Por Ubiratan Leal (http://www.gardenal.org/balipodo/)
- Teresópolis, manhã de 10 de outubro. O treino da Seleção Brasileira é cancelado, mas os jornalistas continuam na Granja Comary tentando descobrir algum assunto para enviar às suas redações. Surpreendentemente, Dunga desce das acomodações e passa no meio dos repórteres. Um pára, faz o sinal de “jóia” e cumprimenta como quem busca aprovação e intimidade: “e aí, capitão?”. Não faltava mais nada para se perceber que aquele era um território hostil para o Balípodo.
Os bastidores da cobertura da Seleção na Granja Comary antes da estréia nas Eliminatórias contra a Colômbia deixam evidente a necessidade da imprensa de estar ao lado da cúpula cebefista. Mesmo que nem sempre isso tenha efeito prático. Elogios, adoção do discurso oficial e dependência do que a assessoria de imprensa da CBF determina. A ausência – por vezes total – de algo a ser noticiado também contribui para o cenário, fazendo que os repórteres façam “contorcionismo jornalístico” para mandarem o número de boletins ou reportagens combinado com o editor.
A sensação de que as coisas não são como deveriam ser começa logo na chegada. A Granja Comary, ao contrário do que o público pode imaginar, não fica fora da cidade. Pelo contrário, ela induziu uma valorização de sua região e seu entorno se transformou em um bairro de Teresópolis. Isso não teria tanto problema se as próprias instalações da Granja não fossem um condomínio fechado, em que a Seleção tem de dividir espaço com casarões de inverno da elite carioca.
Lá dentro, fica evidente que há uma hierarquia interna. No alto da pirâmide social da cobertura da Seleção, estão os profissionais da Globo, que têm acesso privilegiado a quase tudo e só andam entre eles, salvo raras exceções. A seguir, jornalistas já experientes na cobertura do dia-a-dia da CBF. Entre esses, há duas categorias: os que têm viagens custeadas pela entidade (e, portanto, contam com algumas regalias) e os que apenas estão por lá com freqüência. Na base dessa “sociedade” estão os repórteres que não têm tanta intimidade com o ambiente cebefista e, por isso, ficam meio de lado.
Os jogadores descem dos quartos (que ficam no alto de um morro) e se preparam para o treino. Antes disso, uma rodada de entrevistas na zona mista. A primeira pergunta para Ronaldinho: “Se você marcar um gol, pretende fazer a dança do siri?”. De fato, uma informação fundamental para a torcida brasileira. Quando a pergunta não é boba, é óbvia, como “Robinho, você pretende continuar como titular da seleção e marcando gols?”. Alguém acha que ele responderia “não”?
O festival da falta de assunto só é interrompido quando aparece um carro preto. Os portões se abrem para ele, que entra imponente, como se dominasse o lugar. De dentro do veículo sai “o Presidente”. Pelo menos todos o chamam assim, mas ele também responde por Ricardo Teixeira.
O presidente da CBF entra no vestiário e manda chamar imediatamente os jogadores que dão entrevista coletiva. Tudo tem de parar para ele bater um papo com o elenco. Jornalistas ficam contrariados. Rodrigo Paiva, assessor de imprensa da entidade, até se esforça para ajudar os repórteres, mas deixa bem claro quem manda: “o presidente não é visita nunca. Ele pode vir aqui quando quiser e será bem-vindo”. Junto com a comitiva de Teixeira aparecem algumas crianças, que têm acesso privilegiado para pedir autógrafos aos jogadores. E os jornalistas seguem esperando os atletas para as entrevistas.
Jogadores vão aos treinos e não há notícias. Nada de relevante acontece. Quer dizer, Robinho estava contundido e alguns especulavam a respeito da gravidade da lesão. Outros percebiam que Dunga montou o time titular com Kaká como principal atacante. Rendeu algumas reportagens, mas, para muitos, é preciso mais e qualquer declaraçãozinha serve. Mesmo que não seja novidade ou não tenha conteúdo algum.
Um exemplo. Depois de falar com Kaká, um repórter sai vibrando da zona mista. “Já tenho a manchete!” Quando perguntado por um colega qual seria, responde: “Kaká disse que quer jogar nas Olimpíadas”. Imagine se o milanista daria uma resposta diferente após a celeuma criada pelo pedido de dispensa da Copa América.
Enquanto isso, alguns repórteres conversam com o assessor de um dos patrocinadores da Seleção para marcar entrevistas, em claro conflito de funções. Passar pela sala de imprensa não é mais motivador. O local está cheio, com jornalistas se amontoando nas mesas para conseguir enviar suas matérias enquanto cameramen tentam posicionar seus equipamentos para a entrevista coletiva. O pessoal do rádio aproveita para enviar boletins às redações. Pérolas como: “Ronaldinho Gaúcho vence torneio de Winning Eleven na concentração da Seleção”.
