Automutilação e práticas de
tortura, o ‘doping’ dos atletas paralímpicos
Alguns atletas se lesionam para
estimular a pressão sanguínea e aumentar seu rendimento
Comitê Paralímpico Internacional
adota parâmetros mais severos para punir quem usa a técnica
María Martín, do Rio de Janeiro
para o El Pais
Estrangular os testículos,
colocar alfinetes neles, fraturar o dedão do pé, aplicar choques elétricos nas
extremidades ou obstruir o cateter para levar a bexiga ao seu limite viraram
alternativas ao doping para alguns atletas paralímpicos.
Os brutais atalhos, batizados de
boosting (da palavra impulsionar, em inglês), aumentam artificialmente o
rendimento de atletas com lesões na medula espinal e paralisia e
insensibilidade nos membros inferiores.
Seus corpos, apesar do esforço
durante uma competição, não costumam reagir igual aos de outros esportistas com
outras deficiências físicas e sofrem de hipotensão, o coração não acompanha a
intensidade do exercício e sua capacidade física fica diminuída.
Ao se lesionarem ou forçarem sua
bexiga, eles não sentem a dor ou o desconforto, mas seu corpo sim reage ao
estímulo aumentando a pressão arterial, levando mais oxigênio aos músculos e
incrementando a resistência o que, na prática, pode aumentar cerca 10% o
rendimento do atleta, especialmente em corridas de larga distância sobre
cadeira de rodas, afirmam estudos.
A prática, descoberta nos anos 90
e proibida pelo Comitê Paralímpico Internacional (CPI) desde 1994, está sendo
mais perseguida do que nunca nos Jogos Paralímpicos do Rio, após a instituição
endurecer os parâmetros para detectá-la.
Até abril eram considerados
suspeitos e proibidos de competir os atletas que após a medição da sua pressão
sanguínea mostravam níveis acima dos 180 mmHg (pressão arterial sistólica), mas
hoje, após a análise em profundidade de dados de 160 atletas durante vários
anos, serão investigados os resultados acima de 160 mmHG.
Em termos gerais, considera-se
que uma pessoa sofre de hipertensão a partir dos 140 mmHG.
A falta de conhecimento e dados
sobre o boosting deu margem para os atletas esquivarem durante anos as
restrições das autoridades.
Em Pequim 2008 foram realizados
37 testes e em Londres 2012 outros 41, mas não foram registrados casos
positivos, embora isso não signifique que não houvesse.
“Se um atleta sabe que tomando 10 copos de água vai dar positivo, ele
vai beber 9,9. Por isso era importante reduzir a margem. Nos mundiais já
percebemos que havia atletas que superavam os 160 mmHG, que é um nível incomum,
e não necessariamente aportavam uma explicação razoável”, explica um dos
médicos do Comitê Paralímpico Internacional, o belga Peter Van de Vliet.
“Além das provas médicas, estaremos atentos diante de atletas que
mostrarem excessiva sudoração, estejam com atitude suspeita ou se mostrem
alterados”, complementa Van de Vliet.
O boosting, que provoca um estado
chamado entre os médicos de hiperreflexia autônoma, pode ter consequências
gravíssimas para o atleta provocando acidentes cerebrovasculares e inclusive a
morte.
Apesar dos riscos, uma
investigação feita em parceria com a Agência Mundial Antidoping (AMA) e o
Comitê Paralímpico com dados de 2007 e 2009 confirmou que cerca do 17% dos 99
atletas participantes do estudo tinham recorrido à prática para melhorar o
rendimento durante os treinos ou as competições.
As auto-lesões podem ter ainda
mais adeptos e envolver até 30% dos atletas, disse à BBC durante os Jogos de
Londres em 2012 o médico Andrei Krassioukov, o principal estudioso da matéria.
"Há uma desvantagem entre paralímpicos que têm pressão arterial
normal e aqueles que não, e isso coloca um número significativo de atletas em
desvantagem. Como médico entendo totalmente por que esses atletas estão fazendo
isso, mas como cientista estou horrorizado”, explicou na época.
Os principais esportes onde
busca-se um aumento artificial da pressão arterial são o atletismo, o ciclismo
em bicicletas impulsionadas pelas mãos ou rugby em cadeira de rodas.
O próprio rugby ilustra a
complexidade de detectar e punir o boosting, pois a pressão das sujeições dos
atletas às cadeiras de rodas pode, involuntariamente, provocar os mesmos
efeitos que as lesões auto-infligidas.
Outras atividades mais comuns
como a prática de sexo e queimaduras solares podem também provocar um estado
mais leve de hiperreflexia autônoma.
“A prática só é punida se for intencional”, esclarece o doutor do
CPI, que já foi treinador de rugby para atletas paralímpicos.
O médico não revela quantos
testes serão realizados no Rio, mas adverte que a organização, e ele, já estão
de olho.
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