Torcedores ou clientes?
Público nos estádios é sustento
espiritual dos clubes, fazendo do futebol objeto de paixão
Por José Sámano
Para o El País
Dizia Mario Benedetti que um
estádio vazio era “o esqueleto de uma multidão”.
As costelas ainda não estão
aparecendo, mas o futebol já deveria estar atento, pois motivos não faltam.
No sábado passado, 10.000
torcedores do Liverpool deixaram o Anfield aos 77 minutos (32 do segundo tempo)
do jogo contra o Sunderland.
O motivo: um aumento de 77 libras
(443 reais) no preço da cadeira cativa na próxima temporada.
“Somos torcedores, não clientes”,
“sem torcida o futebol não é nada”, lia-se entre os muitos cartazes de
protesto.
Dias depois, os seguidores do
Borussia Dortmund que viajaram a Stuttgart para uma partida da Copa da Alemanha
retardaram em 20 minutos sua entrada no estádio, e uma vez lá dentro exibiram
faixas com dizeres como: “O futebol precisa ser acessível! ”.
Não parou por aí.
No meio do jogo, a torcida do
Dortmund começou a atirar bolas de tênis no campo, em referência aos ingressos
habitualmente caros nos grandes eventos do esporte das raquetes.
Em Stuttgart, o ingresso para ver
o jogo em pé custava um pouco mais de 20 euros (90 reais); sentado, 40.
Nos Campeonatos Inglês e Alemão,
a lotação dos estádios está em torno de 95%.
Duas torcidas organizadas muito
tradicionais, a The Kop, do Liverpool, e a Sudtribune, do Dortmund, acenderam
esse pavio e agora podem fazer escola, pois a federação de torcedores ingleses
não descarta um protesto geral.
A rebeldia das duas organizadas,
e de outras que estão por vir, aborda um dos maiores desafios do futebol, o de
combinar torcedores e clientes televisivos.
Os primeiros dão alma ao esporte,
têm um sentido de pertencimento que vai muito além do mero magnata que esteja à
frente do clube.
Os segundos, fiéis distantes, são
o grande mercado, a mina de ouro dos operadores de TV paga, o maná por
excelência do setor.
Por causa deles são definidos o
calendário, as pausas do verão e os horários da temporada; por causa deles as
bolas ficam coloridas, e os uniformes, mais berrantes.
Os torcedores in loco adaptam
seus almoços e jantares, madrugam ou varam à noite, se molham ou suam…
Mas tudo tem um limite, sejam os
caprichos de um dono cingapuriano de passagem por Valência ou de um financista
norte-americano que compra o United sem pisar no Old Trafford.
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