Imagem: Autor Desconhecido
Saudade da minha cama
Yusra Mardini, 18 anos, síria,
atleta da equipe olímpica de refugiados
Por Depoimento colhido por Maria
Clara Vieira para Veja
A natação salvou minha vida duas
vezes.
A primeira foi quando tentava
chegar à Europa.
Se não fosse nadadora, não teria
sobrevivido à travessia entre Izmir, na Turquia, para onde tinha fugido da
guerra em minha terra natal, a Síria, e a Ilha de Lesbos, na Grécia.
No meio do caminho, o motor do
barco parou.
Eu e minha irmã, que também é
nadadora, pulamos na água.
Nadamos por três horas e meia.
Passei a odiar o mar.
Mas a experiência me fez mais
forte.
Da Grécia, atravessamos
Macedônia, Sérvia, Hungria e Áustria, um longo percurso a pé e de trem, até
chegarmos à Alemanha.
Fomos instaladas no acampamento
de refugiados em Berlim.
Ficamos vários dias na fila para
conseguir documentação.
Chegava a passar oito horas de pé
no frio.
Quando os papéis ficaram prontos,
a primeira coisa que fiz foi procurar um clube de natação.
Já tinha competido na Síria.
O técnico gostou do meu currículo
e me inscreveu nos treinos.
E foi nas piscinas desse clube
alemão que conquistei minha segunda grande chance na vida, a indicação para
participar do time de refugiados dos Jogos Olímpicos.
Vou disputar duas provas de 100
metros: a de nado livre e a de nado borboleta.
Saí de Damasco porque não
enxergava futuro lá. Ia aos treinos e à escola, mas não via nenhum sentido,
nenhum propósito.
Continuava nadando por amor, mas
sabia que, com a guerra civil na Síria, nunca chegaria ao nível profissional.
Comecei a nadar aos 3 anos, por
influência do meu pai, que é técnico de natação.
Escolhi especializar-me no estilo
borboleta justamente por ser o mais difícil.
Em casa, falávamos pouco da
situação.
Havia uma resignação geral.
Com o avanço da guerra, porém, os
treinos ficaram complicados.
O teto do edifício em que
treinávamos desabou em um bombardeio.
Quando nossa casa foi destruída,
eu e minha irmã resolvemos cruzar a fronteira com a Turquia.
Meus pais concordaram.
Não perdi nenhum parente na
guerra, mas três amigos morreram.
Dois nadadores da nossa equipe
também foram vítimas.
Passamos por muitas dificuldades,
mas quando penso que a vida não parou por causa delas tenho força para
continuar.
Participar da Olimpíada do Rio de
Janeiro é uma oportunidade de mostrar que os 60 milhões de refugiados em todo o
mundo são pessoas que, antes de fugir, tinham uma vida, uma história, um
trabalho.
É uma forma de mudar a maneira
como somos vistos.
Sinto que estou competindo por
todos: pelos refugiados, pela Síria, pela Alemanha.
Sinto muita falta de Damasco.
Está completando um ano que saí
de lá.
Tenho muita saudade de minha
casa, especialmente de minha cama.
Mas não sou de ficar chorando
pelo que não posso mudar.
Hoje minha família está toda
reunida na Alemanha.
Retornei à escola, saio com
amigos, levo uma vida normal e razoavelmente feliz.
Tenho uma rotina.
Talvez construa uma vida lá e,
quando for mais velha, regresse a meu país para relatar esta experiência.
Quero que o povo sírio se lembre
de mim como um símbolo de esperança, porque, infelizmente, muitos já se
esqueceram de seus sonhos no meio da guerra.
Quero mostrar que, mesmo que a
jornada seja difícil, qualquer um é capaz de alcançar objetivos grandes.
Não espero ganhar nenhuma medalha
na Olimpíada do Rio.
Já considero uma vitória ter
chegado até aqui, junto com outros refugiados, formando a primeira equipe desse
tipo na história dos Jogos.
O esporte permaneceu comigo
quando eu tinha perdido tudo.
No momento em que pulo na água,
deixo meus problemas para trás e só penso em uma coisa: superar meus limites.
Do blog
Yusra Mardini, não conseguiu se
classificar...
Entre as 45 nadadoras que competiram por uma
vaga na final dos 100 metros borboleta, ela chegou em 41º lugar.
Concluiu a bateria
classificatória com o tempo de 1:09,21...
Porém, se tornou um símbolo para
todos os refugiados, que motivados por guerras, perseguições políticas ou
religiosas deixaram seus países.