No dia seguinte, a situação é pior. O treino da manhã é cancelado em cima da hora e a horda de repórteres não tem o que fazer. Para a sorte de muitos, Dadá Maravilha aparece na Granja Comary com a camisa da Seleção. Dario faz algumas brincadeiras, solta frases de efeito e salva a pauta de muita gente. A presença de Ester e Daniela Alves, da Seleção feminina, também rende entrevistas.
Curiosamente, o contingente de jornalistas da Sportv cresce exponencialmente. A emissora estava contrariada com a determinação da CBF que as televisões não podiam montar tendas para fazer seus programas e havia mandado uma equipe pequena em um primeiro momento. Também corre a história de que Kaká e Ronaldinho estariam irritados com a Globo pela pressão que fizeram sobre o pedido de dispensa de ambos da Copa América (Kaká negou o fato).
Nesse momento, a sala da Escola Brasileira de Futebol, espaço da Granja Comary para cursos, se transforma em quartel-general informal da equipe da Globo/Sportv. O espaço serve até para eles se trocarem, dando um sinal inequívoco da relação íntima entre a CBF e a emissora carioca.
Um repórter global parece contrariado com a ausência de notícias e conversa com um assessor da CBF. Pergunta se pode subir aos alojamentos para fazer algumas imagens. Em teoria, a imprensa não tinha acesso. Mas o assessor responde: “Sobe lá. Todo mundo sabe quem você é e ninguém vai te barrar”. Mais tarde, minutos antes de o treino da tarde começar, o mesmo repórter é visto saindo dos vestiários depois de filmar um pagode dos jogadores. Privilégios que os demais jornalistas não tiveram.
A sensação de que tudo só funciona na base da troca de favores é grande e motiva outros repórteres a buscarem a aprovação da cúpula cebefista como se fosse um mandamento. Em uma entrevista coletiva de Dunga, um chega a perguntar: “Já estamos nos dando melhor?”.
O cenário só muda quando Marcelo Madureira, do humorístico Casseta & Planeta, vai a Teresópolis para gravar um quadro para o programa. O comediante pega o recebe o microfone para perguntar a Dunga se “no Equador é grande”. O problema é que sua intervenção foi logo no início da entrevista coletiva do treinador, que se irrita e deixa a sala de imprensa sem falar com mais ninguém. Os outros jornalistas ficam sem declarações para publicar e com muitas reclamações a fazer para a assessoria de imprensa da CBF por não deixar o comediante para o final da coletiva.
De qualquer modo, já é hora de voltar. São 7 horas de estrada até São Paulo. A sensação é que muita gente também gostaria de ter ido embora para não precisar ficar mais tempo cumprimentando “autoridades” e falando sobre o nada.
Os bastidores da cobertura da Seleção na Granja Comary antes da estréia nas Eliminatórias contra a Colômbia deixam evidente a necessidade da imprensa de estar ao lado da cúpula cebefista. Mesmo que nem sempre isso tenha efeito prático. Elogios, adoção do discurso oficial e dependência do que a assessoria de imprensa da CBF determina. A ausência – por vezes total – de algo a ser noticiado também contribui para o cenário, fazendo que os repórteres façam “contorcionismo jornalístico” para mandarem o número de boletins ou reportagens combinado com o editor.
A sensação de que as coisas não são como deveriam ser começa logo na chegada. A Granja Comary, ao contrário do que o público pode imaginar, não fica fora da cidade. Pelo contrário, ela induziu uma valorização de sua região e seu entorno se transformou em um bairro de Teresópolis. Isso não teria tanto problema se as próprias instalações da Granja não fossem um condomínio fechado, em que a Seleção tem de dividir espaço com casarões de inverno da elite carioca.
Lá dentro, fica evidente que há uma hierarquia interna. No alto da pirâmide social da cobertura da Seleção, estão os profissionais da Globo, que têm acesso privilegiado a quase tudo e só andam entre eles, salvo raras exceções. A seguir, jornalistas já experientes na cobertura do dia-a-dia da CBF. Entre esses, há duas categorias: os que têm viagens custeadas pela entidade (e, portanto, contam com algumas regalias) e os que apenas estão por lá com freqüência. Na base dessa “sociedade” estão os repórteres que não têm tanta intimidade com o ambiente cebefista e, por isso, ficam meio de lado.
Os jogadores descem dos quartos (que ficam no alto de um morro) e se preparam para o treino. Antes disso, uma rodada de entrevistas na zona mista. A primeira pergunta para Ronaldinho: “Se você marcar um gol, pretende fazer a dança do siri?”. De fato, uma informação fundamental para a torcida brasileira. Quando a pergunta não é boba, é óbvia, como “Robinho, você pretende continuar como titular da seleção e marcando gols?”. Alguém acha que ele responderia “não”?
