Imagem: Facundo Arrizabalaga/EFE
Negra, pobre e Silva: o primeiro ouro da Rio 2016 é a cara do Brasil
A judoca Rafaela Silva é a
primeira, pelo Brasil, a subir ao lugar mais alto do pódio na Rio 2016
Por Gustavo Moniz para o El País
Na Olimpíada de Londres 2012, a
judoca Rafaela Silva já era esperança de medalha para o Brasil.
Mas o que era para ser a
consagração de uma jovem talentosa, moradora da Cidade de Deus, uma das mais
emblemáticas favelas do Rio de Janeiro, virou um episódio desagradável em
questão de segundos.
A tentativa de um golpe irregular
e a consequente eliminação na luta preliminar dos Jogos quase encerrou sua
carreira.
A derrota foi seguida de
comentários racistas nas redes sociais, que abalaram tanto a atleta que ela
precisou ser convencida a voltar aos treinos.
Hoje, quatro anos depois, em
casa, ela entrou para a história ao conquistar para o Brasil a primeira medalha
de ouro da Rio 2016 e a memória da agressão veio com êxtase e choro:
"O macaco que tinha que
estar na jaula hoje é campeão", falou à TV Globo após a conquista
da categoria peso-leve.
Londres esteve o tempo todo
presente na cabeça de Rafaela nesta segunda-feira.
A segunda luta dela foi
exatamente contra a húngara Hedvig Karakas, adversária da fatídica eliminação
nos Jogos de 2012.
"Eu tinha visto a chave e esperava que a gente se cruzaria. Eu só
não pensava que iria sentir aquela sensação de novo", contou.
"Depois de ser eliminada em Londres, não tem como segurar a emoção
na hora do hino", disse a judoca ao canal Sportv, ainda com a medalha
no peito, logo depois de descer do lugar mais alto do pódio.
A retomada da carreira aos 24
anos - que culminaria no ouro que é a cara do Brasil: de uma negra, pobre e
Silva - é fruto de muito trabalho no tatame e também fora dele.
Rafaela contou com o apoio de uma
psicóloga para refazer a ideia que tinha de si mesma.
Aos poucos, a judoca voltou a
acreditar que poderia ser campeã.
Conquistou o mundial em 2013 e
teve uma recaída na sequência.
A recuperação durou dois anos.
"Pensei que fosse largar o judô depois da minha derrota em
Londres. Comecei a fazer um trabalho com minha psicóloga e ela não me deixou
abandonar o judô. Meu técnico também me incentivava a cada dia. Em 2014 e 2015
não tive bons resultados, estava meio desacreditada. Falaram que eu era uma
incógnita, mas eu vim, treinei ao máximo e o resultado veio".
Rafaela começa a erguer a
história do judô brasileiro na Rio 2016, a modalidade que mais deu pódios ao
país em Jogos Olímpicos ao lado do vôlei, após a decepção com a eliminação de
duas promessas do tatame no sábado.
Entre os agradecimentos, uma
homenagem especial às crianças que são suas companheiras de treino no Instituto
Reação, projeto social de Flavio Canto, medalhista de bronze em Atenas 2004.
Criado em 2003, o Instituto
atende mais de 1.200 alunos, entre os quais está Rafaela.
"É muito bom para as crianças que estão assistindo ao judô agora.
Ver alguém como eu, que saiu da Cidade de Deus, que começou o judô com cinco
anos como uma brincadeira, ser campeã mundial e olímpica, é algo inexplicável.
Se essas crianças têm um sonho, têm que acreditar que pode se realizar",
disse.
Sob o quimono, no bíceps direito,
ela já havia tatuado o seu:
"Só Deus sabe o quanto sofri e o que tive de fazer para chegar
aqui", diz a frase que fez desenhar sobre anéis olímpicos coloridos.
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