Imagem: Autor Desconhecido
Li esse texto no blog do Juca
Kfouri...
Li, reli e não pude deixar de me
emocionar.
A história abaixo faz parte de
minha infância, das conversas na varanda da casa de meu avô, entre velhos senhores
em uniformes ou ternos bem cortados que vez por outra deixavam de lado as
prosas políticas e se deliciavam com longos debates sobre o bom e velho
futebol.
Minha garganta precisou engolir o
nó que se formou.
Conheci Pompéia, ou melhor, meu
pai, vascaíno até a última molécula, me levou ao vestiário do América após um doído 0 a 0 e lá,
disse, “não fosse ele, teríamos vencido”.
Meu pai era uma figura singular...
Amava o esporte e nunca se
esquivou de reconhecer nos adversários, gigantes...
Hoje sei que aquilo não só era
uma característica de meu pai, mas também, uma forma inteligente de alçar o
Vasco ao topo:
“Menosprezar os adversários,
não ofende ninguém, apenas diminuiu o Vasco”, dizia meu pai.
“De que adianta vencer quem não
tem valor”, costumava perguntar aos amigos dele, vascaínos como ele, que o
censuravam por elogiar equipes e jogadores de outras cores.
Pois bem, esse texto me fez voltar no tempo, quando num final de tarde, conheci Pompéia pelas mãos do homem
que me fez amar o futebol sem odiar quem quer que seja.
Leiam...
Além de um excelente texto, é uma
história que deve ser conhecida, contada e recontada.
Por Antônio Edimilson Martins
Rodrigues
Sou torcedor do América F.C. do
Rio de Janeiro desde pequeno e isso quer dizer muita coisa para quem começa
2013 com 64 anos. Posso dizer que sou americano de coração, embora isso pareça
anacronismo para as gerações de hoje, que olham para os times do Rio e só veem
Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco. Mesmos alguns antigos torcedores do
mequinha deixaram de lado as tradições do pavilhão rubro, abdicaram de sua
história e bandearam-se para um dos grandes do Rio.
Minha atenção para o América veio
de meu pai. Nos domingos, lá em Vila Isabel, meu pai e meu tio disputavam,
quase a tapa, eu e meu irmão. Eu recebi, de meu pai, o uniforme do América,
comprado na Superball e meu irmão, de meu tio, o do Vasco. No quintal
brincávamos de América e Vasco, o clássico da paz, assim denominado por ter
selado a pacificação no futebol carioca em 1937.
Mais tarde, já com oito anos,
levado por meu pai, via os jogos do América no estádio da Rua Campos Sales.
Sentia-me importante sentado na arquibancada junto com aquele mar de camisas
vermelhas. Olhava com aflição e atenção os jogos. Notava a elegância de Amaro,
a velocidade de Nilo, a classe de João Carlos. E o que falar da emoção dos gols
de cabeça de Quarentinha, da calma de Djalma Dias ao desfazer, dentro da área,
as jogadas dos adversários?
Mas quem mais me impressionava
era o goleiro. Diferente do restante do time, que usava a camisa vermelha e o
calção branco, Pompéia se vestia de negro ou de cinza e trazia no peito o
escudo do mequinha. Era esguio, alto, de uma flexibilidade ímpar. Sua
elasticidade chamava a atenção. Eu não tirava os olhos dele, entusiasmado com
os seus voos, as suas defesas mirabolantes que levaram o narrador esportivo
Waldir Amaral a apelidá-lo de Constellation. Outros apelidos se seguiram: Ponte
Aérea, Caravelle, Fortaleza Voadora. Todos cabiam como uma luva naquele homem
simples, nascido em Itajubá, Minas Gerais.
Esse extraordinário goleiro
iniciou carreira no circo, onde desenvolveu sua capacidade de impulsão,
experiência que deu a ele a condição de ser um goleiro acrobático. Suas defesas
mexiam com a plateia e mereceram de Nelson Rodrigues uma crônica em um América
e Bangu:
“Foi, então, que surgiu Pompéia,
como uma bastilha inexpugnável. Pompéia! Eis o que o América tem e os outros
clubes, não: − um Pompéia. Que bela e emocionante figura! É o goleiro mais
plástico, mais elástico, mais acrobático do mundo. Nada tem de simples: − ele
complica tudo. Em primeiro lugar, não sabe defender sem um salto ou, mais do
que isso, sem um voo. Pompéia voa, amigos. Pompéia voa! E enfeita, dramatiza,
dinamiza tanto suas intervenções que o público tem a sensação de que todas as
suas defesas foram geniais. (…) Ele é o espetáculo.”
O apelido Pompéia vem da sua
infância. Desatento aos estudos, gostava mesmo era de desenhar e o fazia bem,
colocando no papel os personagens Popeye e Olívia Palito. Os colegas que viam
os desenhos passaram a chamá-lo de Pompéia, pela dificuldade de pronunciar o
nome do marinheiro. Pompéia nasceu José Valentim da Silva, em 27 de setembro de
1934, dia de São Cosme e Damião.
