostas e voz para apresentar
outras propostas.
Qual o modelo para alterar isso?
Em 2014, o Bom Senso elaborou uma
proposta de calendário com campeonatos estaduais, regionais, Copa do Brasil e
cinco divisões nacionais. Assim poderíamos oferecer calendário anual para cerca
de 600 equipes profissionais.