quarta-feira, agosto 14, 2019

Justo y Nico: não há rivalidade que resista ao amor de um pai por um filho...

Imagens: Documentário Justo y Nico Reprodução

Justo y Nico: não há rivalidade que resista ao amor de um pai por um filho

O amor que Justo transferiu para o time arquirrival de seu time de coração, mas que era o time de Nico, seu filho morto, prova que o futebol é capaz de produzir histórias que ultrapassam os limites das quatro linhas e fazem do esporte bretão uma instância da vida social que eleva pessoa ao mais puro estado de humanidade.

Pedro Henrique Brandão Lopes

O bairro Villa del Cerro, na periferia de Montevidéu, guarda uma rivalidade futebolística que só não supera o gigantesco clássico Nacional e Peñarol.

Em dia de “Derby de la Villa”, Club Atlético Cerro e Rampla Juniors medem forças, ora no Luis Trócolli, ora no Estádio Olímpico de Montevidéu, porém sempre com torcedores apaixonados que levam às arquibancadas suas histórias particulares de gerações familiares para ajudar no grito que incentiva os onze que estão em campo.

Desde 2017, porém, os jogos do Rampla contam com uma história fora do comum no meio futebolístico: a história de Justo e Nico, que é linda na mesma proporção de sua raridade.

A inusitada história começa em 29 de dezembro 1986, o dia do nascimento de Nicolás Martin Sánchez, o Nico, dia que Justo conta ter sido o dia mais feliz da vida dele pelo nascimento do filho.

O orgulhoso pai Justo teria a companhia que sempre sonhou para ensinar a devoção pelo azul e branco do Cerro e apenas três dias depois de Nico nascer, Justo levou os documentos do filho a sede do clube de coração para registrá-lo como sócio cerrense.

Durante a infância de Nico, tudo correu como nos antigos planos de Justo e o menino vivia com a camisa do Cerro, chutando uma bola e sem perder um jogo sequer no Luis Trócolli sempre em companhia do pai.

Porém aos 15 anos, Nico começou uma mudança que causaria uma ruptura no lar dos Sánchez.

O menino que foi ensinado a torcer, amar e incentivar o azul e branco do Cerro, conheceu o verde e vermelho do Rampla e se apaixonou perdidamente.

É difícil imaginar como Justo suportou tamanha “traição”, mesmo assim, Nico continuou sendo o filho amável que sempre foi, mas com um pequeno grande problema: agora Nico era um picapiedra do Rampla.

Futebol deixou de ser um assunto na casa dos Sánchez, para evitar que um simples almoço virasse uma prévia de um Clássico de la Villa.

Justo ensinou como torcer para um time de futebol, na chuva, no sol e nos jogos fora de Montevidéu.

Nico aprendeu bem a lição, só não torcia pelo Cerro, mas fazia tudo que o pai lhe ensinara pelo Rampla.

Numa dessas viagens, quando voltava para casa após assistir ao jogo do Rampla contra o Atenas San Carlos, no Campus Maldonado, um acidente automobilístico, no dia 6 de março de 2016, encerrou aos 29 anos a passagem de Nico pela vida.

Ao receber a notícia da morte do filho, Justo imediatamente atribuiu a responsabilidade pela morte ao Rampla.

No quarto do jovem havia uma bandeira nas cores verde e vermelha, que Nico mantinha sempre hasteada.

Justo quis queimar a bandeira para apagar qualquer vestígio do “maldito clube que matou” seu filho.

Mas quando chegou ao quintal com a bandeira nas mãos, percebeu que aquele pedaço de pano representava um grande amor de seu filho, mais que isso, aquela bandeira era o que havia restado de Nico no mundo.

Esse foi o ponto de partida para uma conclusão e algumas atitudes de Justo que fazem da irracionalidade tão típica ao futebol, algo mais humano e ao mesmo tempo extremamente racional.

Justo percebeu que o Rampla não era o motivo da morte do filho, mas sim a vida de Nico.

Justo permitiu que as cinzas de Nico fossem jogadas nas arquibancadas do Estádio Olímpico de Montevidéu.

A última morada que Nico gostaria foi respeitada e Justo acompanhou a cerimônia.

Porém, a falta que Justo sentia do filho aumentava com o passar dos dias e ele percebeu que precisava ir além.

O cerrense de uma vida inteira, que fez seu filho sócio do clube aos 3 dias de vida, de uma hora para outra se viu na arquibancada do Rampla torcendo pela camisa verde e vermelha.

Para quem é torcedor a mudança de Justo pode parecer absurda, mas para quem é pai, e mesmo para quem é filho, o vira casaca é justificável.

Quem vê a bandeira verde e vermelha com a frase “Nico Siempre Presente” amarrada no alambrado do estádio Olímpico e ainda assim insiste em não compreender o que se passa ali, Justo explica:

“Eu digo e sustendo: meu sangue vai ser cerrense até eu morrer. Mas meu coração é Rampla. Eu represento ele (Nico)”

O bairro todo conhece a história e abraçou Justo como ele abraçou o time do filho.

Entre as conversas mais acaloradas sobre qual time Justo seria torcedor depois da morte de Nico, surgiu uma frase que hoje é a forma como os moradores de Villa del Cerro e torcedores de Cerro e Rampla se referem ao diferente torcedor.

Para eles Justo é um “hinja del hijo”.

Justo é e sempre foi torcedor de Nico e enquanto Justo levar aquela bandeira às arquibancadas do Rampla, e enquanto o coração cerrense bombear sangue picapiedra no corpo de Justo, Nico sobreviverá pelo futebol, pelo Rampla, pelo cerro e principalmente pelo amor de pai e filho.

A bela história de Justo e Nico só ganhou o mundo após a iniciativa da iniciativa da agência da Câmara TBWA, que produziu o documentário chamado “Justo y Nico, uma história de amor além das cores” que foi lançado com apoio da Secretaria Nacional de Esportes do Uruguai na semana do dia dos pais no país e foi usada como campanha de conscientização pela paz entre torcedores.

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