Nada tem haver com futebol e, certamente nada tem haver com os leitores desse espaço, mas desculpe caro leitor, esse espaço é meu e, por essa razão, quero dedicar algumas linhas a Márcia...
Márcia só... poderia ser seu nome completo...
Nunca soube seu sobrenome e esse fato nunca fez nenhuma diferença.
Mas sabia de sua solidão e isso, sempre fez muita diferença.
Márcia era uma moça como muitas outras moças...
Entretanto, em algum momento, a vida a abandou a sua própria sorte, ou quem sabe, ela tenha abandonado a vida e se deixado levar pelas mãos pelo infortúnio.
Márcia não era feia, poderia ter sido até bonita se as drogas, o álcool e o sexo sem cuidado e sem amor não a tivessem transformado numa caricatura de si mesma.
Márcia tinha um sorriso bonito, um olhar meigo e seus gestos eram suaves e doces...
Tinha o costume de me chamar de meu querido e jogar beijos quando a distancia cruzava meu caminho...
Mas ela sempre dava um jeito de se aproximar com suas roupas maltrapilhas, suas mãos sujas e seu jeito de menina meiga e assustada...
Chegava de mansinho...
Me abraçava, ficava na ponta dos pés e me beijava o rosto e dizia baixinho: “me dá um cigarro e uma pratinha”...
As pessoas à volta pareciam se incomodar... engraçado, nunca senti repulsa, nunca me esquivei ou a afastei...
Sempre retribui o beijo, mesmo quando o cheiro do álcool era quase insuportável.
Não sei quantos cigarros ou quantas pratinhas lhe dei...
Mas sei que gostava dela.
Certa vez, resolvi sentar a seu lado na pracinha do cruzeiro na Vila de Ponta Negra e lhe perguntei se havia alguma coisa que eu pudesse fazer por ela...
Ela sorriu e disse:
- Como assim meu lindo?
- Você não tem vontade de deixar tudo isso e tentar recomeçar?
- Não meu lindo... recomeçar para que?
- Não tenho para onde ir e nem para quem voltar...
Senti um nó na garganta quando ela com os olhos molhados de lágrimas, mas ainda sorrindo me segurou a mão e encerrou a conversa com as seguintes palavras.
- Meu lindo, eu sou ninguém e ninguém liga para quem é ninguém...
- Cuida de sua vida, mas nunca deixe me dar um cigarro e uma pratinha.
Levantei e segui meu caminho me sentindo um lixo.
Ontem, por volta do meio dia soube que seu coração havia parado e que ela estava morta...
Senti um imenso vazio e uma vontade enorme de ir vê-la, mas recuei e não fui...
Apenas lembrei-me de uma frase dita por um médico de um campo de prisioneiros na União Soviética a um prisioneiro que pranteava um companheiro morto pela fome e pelo tifo:
“Nenhuma morte é triste, quando o que havia antes, não era vida”.
Hoje, quando for trabalhar, possivelmente irei separar o cigarro e a pratinha, mas ela não virá e então, só me restará o desejo que a morte dê a Márcia a paz e o sossego que ela não conseguiu enquanto caminhou pelas ruas, vielas e becos da Vila de Ponta Negra.
2 comentários:
Belo texto e uma situação dramática.
QUANTAS MÁRCIAS NÃOEXISTEM EM NOSSA CIDADE, NESSE RIO GRANDE DO NORTE VELHO, NO BRASIL, IMENSO, COM MILHARES DE MÁRCIAS A LHE POVOAS AS ESQUINAS, TODOS OS DIAS, HEIM,FERNANDO? ATÉ QUE PONTO ELA ESCOLHEU SER UMA "NINGUEM"? QUANTAS MÁRCIAS DESISTEM DE SI MESMAS TODOS OS DIAS? FERNANDO, ME EMOCIONOU NÃO SOMENTE O TEXTO, MAS LHE CONHECENDO, EU AGRADEÇO, EM NOME DE TANTAS MÁRCIAS E MÁRCIOS QUE EXISTEM POR AÍ, CADA MINUTO EM QUE VOCÊ SENTOU JUNTO DELA. NESSES MINUTOS, AMIGO, POR TER ALGUEM A LHE ESCUTAR, A MOSTRAR CARINHO, COISA BÁSICA NA VIDA DE TODO SER HUMANO, ELA FOI ALGUEM... UM ABRAÇÃO DO AMIGO HONÓRIO.
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