Iniciou sua carreira esportiva
como centroavante no clube Itajubá, time composto de funcionários de uma
fábrica de material bélico que participava do campeonato da Segunda Divisão
mineira. Mais tarde, se transferiu para outro clube da cidade, o São Paulo,
ainda como centroavante. Em um jogo em Três Pontas, o goleiro do São Paulo
adoeceu e Pompéia foi escalado no gol. Saiu-se tão bem que chamou a atenção de
todos, foi a grande sensação do jogo. Mais tarde, numa partida contra o
Bonsucesso do Rio, o goleiro titular do São Paulo entusiasmou a todos,
inclusive ao juiz da partida, também olheiro dos times do Rio, que convidou-o
para treinar no Bonsucesso e jogar na Cidade Maravilhosa.
Atraído pelo convite, o goleiro
não pestanejou e decidiu ir para o Rio. Apresentou-se em Teixeira de Castro e
assinou seu primeiro contrato profissional em abril de 1953. No ano seguinte,
transferiu-se para o América, onde permaneceu por 11 anos. Seu aprendizado da
profissão foi feito com a ajuda do seu primeiro técnico. Alfinete, técnico do
Bonsucesso, levava-o para assistir aos jogos do Vasco e do Fluminense, para ver
Barbosa e Castilho atuarem. Mas não copiou o estilo de nenhum deles. Construiu
um perfil próprio, no qual a estética das defesas se sobrepunha às dificuldades
dos chutes. Em qualquer bola desenhava uma cena entre o belo e o rocambolesco,
lançando-se sobre a bola de maneira espetacular. Para uns, era presepeiro, para
outros, excelente goleiro.
Quando estava no seu dia, tomava
conta do espetáculo e não tinha para ninguém, fazia das tardes de domingo o seu
momento de fama e os comentários das resenhas do dia seguinte eram elogiosos.
Com a estética do goleiro criada por ele, deixou como herança uma jogada, a
ponte aérea. O nome vinha da novidade da época que era a ponte aérea entre Rio
e São Paulo. Inventada por ele, hoje se tornou em jogada comum dos goleiros.
Essa é apenas uma das contribuições de Pompéia. Porém, mais importante do que
isso é a construção de uma nova forma de agarrar no futebol, trazendo para as
partidas momentos de comédia de arte ou de tragédia cômica, subvertendo a forma
tradicional de comportamento dos goleiros e alegrando a plateia, que ria e
sofria com seus voos.
Essa marca particular de Pompéia
levou-o à consagração como goleiro titular do América Futebol Clube (campeão
carioca de 1960), atuando também como titular, em 1957, pela seleção carioca.
Pompéia chegou à seleção
brasileira, quando a CBD montou um combinado para defender o Brasil em jogos
contra seleções sul-americanas.
Diversas vezes ficava patente o
racismo, quando associava-se sua elasticidade a dos macacos.
Em seu primeiro jogo pelo América
já despertou entusiasmo. O América jogava um torneio quadrangular em Lima, no
Peru, do qual também participa o Santos de São Paulo e, no jogo final entre os
dois clubes, Pompéia defendeu um pênalti batido por ninguém menos que Pepe, que
assustava com a potência de seu chute todos os goleiros. Com essa apresentação
de gala passou a dividir o gol do mequinha com Ari em diversas jornadas, mas
sendo o titular em 16 das 22 partidas disputadas pelo América no campeonato de
1960.
Seu nome era dito, cantado,
anunciado nas bancas da cidade nas segundas e sua estética de goleiro ganhou
fama. Vários pompéias surgiram no Brasil e seus voos levaram-no longe. Jogou no
Porto de Portugal e em vários clubes da Venezuela. E foi na Venezuela que
terminou sua carreira de goleiro esteta.
Em 1969, num jogo entre o seu
clube, o Desportivo Português, e o Real Madrid, depois de agarrar um chute
difícil, que no rebote a bola foi novamente chutada contra a sua cabeça, perdeu
uma de suas vistas, deixando a outra também prejudicada. O chute foi dado por
ninguém menos que Di Stefano. Com isso, teve que abandonar o futebol.
Com a impossibilidade de
continuar a atuar, Pompéia perdeu a alegria. Seu colega Amaro ainda tentou
levá-lo para o Bonsucesso como preparador de goleiros, mas nada mais deu certo
na vida do grande Constellation. Na rua da amargura, sozinho e perdido,
voltou-se para a bebida e morreu em maio de 1996, em um quarto de um manicômio,
olhando para uma bola.
Amargou na vida e na morte a sina
dos goleiros, ditada na célebre máxima de autoria desconhecida: “o goleiro é
tão maldito que onde ele joga não nasce nem grama”.
Antônio Edmilson Rodrigues – é
América, livre docente em História, professor da UERJ e da PUC-RJ, pesquisador
de História do Rio de Janeiro, escritor de temas vinculados à história urbana,
coordenador do projeto Conversa de Botequim e autor de “João do Rio, a cidade e
o poeta”.
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