Imagem: Regis Duvignau/Reuters
Neymar desafia as regras do profissionalismo
A estrela do PSG, o mais bem pago depois de Messi com mais de 40 milhões anuais, quer ser o primeiro a se tornar número um do mundo sem se ater aos rigores de seu time
Por Diego Torres para o El País
Há alguns anos, Neymar Júnior convidou Javier Mascherano para jantar em sua mansão de Castelldefels, perto de Barcelona.
O argentino compareceu acreditando que seu colega queria falar com ele em particular.
Quando entrou pela porta descobriu que havia uma multidão na casa do anfitrião.
Uma multidão de amigos, conhecidos e curiosos, que não só estavam sempre ali, como também viviam se divertindo, em um estado de contínua exaltação.
Contam que, atônito, Mascherano lançou uma advertência: “Se você fizer isso todos os dias, sua carreira se encurtará”.
Mascherano ficou alarmado com o fato de um talento maravilhoso, uma mente e um físico privilegiados, um jovem capaz de dominar o jogo em todas suas dimensões, desenvolver hábitos que diminuíam seu dom.
O Barcelona também se preocupou com esses costumes, mas, ainda assim, no final de 2016, o clube renovou seu contrato comprometendo-se a pagar 26 milhões de euros brutos (100 milhões de reais) por temporada até que completasse 30 anos.
O acordo não sobreviveu ao verão.
Há sete meses Neymar foi para o Paris Saint-Germain para fazer o mesmo que fazia em Castelldefels, só que com muito mais sofisticação.
Não se sabe exatamente que ideia tinham de seu caráter ao contratá-lo o príncipe Jasim Al-Thani e o xeque Nasser Al-Khelaifi, responsáveis pelos investimentos catarianos no futebol.
O fato é que o fizeram convencidos de que o projeto mais ousado do século nesse setor só teria sucesso se ficasse imediatamente nas mãos de Neymar.
Para estimulá-lo, fontes próximas à operação afirmam que lhe garantiram ganhos ordinários anuais de mais de 40 milhões de euros (160 milhões de reais) durante cinco temporadas.
No nível de Messi.
Agora Neymar é o protagonista de um experimento pioneiro na indústria do futebol.
É o primeiro jogador cujo passe supera os 200 milhões de euros (222); é o primeiro jogador contratado com a missão de transformar um clube de segunda linha na principal potência da Champions League no prazo de duas ou três temporadas; e é o primeiro atleta que, aos 25 anos, aspira se tornar o melhor jogador de futebol do planeta levando a vida como se fosse um adolescente em perpétuas férias de verão.
Não por nada seus amigos dizem que a única coisa que Ney não gosta de Paris é o clima.
O inverno está sendo extremamente frio e chuvoso.
O desafio de Neymar é inaudito e o primeiro degrau o obriga a eliminar o Real Madrid nas oitavas que começaram a ser disputadas nesta quarta-feira no Santiago Bernabéu.
Ele encara isso como se nada o preocupasse, ou como se fingisse que nada o preocupa.
A jovialidade é imperativa.
É sua regra não escrita e só adquire validade se pode exibi-la em público e, se possível, nas redes sociais.
Imagem de marcas como Nike, Gillette, Panasonic, Red Bull, Replay Jeans e Gaga Milano, Neymar se agita no epicentro de um terremoto socioeconômico, mas faz de tudo para se mostrar cuidadosamente relaxado.
Sabe que é a manifestação displicente de um mundo histérico e, para patentear seu estado de espírito, pratica uma variante do situacionismo.
Adora provocar acontecimentos que induzem à transgressão, como convidar seu treinador – o legislador em toda equipe de futebol – a uma festa que ele só terminará dois dias mais tarde, para o qual deverá faltar um treinamento e uma partida que, claro, seus colegas de equipe deverão realizar de qualquer maneira.
Unai Emery, o técnico, admitiu que foi ao aniversário para não constranger o mestre: “Fui embora quando cortaram o bolo”.
“Privilégios inevitáveis”
Controlador vocacional, Emery já tem consciência de que, em Paris, há poucas coisas que pode controlar.
O comandante tinha proibido a entrada de pessoas estranhas ao clube nas instalações de Saint-Germain-en-Laye durante certos treinos, até que descobriu que Neymar enchia o recinto de tois.
Os tois, autodenominados dessa forma por razões que ninguém conseguiu determinar, são os amigos profissionais – todos ganham para viver com ele – do ídolo.
Vão aonde ele vai.
Vivem onde ele vive.
Revezam-se segundo o humor do gênio.
Dançam quando ele quer dançar, riem quando ele quer rir.
Fazem parte de algo parecido a uma torcida ambulante pré-fabricada.
São especialistas em coreografias de dança tipo flashmobs porque o dono da casa é louco por flashmobs.
São sua companhia favorita.
Neymar se reúne pouco com o grupo brasileiro do PSG.
Nem mesmo com Dani Alves, velho cúmplice em Barcelona.
Seu universo é cada vez mais intransferível.
Só ele pode decidir se treina ou não, e como treina; e só a ele cabe definir quando joga uma partida e quando não.
O dolce far niente é expressão do orgulho aristocrático.
Neymar sente que se humilha quando esforça ao máximo suas capacidades físicas.
Especialmente, quando joga na França contra adversários que considera muito inferiores.
No sábado, em Toulouse, demorou mais de uma hora para tentar driblar seu lateral, Steeve Yago.
Preferiu transferir a bola para o meia, descarregar nos volantes, mudar de direção ou colocar passes em profundidade para não ter que alterar a marcha.
Jogando de vez em quando nos três torneios oficiais da França e na vigente Champions, o brasileiro foi capaz de fazer 28 gols e dar 16 passes a gol em 27 partidas.
Nesta segunda-feira publicou no Instagram seu retrato assinado por Mario Testino, fotógrafo de cabeceira da Vogue e autor de imagens icônicas de Madonna, Kate Moss e Lady Di.
Estendido na parte traseira de um carro em atitude provocadora, apareceria completamente nu se não fosse pela toalha branca que cobre os genitais.
Seu agente, Wagner Ribeiro, reagiu com incredulidade quando um colega lhe perguntou se imaginava Ney no Real Madrid na próxima temporada: “Ele já sabe como são os grandes clubes. Onde mais vão deixá-lo viver como vive em Paris?”
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