Imagem: Corbis - Bettmann
A misteriosa renúncia da seleção
húngara às Olimpíadas de Melbourne
Por Luca Sposito
Os mais jovens talvez não saibam,
mas a Hungria já teve um grande time de futebol.
Durante um período de
aproximadamente 20 anos, os húngaros davam aula de como praticar o esporte.
E não era apenas um sucesso
doméstico: Ferenc Puskás fazia história pelo Real Madrid, Sándor Kocsis era
campeão e ganhava a Chuteira de Ouro pelo Barcelona.
Batiam de frente com qualquer
seleção da época e seus maiores sucessos foram convertidos em medalhas —
principalmente quando tratava-se de Olimpíadas.
Foram seis medalhas olímpicas em
duas décadas.
Três ouros (1952, 1964 e 1968),
uma prata (1972) e um bronze (1960). Apenas uma edição dos Jogos Olímpicos
neste período (Melbourne, 1956) não contou com os húngaros no pódio do futebol
masculino. Na verdade, também não contou com eles na competição.
A não ida da seleção à Austrália
tem explicação: aconteceu devido à Revolução Húngara que parou o país entre
outubro e novembro daquele ano.
Em protesto contra o governo
fortemente influenciado pela União Soviética, manifestantes foram à luta para
mudar o rumo político da nação.
A revolta logo se espalhou pelo
país, tendo seu ápice quando finalmente conseguiram derrubar o governo.
Em resposta, os soviéticos
invadiram o território húngaro tentando conter a ameaça, resultando em um
sangrento embate.
Eram mais de 30 mil tropas
soviéticas contra grupos de civis e soldados húngaros que se organizavam entre
si.
A luta resultou em mais de três
mil mortes.
O conflito torna compreensível a
renúncia aos Jogos, mesmo que fossem considerados como uma das melhores equipes
de futebol da época — haviam conquistado o ouro nos Jogos anteriores, em 1952 e
o vice-campeonato da Copa do Mundo de 1954.
Mas o que intriga nessa história
é que o restante da delegação compareceu às Olimpíadas de Melbourne.
E ainda conseguiu bons
resultados.
Os atletas de outros esportes
tiveram até mais dificuldades do que a equipe de futebol.
Durante a preparação que
acontecia nos arredores de Budapeste, muitos eram obrigados a treinar enquanto
ouviam os tiros que eram dados contra os soviéticos.
Conseguir bons resultados não era
apenas uma questão esportiva, mas também de honra e respeito aos que lutavam em
seu país.
Assim que chegaram à Vila
Olímpica, a delegação imediatamente retirou a bandeira da Hungria Comunista e
substituiu por outra, que representava a Hungria Livre.
Uma das medalhas daquele ano teve
em seu caminho uma batalha chamada de “Sangue na Água”, que aconteceu no polo
aquático masculino.
Hungria e União Soviética se
enfrentaram numa violentíssima semifinal.
Após ser atingido por um soco de
um jogador soviético, Ervin Zádor (foto) jogou os minutos finais da partida com o
rosto sangrando, dando origem ao nome pelo qual o episódio é conhecido.
A euforia da torcida australiana
— que não escondeu seu apoio à Hungria durante toda a competição — foi tão
grande que a polícia teve que invadir as arquibancadas para conter os ânimos.
O jogo terminou com o placar de 4
a 0 para os húngaros.
A Hungria terminou a competição
com um quarto lugar no quadro geral de medalhas.
A União Soviética, líder geral no
ranking, ironicamente levou o ouro no futebol masculino.
Existe até mesmo a teoria de que
a seleção húngara de futebol não teria sido enviada pelo governo justamente
para facilitar o caminho dos soviéticos.
E essa decisão política custou
mais caro do que parece.
Foi ali que Puskás e Kocsis se
aposentaram da equipe.
A recusa pelas Olimpíadas de 1956
marcou o fim do chamado Golden Team, impossibilitando assim um adeus à altura
do que foi aquela seleção.
A última partida do Time de Ouro
foi um amistoso em Moscou contra a União Soviética, em setembro de 1956, dois
meses antes dos Jogos Olímpicos.
Os soviéticos vinham de um
recorde de invencibilidade em casa, mas, mesmo diante de cem mil pessoas,
sucumbiram ao poder dos Aranycsapat (Time de Ouro, em húngaro), que venceram
por 1 a 0.
O amistoso foi promovido sob a
intenção de melhorar as relações entre os dois povos, mas acabou por despertar
o orgulho húngaro.
O que aconteceria caso se
enfrentassem nas Olimpíadas?
Infelizmente, jamais se saberá.
Mas quem não tem futebol, caça
com polo aquático.
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