domingo, janeiro 06, 2019

“Bem-vindos ao Deportivo Maldonado, onde os grandes craques nunca jogam”...



“Bem-vindos ao Deportivo Maldonado, onde os grandes craques nunca jogam”

Por Emanuel Colombari

A frase acima foi o título de uma reportagem publicada pelo jornal The Guardian em 10 de outubro de 2016.

Na ocasião, a imprensa da Europa estava descobrindo detalhes da transferência de Jonathan Calleri, do São Paulo para o West Ham.

E esta transferência só foi possível graças ao Deportivo Maldonado, pequeno clube da cidade litorânea de Maldonado que disputa a segunda divisão uruguaia.

Fundado em 25 de agosto de 1928 com o nome de Batacazo Football Club, o clube rubro-verde adotou o nome Club Deportivo Maldonado em junho de 1932.

No entanto, a trajetória no futebol profissional só se iniciou em 1995.

No final da década de 1990, chegou à elite uruguaia, onde permaneceu até 2005.

Naquele ano, rebaixado, pediu sua desfiliação por motivos econômicos.

A situação do clube só ganhou novos rumos depois de 2009, quando se associou a um grupo de empresários ingleses e virou o Deportivo Maldonado Sociedad Anónima Deportiva – ou, simplesmente, Deportivo Maldonado S. A. D.

A manobra tinha como objetivo aproveitar o benefício fiscal concedido pelas autoridades uruguaias a sociedades anônimas.

Segundo matéria publicada pelo site do canal de TV Bloomberg em 2014, o clube foi assumido pelos ingleses Malcolm Caine e Graham Shear.

Caine é investidor do ramo hípico, enquanto Shear (foto) é advogado – entre 2005 e 2007, representou a MSI nas transferências de Carlos Tévez do Boca Juniors para o Corinthians e de lá para o West Ham.

Os dois seriam presidente e vice do clube, respectivamente, embora Shear alegue ter deixado a diretoria em abril de 2010.

No site oficial do Maldonado, nenhum deles consta entre os dirigentes atuais.

Mais do que isso: os novos donos seriam ligados ao Stellar Group, uma poderosa empresa de gerenciamento de carreiras de jogadores e que, segundo o jornal La Nación, administra o clube.

Jonathan Barnett, o homem por trás da agência, negou à imprensa europeia qualquer relação com o clube uruguaio – embora casos semelhantes envolvendo o Stellar Group e outros clubes já tenham sido noticiados.

Fato é que, a partir da entrada de investidores estrangeiros, jogadores sul-americanos vinculados oficialmente ao Deportivo Maldonado passaram a ser frequentemente negociados com o futebol europeu.

Foi o caso, por exemplo, do lateral esquerdo Alex Sandro, que “trocou” o Atlético-PR pelo Maldonado em 2010; sem jogar pela equipe, foi emprestado ao Santos e acabou negociado em 2011 com o Porto.

O meia paraguaio Marcelo Estigarribia seguiu destino semelhante: trocou o Le Mans (França) pelo Maldonado em 2011 e, mesmo sem entrar em campo, foi emprestado para Juventus, Sampdoria e Chievo nos anos seguintes.

Nos anos seguintes, outros jogadores seguiram destinos semelhantes.

Casos de nomes conhecidos, como Willian José, Gerónimo Rulli, Iván Piris e Thiago Heleno, até atletas de menos renome, como Bruno Turco, Mosquito, Misael, Hernán Toledo e Max Pardalzinho.

Entre 2009 e 2016, de acordo com o The Guardian, foram 28 milhões de libras (cerca de R$ 115 milhões) em reforços, sem jamais passar perto do acesso à elite uruguaia.

Durante boa parte deste intervalo, o Maldonado contou com a ação de outro nome de razoável destaque nos bastidores: Gustavo Arribas. Envolvido em negociações desde o fim dos anos 1990, Arribas é amigo pessoal de Maurício Macri, ex-presidente do Boca Juniors e eleito presidente da Argentina em 2015 – não por acaso, participou da transferência de Tevez ao Corinthians em 2005.

Descrito pela imprensa italiana como “velho sócio de poderosos agentes como (Pini) Zahavi e (Kia) Joorabchian”, era responsável por monitorar jogadores na América do Sul para o Maldonado.

Deixou o cargo no fim de 2015; então, assumiu o cargo de diretor-geral da Agência Federal de Inteligência (AFI) da Argentina.

Mas então por que gastar tanto dinheiro?

Sem dourar a pílula, a Bloomberg afirma que Caine e Shear adquiriram o clube “como uma maneira de aliviar a cobrança de impostos pagos por investidores que detêm direitos de transferências de atletas”.

Ou seja: a instituição seria apenas “laranja” nas transferências de jogadores.

Em relação a Brasil ou Argentina, segundo jornais ingleses, as transferências de atletas que saem do Uruguai podem custar 40% menos em impostos.

Àquela altura, no entanto, a Fifa já estava de olho em clubes que serviam de pontes entre a Europa e outros continentes (especialmente a América do Sul).

Embora muitos países já proibissem a chamada third-part ownership (TPO) no futebol, a entidade máxima do futebol mundial só agiu em dezembro de 2014.

Para frear a atuação de clubes-ponte, determinou-se que jogadores só podem se registrar em até três clubes por ano, atuando por dois.

A entidade já estava de olho na movimentação sul-americana, e passou a distribuir multas a clubes que atuavam como (ou utilizavam serviços de) TPOs.

Até 2016, entretanto, o Maldonado jamais havia sido punido.

O motivo?

Segundo o The Guardian, “não há indícios de que as regras da Fifa referentes às TPOs tenham sido violadas pelo Maldonado”.

Segundo Ariel Reck, advogado argentino ouvido pela Bloomberg, “é muito difícil” para a entidade máxima do futebol mundial apontar razões esportivas ou financeiras nas transferências de jogadores.

Ainda assim, Sud América (Uruguai), Central Córdoba, Independiente, Racing e Rosario Central (todos da Argentina) receberam multas de até 50 mil francos suíços (quase R$ 160 mil) por transferências justificadas por “razões que não eram de natureza esportiva”.

“Não sei se a Fifa tem apetite em parar (as transferências do Maldonado)”, disse Reck à Bloomberg.

“Se caçar dinheiro já é difícil para o FBI, imagine quão difícil é para a Fifa.”

O que os donos dizem?

Ninguém espera que os donos de um clube como o Deportivo Maldonado chegue e diga: “ei, nós estamos lavando dinheiro para empresários que detêm direitos de jogadores em transferências para o futebol europeu”.

Com Malcom Caine, a situação não é diferente.

Em e-mail à Bloomberg, o investidor alega investir no desenvolvimento do clube sem obter lucro.

“Nosso investimento inclui infraestrutura, gerenciamento, know-how técnico, médico e outras instalações, além de desenvolvimento de jogadores, treinamento e transferências de jogadores”, assegura.

Embora Caine e Shear não constem como dirigentes atuais, a própria cúpula do clube admite que a administração foge do comum.

“Cedemos nossos direitos esportivos a uma sociedade anônima”, diz Federico Alvira, presidente do conselho diretivo, segundo o site do jornal italiano Gazzetta dello Sport.

O discurso, porém, é semelhante ao dos investidores estrangeiros.

“Nós não fazemos nenhuma triangulação. É tudo legal.”

Crédito: Bloomberg, Gazzetta dello Sport, La Nación, The Guardian, Wikipedia ES, Wikipedia PT e Wikipedia EM

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