“Bem-vindos ao Deportivo Maldonado, onde os grandes craques nunca
jogam”
Por Emanuel Colombari
A frase acima foi o título de uma
reportagem publicada pelo jornal The Guardian em 10 de outubro de 2016.
Na ocasião, a imprensa da Europa
estava descobrindo detalhes da transferência de Jonathan Calleri, do São Paulo
para o West Ham.
E esta transferência só foi
possível graças ao Deportivo Maldonado, pequeno clube da cidade litorânea de
Maldonado que disputa a segunda divisão uruguaia.
Fundado em 25 de agosto de 1928
com o nome de Batacazo Football Club, o clube rubro-verde adotou o nome Club
Deportivo Maldonado em junho de 1932.
No entanto, a trajetória no
futebol profissional só se iniciou em 1995.
No final da década de 1990,
chegou à elite uruguaia, onde permaneceu até 2005.
Naquele ano, rebaixado, pediu sua
desfiliação por motivos econômicos.
A situação do clube só ganhou
novos rumos depois de 2009, quando se associou a um grupo de empresários
ingleses e virou o Deportivo Maldonado Sociedad Anónima Deportiva – ou,
simplesmente, Deportivo Maldonado S. A. D.
A manobra tinha como objetivo
aproveitar o benefício fiscal concedido pelas autoridades uruguaias a
sociedades anônimas.
Segundo matéria publicada pelo
site do canal de TV Bloomberg em 2014, o clube foi assumido pelos ingleses
Malcolm Caine e Graham Shear.
Caine é investidor do ramo
hípico, enquanto Shear (foto) é advogado – entre 2005 e 2007, representou a MSI
nas transferências de Carlos Tévez do Boca Juniors para o Corinthians e de lá
para o West Ham.
Os dois seriam presidente e vice
do clube, respectivamente, embora Shear alegue ter deixado a diretoria em abril
de 2010.
No site oficial do Maldonado,
nenhum deles consta entre os dirigentes atuais.
Mais do que isso: os novos donos
seriam ligados ao Stellar Group, uma poderosa empresa de gerenciamento de
carreiras de jogadores e que, segundo o jornal La Nación, administra o clube.
Jonathan Barnett, o homem por
trás da agência, negou à imprensa europeia qualquer relação com o clube
uruguaio – embora casos semelhantes envolvendo o Stellar Group e outros clubes
já tenham sido noticiados.
Fato é que, a partir da entrada
de investidores estrangeiros, jogadores sul-americanos vinculados oficialmente
ao Deportivo Maldonado passaram a ser frequentemente negociados com o futebol
europeu.
Foi o caso, por exemplo, do
lateral esquerdo Alex Sandro, que “trocou”
o Atlético-PR pelo Maldonado em 2010; sem jogar pela equipe, foi emprestado ao
Santos e acabou negociado em 2011 com o Porto.
O meia paraguaio Marcelo
Estigarribia seguiu destino semelhante: trocou o Le Mans (França) pelo
Maldonado em 2011 e, mesmo sem entrar em campo, foi emprestado para Juventus,
Sampdoria e Chievo nos anos seguintes.
Nos anos seguintes, outros
jogadores seguiram destinos semelhantes.
Casos de nomes conhecidos, como
Willian José, Gerónimo Rulli, Iván Piris e Thiago Heleno, até atletas de menos
renome, como Bruno Turco, Mosquito, Misael, Hernán Toledo e Max Pardalzinho.
Entre 2009 e 2016, de acordo com
o The Guardian, foram 28 milhões de libras (cerca de R$ 115 milhões) em
reforços, sem jamais passar perto do acesso à elite uruguaia.
Durante boa parte deste
intervalo, o Maldonado contou com a ação de outro nome de razoável destaque nos
bastidores: Gustavo Arribas. Envolvido em negociações desde o fim dos anos 1990,
Arribas é amigo pessoal de Maurício Macri, ex-presidente do Boca Juniors e
eleito presidente da Argentina em 2015 – não por acaso, participou da
transferência de Tevez ao Corinthians em 2005.
Descrito pela imprensa italiana
como “velho sócio de poderosos agentes
como (Pini) Zahavi e (Kia) Joorabchian”, era responsável por monitorar
jogadores na América do Sul para o Maldonado.
Deixou o cargo no fim de 2015;
então, assumiu o cargo de diretor-geral da Agência Federal de Inteligência
(AFI) da Argentina.
Mas então por que gastar tanto
dinheiro?
Sem dourar a pílula, a Bloomberg
afirma que Caine e Shear adquiriram o clube “como
uma maneira de aliviar a cobrança de impostos pagos por investidores que detêm
direitos de transferências de atletas”.
Ou seja: a instituição seria
apenas “laranja” nas transferências
de jogadores.
Em relação a Brasil ou Argentina,
segundo jornais ingleses, as transferências de atletas que saem do Uruguai
podem custar 40% menos em impostos.
Àquela altura, no entanto, a Fifa
já estava de olho em clubes que serviam de pontes entre a Europa e outros
continentes (especialmente a América do Sul).
Embora muitos países já
proibissem a chamada third-part ownership (TPO) no futebol, a entidade máxima
do futebol mundial só agiu em dezembro de 2014.
Para frear a atuação de
clubes-ponte, determinou-se que jogadores só podem se registrar em até três
clubes por ano, atuando por dois.
A entidade já estava de olho na
movimentação sul-americana, e passou a distribuir multas a clubes que atuavam
como (ou utilizavam serviços de) TPOs.
Até 2016, entretanto, o Maldonado
jamais havia sido punido.
O motivo?
Segundo o The Guardian, “não há indícios de que as regras da Fifa
referentes às TPOs tenham sido violadas pelo Maldonado”.
Segundo Ariel Reck, advogado
argentino ouvido pela Bloomberg, “é muito
difícil” para a entidade máxima do futebol mundial apontar razões
esportivas ou financeiras nas transferências de jogadores.
Ainda assim, Sud América
(Uruguai), Central Córdoba, Independiente, Racing e Rosario Central (todos da
Argentina) receberam multas de até 50 mil francos suíços (quase R$ 160 mil) por
transferências justificadas por “razões
que não eram de natureza esportiva”.
“Não sei se a Fifa tem apetite em parar (as transferências do
Maldonado)”, disse Reck à Bloomberg.
“Se caçar dinheiro já é difícil para o FBI, imagine quão difícil é para
a Fifa.”
O que os donos dizem?
Ninguém espera que os donos de um
clube como o Deportivo Maldonado chegue e diga: “ei, nós estamos lavando dinheiro para empresários que detêm direitos
de jogadores em transferências para o futebol europeu”.
Com Malcom Caine, a situação não
é diferente.
Em e-mail à Bloomberg, o
investidor alega investir no desenvolvimento do clube sem obter lucro.
“Nosso investimento inclui infraestrutura, gerenciamento, know-how
técnico, médico e outras instalações, além de desenvolvimento de jogadores,
treinamento e transferências de jogadores”, assegura.
Embora Caine e Shear não constem
como dirigentes atuais, a própria cúpula do clube admite que a administração
foge do comum.
“Cedemos nossos direitos esportivos a uma sociedade anônima”, diz
Federico Alvira, presidente do conselho diretivo, segundo o site do jornal
italiano Gazzetta dello Sport.
O discurso, porém, é semelhante
ao dos investidores estrangeiros.
“Nós não fazemos nenhuma triangulação. É tudo legal.”
Crédito: Bloomberg, Gazzetta
dello Sport, La Nación, The Guardian, Wikipedia ES, Wikipedia PT e Wikipedia EM
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