O festival da falta de assunto só é interrompido quando aparece um carro preto. Os portões se abrem para ele, que entra imponente, como se dominasse o lugar. De dentro do veículo sai “o Presidente”. Pelo menos todos o chamam assim, mas ele também responde por Ricardo Teixeira.
O presidente da CBF entra no vestiário e manda chamar imediatamente os jogadores que dão entrevista coletiva. Tudo tem de parar para ele bater um papo com o elenco. Jornalistas ficam contrariados. Rodrigo Paiva, assessor de imprensa da entidade, até se esforça para ajudar os repórteres, mas deixa bem claro quem manda: “o presidente não é visita nunca. Ele pode vir aqui quando quiser e será bem-vindo”. Junto com a comitiva de Teixeira aparecem algumas crianças, que têm acesso privilegiado para pedir autógrafos aos jogadores. E os jornalistas seguem esperando os atletas para as entrevistas.
Jogadores vão aos treinos e não há notícias. Nada de relevante acontece. Quer dizer, Robinho estava contundido e alguns especulavam a respeito da gravidade da lesão. Outros percebiam que Dunga montou o time titular com Kaká como principal atacante. Rendeu algumas reportagens, mas, para muitos, é preciso mais e qualquer declaraçãozinha serve. Mesmo que não seja novidade ou não tenha conteúdo algum.
Um exemplo. Depois de falar com Kaká, um repórter sai vibrando da zona mista. “Já tenho a manchete!” Quando perguntado por um colega qual seria, responde: “Kaká disse que quer jogar nas Olimpíadas”. Imagine se o milanista daria uma resposta diferente após a celeuma criada pelo pedido de dispensa da Copa América.
Enquanto isso, alguns repórteres conversam com o assessor de um dos patrocinadores da Seleção para marcar entrevistas, em claro conflito de funções. Passar pela sala de imprensa não é mais motivador. O local está cheio, com jornalistas se amontoando nas mesas para conseguir enviar suas matérias enquanto cameramen tentam posicionar seus equipamentos para a entrevista coletiva. O pessoal do rádio aproveita para enviar boletins às redações. Pérolas como: “Ronaldinho Gaúcho vence torneio de Winning Eleven na concentração da Seleção”.
No dia seguinte, a situação é pior. O treino da manhã é cancelado em cima da hora e a horda de repórteres não tem o que fazer. Para a sorte de muitos, Dadá Maravilha aparece na Granja Comary com a camisa da Seleção. Dario faz algumas brincadeiras, solta frases de efeito e salva a pauta de muita gente. A presença de Ester e Daniela Alves, da Seleção feminina, também rende entrevistas.
Curiosamente, o contingente de jornalistas da Sportv cresce exponencialmente. A emissora estava contrariada com a determinação da CBF que as televisões não podiam montar tendas para fazer seus programas e havia mandado uma equipe pequena em um primeiro momento. Também corre a história de que Kaká e Ronaldinho estariam irritados com a Globo pela pressão que fizeram sobre o pedido de dispensa de ambos da Copa América (Kaká negou o fato).
Nesse momento, a sala da Escola Brasileira de Futebol, espaço da Granja Comary para cursos, se transforma em quartel-general informal da equipe da Globo/Sportv. O espaço serve até para eles se trocarem, dando um sinal inequívoco da relação íntima entre a CBF e a emissora carioca.
Um repórter global parece contrariado com a ausência de notícias e conversa com um assessor da CBF. Pergunta se pode subir aos alojamentos para fazer algumas imagens. Em teoria, a imprensa não tinha acesso. Mas o assessor responde: “Sobe lá. Todo mundo sabe quem você é e ninguém vai te barrar”. Mais tarde, minutos antes de o treino da tarde começar, o mesmo repórter é visto saindo dos vestiários depois de filmar um pagode dos jogadores. Privilégios que os demais jornalistas não tiveram.
A sensação de que tudo só funciona na base da troca de favores é grande e motiva outros repórteres a buscarem a aprovação da cúpula cebefista como se fosse um mandamento. Em uma entrevista coletiva de Dunga, um chega a perguntar: “Já estamos nos dando melhor?”.
O cenário só muda quando Marcelo Madureira, do humorístico Casseta & Planeta, vai a Teresópolis para gravar um quadro para o programa. O comediante pega o recebe o microfone para perguntar a Dunga se “no Equador é grande”. O problema é que sua intervenção foi logo no início da entrevista coletiva do treinador, que se irrita e deixa a sala de imprensa sem falar com mais ninguém. Os outros jornalistas ficam sem declarações para publicar e com muitas reclamações a fazer para a assessoria de imprensa da CBF por não deixar o comediante para o final da coletiva.
De qualquer modo, já é hora de voltar. São 7 horas de estrada até São Paulo. A sensação é que muita gente também gostaria de ter ido embora para não precisar ficar mais tempo cumprimentando “autoridades” e falando sobre o nada.
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