Imagens: Documentário Justo y Nico Reprodução
Justo y Nico:
não há rivalidade que resista ao amor de um pai por um filho
O amor que
Justo transferiu para o time arquirrival de seu time de coração, mas que era o
time de Nico, seu filho morto, prova que o futebol é capaz de produzir
histórias que ultrapassam os limites das quatro linhas e fazem do esporte
bretão uma instância da vida social que eleva pessoa ao mais puro estado de
humanidade.
Pedro
Henrique Brandão Lopes
O bairro
Villa del Cerro, na periferia de Montevidéu, guarda uma rivalidade
futebolística que só não supera o gigantesco clássico Nacional e Peñarol.
Em dia de
“Derby de la Villa”, Club Atlético Cerro e Rampla Juniors medem forças, ora no
Luis Trócolli, ora no Estádio Olímpico de Montevidéu, porém sempre com
torcedores apaixonados que levam às arquibancadas suas histórias particulares
de gerações familiares para ajudar no grito que incentiva os onze que estão em
campo.
Desde 2017,
porém, os jogos do Rampla contam com uma história fora do comum no meio
futebolístico: a história de Justo e Nico, que é linda na mesma proporção de
sua raridade.
A inusitada
história começa em 29 de dezembro 1986, o dia do nascimento de Nicolás Martin Sánchez,
o Nico, dia que Justo conta ter sido o dia mais feliz da vida dele pelo
nascimento do filho.
O orgulhoso
pai Justo teria a companhia que sempre sonhou para ensinar a devoção pelo azul
e branco do Cerro e apenas três dias depois de Nico nascer, Justo levou os
documentos do filho a sede do clube de coração para registrá-lo como sócio
cerrense.
Durante a
infância de Nico, tudo correu como nos antigos planos de Justo e o menino vivia
com a camisa do Cerro, chutando uma bola e sem perder um jogo sequer no Luis
Trócolli sempre em companhia do pai.
Porém aos 15
anos, Nico começou uma mudança que causaria uma ruptura no lar dos Sánchez.
O menino que
foi ensinado a torcer, amar e incentivar o azul e branco do Cerro, conheceu o
verde e vermelho do Rampla e se apaixonou perdidamente.
É difícil
imaginar como Justo suportou tamanha “traição”, mesmo assim, Nico continuou
sendo o filho amável que sempre foi, mas com um pequeno grande problema: agora
Nico era um picapiedra do Rampla.
Futebol
deixou de ser um assunto na casa dos Sánchez, para evitar que um simples almoço
virasse uma prévia de um Clássico de la Villa.
Justo ensinou
como torcer para um time de futebol, na chuva, no sol e nos jogos fora de
Montevidéu.
Nico aprendeu
bem a lição, só não torcia pelo Cerro, mas fazia tudo que o pai lhe ensinara
pelo Rampla.
Numa dessas
viagens, quando voltava para casa após assistir ao jogo do Rampla contra o
Atenas San Carlos, no Campus Maldonado, um acidente automobilístico, no dia 6
de março de 2016, encerrou aos 29 anos a passagem de Nico pela vida.
Ao receber a
notícia da morte do filho, Justo imediatamente atribuiu a responsabilidade pela
morte ao Rampla.
No quarto do
jovem havia uma bandeira nas cores verde e vermelha, que Nico mantinha sempre
hasteada.
Justo quis
queimar a bandeira para apagar qualquer vestígio do “maldito clube que matou”
seu filho.
Mas quando
chegou ao quintal com a bandeira nas mãos, percebeu que aquele pedaço de pano
representava um grande amor de seu filho, mais que isso, aquela bandeira era o
que havia restado de Nico no mundo.
Esse foi o
ponto de partida para uma conclusão e algumas atitudes de Justo que fazem da
irracionalidade tão típica ao futebol, algo mais humano e ao mesmo tempo
extremamente racional.
Justo
percebeu que o Rampla não era o motivo da morte do filho, mas sim a vida de
Nico.
Justo
permitiu que as cinzas de Nico fossem jogadas nas arquibancadas do Estádio
Olímpico de Montevidéu.
A última
morada que Nico gostaria foi respeitada e Justo acompanhou a cerimônia.
Porém, a
falta que Justo sentia do filho aumentava com o passar dos dias e ele percebeu
que precisava ir além.
O cerrense de
uma vida inteira, que fez seu filho sócio do clube aos 3 dias de vida, de uma
hora para outra se viu na arquibancada do Rampla torcendo pela camisa verde e
vermelha.
Para quem é
torcedor a mudança de Justo pode parecer absurda, mas para quem é pai, e mesmo
para quem é filho, o vira casaca é justificável.
Quem vê a
bandeira verde e vermelha com a frase “Nico Siempre Presente” amarrada no
alambrado do estádio Olímpico e ainda assim insiste em não compreender o que se
passa ali, Justo explica:
“Eu digo e
sustendo: meu sangue vai ser cerrense até eu morrer. Mas meu coração é Rampla.
Eu represento ele (Nico)”
O bairro todo
conhece a história e abraçou Justo como ele abraçou o time do filho.
Entre as
conversas mais acaloradas sobre qual time Justo seria torcedor depois da morte
de Nico, surgiu uma frase que hoje é a forma como os moradores de Villa del
Cerro e torcedores de Cerro e Rampla se referem ao diferente torcedor.
Para eles
Justo é um “hinja del hijo”.
Justo é e
sempre foi torcedor de Nico e enquanto Justo levar aquela bandeira às
arquibancadas do Rampla, e enquanto o coração cerrense bombear sangue
picapiedra no corpo de Justo, Nico sobreviverá pelo futebol, pelo Rampla, pelo
cerro e principalmente pelo amor de pai e filho.
A bela
história de Justo e Nico só ganhou o mundo após a iniciativa da iniciativa da
agência da Câmara TBWA, que produziu o documentário chamado “Justo y Nico, uma
história de amor além das cores” que foi lançado com apoio da Secretaria
Nacional de Esportes do Uruguai na semana do dia dos pais no país e foi usada
como campanha de conscientização pela paz entre torcedores.
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