Da Folha de São Paulo
Choque de responsabilidade no
futebol
Por Fernando Schmidt.
É preciso acabar com a lei não
escrita, mas consentida segundo a qual é permitido fazer negociatas, porque
clubes ou federações não têm dono.
Ainda que a natureza dos clubes e
das federações no Brasil, inclusive a CBF (Confederação Brasileira de Futebol),
seja de direito privado, o futebol é um esporte que, invariavelmente, envolve
recursos públicos, por meio de patrocínio, financiamento ou mesmo pela relação
tributária.
Quando um clube deixa de pagar o
INSS e o FGTS e sonega o Imposto de Renda, está cometendo crimes que afetam não
só o governo, mas, diretamente, o interesse público.
Na Espanha, 36 clubes estão em
regime de concordata.
No Brasil, poucos são os que não
estão falidos.
As receitas aumentaram, é
verdade, mas o endividamento subiu 74% nos últimos cinco anos.
Fui presidente do Esporte Clube
Bahia entre 1975 e 1979 e, em setembro de 2013, vencemos a primeira eleição
direta e democrática da história do bicampeão brasileiro, com 68% de quase
5.000 votos.
Encontrei nesse retorno um
cenário de terra arrasada. A dívida do Bahia é de mais de R$ 100 milhões.
Os
contratos, em sua totalidade, são quase todos lesivos: negociatas e dívidas de
um grupo que se apossou de um patrimônio que, longe de ser privado, é público.
São dois períodos distintos da
história do Brasil: um, sob as nuvens carregadas da ditadura e os efeitos econômicos
do “milagre”.
Outro, em plena democracia, mas com a economia sufocada pela pior
crise do capitalismo mundial desde 1929.
Nesse intervalo, nossa receita
cresceu para a casa dos milhões, porém a dívida do clube virou um monstro
devorador que nos espreita a cada fim de mês, quando temos que pagar despesas e
salários, dívidas trabalhistas, impostos sonegados em anos e anos de gestões
temerárias, conduzidas por dirigentes encobertos pelo manto eterno da
impunidade.
Nos anos 1970, não tínhamos os
direitos da TV, os uniformes não ostentavam uma sopa de logomarcas nem
possuíamos arenas multiuso.
Vivíamos do borderô dos jogos e de uma ou outra
“vaquinha” entre os chamados abnegados.
Hoje, os clubes brasileiros vivem
da ilusão.
Contratam jogadores e treinadores por cifras milionárias, mas se
“esquecem” das obrigações.
Por isso, defendemos a
fiscalização pública sobre os clubes, para que essa dívida financeira, que a
cada dia se agiganta, não empobreça ainda mais o futebol.
Apoiamos totalmente o movimento
Bom Senso Futebol Clube, mas vamos além.
É preciso que a má gestão seja punida
e os maus administradores responsabilizados, acabando com a lei não escrita,
mas consentida segundo a qual é permitido fazer negócios e negociatas, porque
os clubes ou as federações não têm dono, é coisa de ninguém.
Fechamos questão, portanto, com o
substitutivo apresentado pelo deputado federal Otávio Leite (PSDB-RJ) que
institui a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, obrigando os clubes a
apresentarem certidão negativa de débitos sob risco de rebaixamento,
responsabilizando pessoalmente os dirigentes e proibindo o aumento das dívidas,
sem perdão nem anistia fiscal.
O maior legado desta Copa do
Mundo não é só de engenharia, mas, sobretudo, de mentalidade: o chamado padrão
Fifa deve nos deixar como herança a obrigação de instituirmos uma nova ordem
para o futebol brasileiro.
Fernando Schmidt, 69, advogado, é
presidente do Esporte Clube Bahia
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