Ainda não consegui digerir a tragédia que as abateu sobre o Haiti terça-feira passada (12/01).
É profundamente doloroso, assistir a mais uma ferida aberta de forma tão brutal num país já tão marcado pela brutalidade, miséria e desesperança...
A história da ilha de Hispaniola é antiga, seus primeiro habitantes por lá chegaram por volta de 7.000 aC, mas foi com o desembarque de Cristovão Colombo que a grande ilha passou a existir para o mundo dito civilizado.
Por 28 anos, os espanhóis dominaram a ilha e nesse período, praticamente exterminaram a população nativa, mas em 1520, a posse da ilha passa para as mãos dos franceses que lá se estabelecem e acabam por torná-la uma das mais ricas colônias das Américas...
O Haiti foi o primeiro país latino americano a declarar sua independência e sua luta pela liberdade é repleta de violência, idas, vindas, traições e morte...
Finalmente livre, a jovem nação de maioria negra, passou a viver sob regimes ditatoriais...
Até um maluco se fez coroar imperador...
De pérola das Antilhas, o país passou a ser um símbolo de miséria e corrupção.
Mas não é sobre a história do Haiti que pretendo escrever e sim, sobre três personagens que me vieram à cabeça assim que soube do acontecido...
O primeiro mostra o estado de terror que o pequeno país vivia sob a ditadura dos Duvalier (François Duvalier ou Papa Doc (Papai Médico), havia morrido em 1971 e o poder foi transferido para seu filho, Jean Claude Duvalier, o Baby Doc, que com apenas 19 anos, assumiu a presidência do Haiti e o poder total).
Jean Joseph, zagueiro da seleção haitiana que pela primeira vez participava de uma Copa do Mundo (Alemanha 1974), entrou para a história como sendo o primeiro jogador flagrado num exame antidoping em um mundial, na partida em que o Haiti foi goleado por 7x0 pela Polônia.
No dia seguinte ao anuncio da FIFA, Jean Joseph foi retirado do quarto onde dormia e levado por seguranças (membros dos Tontons Macoutes (Bichos Papões), milícia secreta a serviço do ditador Baby Doc) para o jardim do hotel onde a seleção estava concentrada, e diante de todos os presentes, foi surrado brutalmente...
Diante dos protestos dos organizadores da Copa, a chefia da delegação haitiana, divulgou uma nota, repudiando a interferência estrangeira em assuntos internos do país e afirmando que a ação era plenamente justificada, pois Jean Joseph com sua atitude havia envergonhado sua pátria.
Nada mais se soube sobre Jean Joseph, depois da volta do Haiti para casa...
O segundo é jogador Emmanuel Sannon, cujo feito foi marcar os dois únicos gols dos haitianos em 1974...
Porém, um desses gols o tornou célebre e foi marcado contra a Itália na derrota por 3x1...
A Itália não tomava gol desde 1972 e Dino Zoff estava há 1.142 minutos invicto, mas aos 46 minutos da primeira etapa, num cochilo da zaga italiana, Sannon recebeu um lançamento, partiu em direção ao gol, esperou Zoff sair em sua direção e com um drible seco, deixou o goleiro caído e tocou mansamente para o fundo das redes – as 51.100 pessoas presentes ao estádio ficaram incrédulas e os italianos completamente aturdidos, mas o sonho do Haiti durou pouco, aos 7 minutos da segunda etapa, Gianni Rivera, marcou o gol de empate e depois, Benetti e Anastasi completaram o marcador.
O segundo gol de Sannon aconteceu diante da Argentina, mas serviu apenas de consolo, pois os argentinos já venciam por 4x0...
O terceiro personagem é para mim o mais simpático e o que melhor representa a fibra desse pequeno país – seu nome Francilon, sua posição: goleiro e sua sina, lutar para evitar goleadas gigantescas.
Em 74 eu tinha 19 anos, e acompanhei com entusiasmo e angustia as agruras do goleiro haitiano...
Na primeira partida diante da Itália, Francilon foi uma muralha diante do ataque italiano, e não era um ataque qualquer – Mazzola, Fabio Capello e Gianni Rivera, alimentavam Gigi Riva e Chinaglia e estes infernizaram a vida de Francilon que, por sua vez, tirou do sério a dupla de atacantes da Azzurra.
Na segunda partida, o Haiti enfrentou a Polônia e aí, Francilon mostrou dignidade e espírito de luta até o fim – ao final do jogo, Tomaszewski (para mim, um dos 10 maiores goleiro que vi jogar), correu em sua direção, estendeu-lhe a mão e lhe ofertou sua camisa...
Os 7x0 da Polônia sobre o Haiti poderiam ter sido 14,16 ou até mais, não fosse à atuação de Francilon, diante de Lato, Deyna, Szarmach, Zmuda e Kasperczak...
Francilon jamais desanimou e jamais se entregou...
Demonstrava desespero e raiva a cada tomado, mas continuava a lutar como se fosse possível evitar o pior.
Na partida de despedida, Francilon enfrentou Houseman, Mário Kempes, Babington, Brindisi, Balbuena e Heredia, e o fez com a mesma galhardia de sempre...
Os argentinos venceram por 4x1, mas sabiam que aquele negro alto e ágil, havia evitado uma goleada maior, mas comemoraram loucamente o quarto gol, pois foi o gol que classificou a Argentina para a fase seguinte, eliminando a Itália no saldo de gols.
Jean Joeph, o jovem que por ter cometido um erro, foi humilhado publicamente num país estrangeiro e ficou marcado para sempre, despareceu...
Emmanuel Sannon morreu em fevereiro de 2008, ainda celebrado em todo o Caribe pelo gol sobre o grande Dino Zoff...
Sobre Francilon, nada consegui resgatar a não ser o que ficou em minha memória tantos anos depois, e que um terremoto me trouxe de volta tão nitidamente e tão tristemente...
A eles e ao povo do Haiti, dedico essa postagem e minha mais sincera admiração...
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