Por Victor Faria
Acabamos de chegar de Yerevan.
A euforia e a inquietude
percebidas, a propósito de nossa classificação são mais intensas do que em
qualquer outro lugar.
Nesse esporte se tem sempre a
sensação de que o bem e o mal estão suscetíveis a algum lance, alguma jogada
ensaiada ou de improviso.
Talvez isso ocorra pela
recorrente necessidade de luta de nosso povo.
Com seus cantos intermináveis, as
milhares de bandeiras, fomos recebidos em Tirana, objetos de recordação de
heróis somente perpetuados em periódicos, capazes de decidir o futuro de
qualquer cidadão, independentemente de suas ocupações ou predileções
esportivas.
Os albaneses daqui, ou mesmo os
que se encontram noutra cidade, se encontram em estado febril, em êxtase.
Por desgraça, a ação de antepassados
está enraizada em nossa condição.
Mas nos ocorre que a obstinação,
nosso amor e união são os preceitos que nos levam a glória.
Trata-se de uma espécie de
consolação a toda a população.
Assim como deve ocorrer com os
bósnios e eslovacos.
Acredito que não há diferença
entre a torcida e nós, em campo.
Nos momentos de angústia eles
sabem se manter unidos no que também é precisamente nosso caso.
A imprensa de todo o mundo, as
rádios, televisões, revistas trazem como notícia a alegria em Kosovo.
Nos parece difícil de acreditar.
Há poucos anos, somente a menção
de Kosovo em alguma discussão na Europa provocava ultraje em toda delegação
iugoslava.
Naturalmente os organizadores de
qualquer torneio europeu não se envolviam em questões políticas e não remetiam
ao esporte a questão de independência.
Com o horror que teimava em se
repetir, nossas aspirações estavam fadadas ao silêncio e à escuridão.
Recordo bem do desprezo, da mudez
oficial, do descaso de altos funcionários, da falta de conhecimento sobre o
nosso território.
Com o passar das Eliminatórias
uma certa euforia, recorrente de nossos feitos, acompanhara nossa campanha.
Contudo, o jogo contra a Sérvia
com toda sua sobrecarga emocional além das quatro linhas, provocara em nós uma
angústia maior do que podíamos imaginar.
A derrota que em nossa casa
experimentávamos naqueles dias fora um duro golpe na memória de milhões de
albaneses.
Havíamos sido derrotados nos
acréscimos, mas nada que impedisse a continuidade de nossa luta.
No dia seguinte ao jogo, dezenas
de torcedores nos aguardavam.
Acostumados ao comportamento
passional dos que torcem, esperávamos uma dura crítica.
Eles nos ofereceram o contrário.
No curso da conversa cada um
deles expressava seu ponto de vista.
Reconheciam a possibilidade de
classificação e declaravam apoio de forma contundente.
É possível observar que muita
gente, sobretudo os dirigentes do país, experimentam um certo tipo de
reverência em relação ao time, aos jogadores.
A Eurocopa nos parece a premissa
de novos e gloriosos dias.
Quando a fase final começar, em
julho do ano que vem, não deverá ser a vitória a responsável por nosso sucesso,
mas nossa entrada em campo representará nossa independência e autonomia.
Estamos convencidos de que até o
mais distraído e desinteressado torcedor falará com seriedade sobre nosso
feito.
Teremos as vozes de toda a
população como incentivo apesar dos especialistas em futebol indicarem o
fracasso ainda na fase de grupos.
Talvez não conheçam nossa recente
capacidade de luta e superação.
Tenho a impressão de que em
alguma parte (em algum lugar das alturas, no Olimpo ou na capital francesa, por
exemplo) os amantes da bola, da igualdade social, da vida irão enaltecer nossa
campanha, nossa capacidade em levar o nome de nosso país ao conhecimento de
todo o mundo.
O testemunho de uma luta em toda
sua veracidade e esplendor, do sentimento maior de todo um povo, de uma nação.
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