Imagem: Capa da Revista Fatos e Fotos de 1970/Reprodução
Não vem de
garfo que hoje é dia de sopa
Wilson
Simonal integrou a delegação brasileira na Copa do Mundo de 1970 para garantir
o lazer dos jogadores. Acabou se entrosando tanto que “quase” entrou em campo.
Pedro
Henrique Brandão Lopes
Para muita
gente, a Seleção Brasileira de 1970 ficou eternamente gravada como a expressão
máxima do futebol arte e da alegria em vestir a Amarelinha.
Zagallo não
poupou esforços para encaixar meia dúzia de ‘camisas 10’ no time que encantou o
mundo e revolucionou a forma de pensar futebol.
O que quase
ninguém sabe é que nos bastidores da concentração daquele timaço transitava um
pop star brasileiro que, tal qual o escrete canarinho, arrastava multidões por
onde passava.
Wilson
Simonal era o artista brasileiro de maior sucesso naquele período, entre o
final dos anos 1960 e início dos anos 1970, na cena musical dividia as atenções
do público apenas com Roberto Carlos, mas era fã de outro rei, o do futebol,
Pelé.
Simonal
adorava futebol e como os jogadores o adoravam, a CBD fez o convite para que o
cantor seguisse viagem junto à delegação.
Aos 32 anos
de idade, Simonal se integrou facilmente ao grupo e estava sempre à frente dos
momentos de descontração dos atletas.
Não são raros
os registros em vídeo do cantor (des)organizando a resenha dos atletas ao som
de suas canções que ganhavam a voz de jogadores como Pelé e Jairzinho animados
ao microfone.
O Rei Pelé
foi um dos que mais se aproximou de Simonal no período e conta como o célebre
intérprete de “Nem vem que não tem” era mais um no elenco:
“A gente
chegava ao aeroporto e todo mundo vinha pedir autógrafo, parecia que ele era
jogador também”.
O
entrosamento chegou a tal ponto que os jogadores resolveram pregar uma peça no
amigo músico.
Zagallo teria
que cortar um jogador e a boleirada convenceu Simonal que ele poderia ser o
substituto, mas Pelé conta que nem tudo foi resolvido como imaginava o cantor,
para a diversão de todos no time:
“Ele (Wilson
Simonal) achava que estava bem, que era atleta. Aí a gente falou assim: ‘pô
vamos fazer os dois toques’. Porque a gente sempre fazia a brincadeira de dois
toques. Arrumamos uniforme pro Simonal, aí tome 15 minutos de aquecimento e ele
acompanhando tudo. Daqui a pouco passou mal, aquele calor e altitude do México,
deu um piripaque nele. Teve que ir o doutor dar oxigênio nele”.
Recorda às
gargalhadas o Rei Pelé.
O filho de
Wilson Simonal, o também músico Simoninha, destaca o bom clima entre o pai e os
amigos jogadores:
“Não sei quem
era mais louco, os jogadores, por chamarem o Simonal para jogar ou o Simonal,
por acreditar que poderia jogar com aqueles gênios”.
Neste sábado,
23 de fevereiro, Simonal completaria 81 anos de idade se estivesse vivo.
Porém as
páginas divertidas da história do músico acabaram logo no início dos anos 1970.
Wilson
Simonal que viveu o apogeu como artista, viveria a partir de 1971 o limbo da
execração pública e a queda no fosso do esquecimento.
Não sem antes
passar pelo achincalhe da classe artística por um suposto envolvimento com o
regime militar, o boato que correu era que Simonal seria o “dedo-duro da
ditadura”.
Foi essa a
fama que o perseguiu até sua morte, no total ostracismo, no ano 2000.
Tudo por
conta de um episódio obscuro de 1971, no auge da repressão militar no Brasil, e
que só seria esclarecido em 2009, ano que ficou conhecido como “ano Simonal”,
pois contou com os lançamentos de uma caixa comemorativa com 9 álbuns do
artista, a biografia Nem Vem Que Não Tem — A Vida e o Veneno de Wilson Simonal,
escrita pelo jornalista Ricardo Alexandre e o documentário Simonal — Ninguém
sabe o duro que dei, codirigido por Cláudio Manoel (sim, o “Seu Creysson” de
Casseta e Planeta), Micael Langer e Calvito Leal.
O
documentário joga luz sobre o acontecimento da noite de 24 de agosto de 1971,
que conta com uma surra aplicada por agentes do temível DOPS em Raphael
Viviani, contador de Simonal, e de quem o cantor desconfiava estar sendo
roubado.
Os agentes
chegaram à casa de Raphael no Opala do cantor e a pecha de dedo-duro recaiu
sobre Simonal para nunca mais o deixar.
Hoje o que se
entende é que Wilson Simonal não tinha envolvimento político algum, nem com a
esquerda e nem com a direita, o cantor quis, da pior maneira, resolver um assunto
pessoal que o incomodava e para isso contratou conhecidos que trabalhavam no
Departamento de Ordem Política e Social, órgão de repressão da ditadura.
Num tempo em
que as redes sociais virtuais estavam distantes da realidade, o tribunal de
Simonal não foi o do ‘unfollow’ ou de comentários instantâneos de ‘haters’ numa
rede qualquer.
Simonal, o
mais prestigiado artista brasileiro do momento; aquele que havia regido o
Maracanãzinho lotado em um show histórico e digno das estrelas do futebol que
ele acompanhara pouco tempo antes, foi julgado no tribunal histórico e banido
do cenário artístico brasileiro a ponto de Boni, a cabeça pensante da Globo por
mais de 30 anos, admitir no documentário:
“Simonal
pegava mal, com o perdão da rima”.
Mesmo com o
resgate histórico feito, tanto no documentário quanto na biografia, Simonal
permanece ignorado pelas novas gerações e suspeito às gerações anteriores que
não consideram os novos relatos.
Wilson
Simonal, era mais um brasileiro alienado politicamente, no auge da ditadura
estava no México fazendo sua arte como os jogadores que se (con)sagraram
tricampeões do mundo.
A passagem de
Simonal pelo México ficou registrada no álbum México ’70.
Lançado
apenas fora do Brasil, integralmente gravado e produzido no país da Copa do
Mundo.
A faixa
inicial do disco é “Aqui é o país do futebol”, cujo refrão diz:
“Brasil está
vazio na tarde de domingo né, olha o sambão aqui é o país do futebol”.
Wilson
Simonal não foi um dedo-duro, não foi santo, errou feio no episódio do
contador, mas não merecia morrer no esquecimento pelo artista que era e pelo
talento que tinha, além de ser pé quente em Copa do Mundo.
O Brasil não
merece esquecer Simonal.
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