domingo, agosto 11, 2019

Osmar Santos, o narrador que mudou a história do rádio esportivo brasileiro...

Imagem: Autor Desconhecido

Os 70 anos de Osmar Santos, o Pai da Matéria

Osmar Santos foi a voz que levou as principais conquistas dos clubes paulistas nos anos 1980 e 1990 aos seus torcedores, que se acostumaram com os criativos bordões que revolucionaram as transmissões esportivas no rádio.

Não se limitou a ser ‘apenas’ portador das alegrias futebolísticas e foi a Voz das Diretas.

A brilhante carreira de um genial profissional que foi interrompida no melhor momento do jogo, mas que não fez desistir da vida.

Pedro Henrique Brandão Lopes

“Capricha, garotinho!”
Ao iniciar o texto é como se pudesse ouvir o próprio Osmar Santos, na minha consciência, fazendo o pedido e ao mesmo tempo dando o incentivo.

Vou caprichar, claro, afinal não é todo dia que se pode contar a história de alguém conhecido como o Pai da Matéria.

Então ‘ripa na chulipa’.

Nascido Osmar Aparecido dos Santos, na cidade de Osvaldo Cruz, no interior paulista, em 28 de julho de 1949, quando jovem não era nada comunicativo.

Pelo contrário, familiares contam que Osmar era gago na infância e ninguém poderia imaginar que dali a alguns anos aquele seria o maior narrador esportivo do Brasil.

Para curar a gagueira, entrou em cena Seu Heitor, pai de Osmar e curandeiro que benzia crianças nas redondezas do pequeno sítio em que a humilde família Santos vivia.

A ligação entre Osmar e seu pai impressiona e a equipe da ESPN que produziu o documentário “Vai garotinho que a vida é sua”, relatou estranhos acontecimentos quando as conversas com Osmar chegavam ao nome do já falecido Seu Heitor.

Luzes piscando ou apagando são algumas das coisas que assustaram os jornalistas, mas ajudam a explicar de alguma maneira como Osmar Santos seguiu mesmo depois do grave acidente sofrido em 1994.

Antes do acidente, porém, a trajetória construída por Osmar Santos no rádio tem de ser contada e considerada como uma revolução na forma de transmitir futebol.

Não é exagero admitir a máxima de Juca Kfouri, que em qualquer oportunidade possível repete que “há uma história do rádio esportivo brasileiro antes e outra depois de Osmar Santos”.

Principalmente em relação ao rádio paulista que carregava a pecha de ranzinza, como disse uma vez José Silvério, outro ícone da FM de São Paulo que reverencia o Pai da Matéria.

Osmar Santos surgiu para desconstruir essa verdade, foi pela cabeça genial do homem que virou a voz do futebol paulista, que as transmissões esportivas ganharam vida e roupa novas.

Os bordões, as vinhetas, o tom de descontração e o talento para “criar imagens” numa mídia que perdeu espaço justamente para a TV que trouxe a imagem para o torcedor.

A vantagem do rádio que Osmar percebeu e reinventou era como a ausência de imagem pode fazer de qualquer 0 a 0 um grande espetáculo.

Com Osmar Santos narrando qualquer 1 a 0 era goleada e um simples 0 a 0 podia parecer um incrível 5 a 5.

Pela voz do Pai da Matéria, nasceu a aura de encantamento em torno de alguns jogadores.

O mais famoso caso e que fez o jogador ser ainda maior pelo apelido foi com Edmundo, que a partir de mais uma sacada genial de Osmar Santos virou o Animal.

É bem verdade que na primeira vez que o apelido surgiu numa transmissão, Edmundo não gostou tanto e chegou a reclamar em entrevista ao final da partida.

O que o camisa 7 não gostou no primeiro momento, a torcida adorou e no jogo seguinte criou o emblemático “au, au, au Edmundo é animal”.

A tabelinha entre narrador e torcida produziu memória do esporte e é difícil um palmeirense que nunca tenha ouvido um gol dos anos 1990 com a frase que arrepia até quem não viveu aquilo dizendo “é de Edmundo, o Animal, o animal, o animaaaaal”.

Não é apenas o lado alviverde da cidade que tem a memória ativada pela voz do Pai da Matéria.

Entre corintianos de todas as idades, a voz de Osmar Santos ecoa e ecoará pela eternidade quando alvinegros recordam do título paulista de 1977.

O campeonato que tirou o Timão da fila de 23 anos sem vencer e é um marco para qualquer corintiano, tem a voz de Osmar Santos como legenda para o momento mágico do gol de Basílio.

O Morumbi foi o principal palco do futebol paulista nos anos 1980 e 1990.

O time dono do Cícero Pompeu de Toledo aproveitou o poder do estádio para enfileirar conquistas nos anos 1990 e alcançar o status de principal força do futebol brasileiro no exterior.

Porém, converse com qualquer tricolor que tenha mais de 30 anos e a primeira lembrança daquela era vitoriosa provavelmente será o discurso que Osmar Santos desatou após Zetti espalmar o pênalti de Gamboa, na decisão da Libertadores 1992 contra o Newell’s Old Boys, que garantiu o primeiro título continental do Tricolor.

Enquanto milhares de torcedores invadiam o gramado do Morumbi ensandecidos, o locutor empunhava o que pode ser considerado uma das grandes peças do jornalismo esportivo de todos os tempos:

“Por isso, tricolor, a América está aos seus pés. Essa América de brasileiros, de argentinos, chilenos, paraguaios, uruguaios e colombianos. Essa América em cujas veias corre o puro sangue dos Incas, do Maias, dos Gaúchos, dos Yanomamis e dos Guaranis. Essa América que verte o sangue dos explorados. Essa América que mergulha em suas próprias desgraças em busca de um caminho mais digno para seus filhos. Essa América que só conseguiu ser livre nos sonhos de Simon Bolívar ou de Che Guevara. Essa América cantada e chorada por Mercedes Sosa, cuja voz é um brado contra a insanidade dos poderosos e dos exploradores. Hoje a América é sua Tricolor!”.

A TV queria o talento e magnetismo de Osmar Santos, mas nunca aceitaria o estilo sui generis do locutor, apresentador e revolucionário profissional que encontrou no rádio um habitat natural.

Pelo despreparo da TV para a personalidade de Osmar e química perfeita do Pai da Matéria com as ondas curtas, o projeto Osmar Santos / Televisão não repetiu o sucesso do rádio e parou no meio do caminho.

Não foi um fracasso, apenas uma constatação de que Osmar não podia ser domado pelos interesses comerciais que na FM existiam, mas não lhe tiravam o direito aos discursos políticos mais inflamados.

Se Osmar Santos tivesse dado certo na TV, provavelmente o movimento pelas Diretas Já perderia sua poderosa voz que se tornou um dos principais articuladores da campanha por eleições diretas e emprestava seu prestígio junto às torcidas de todas as cores para arrebatar multidões aos comícios.

Osmar Santos se envolveu tanto com as Diretas, que se tornou a voz oficial da abertura política no país.

Algo impensável até os dias de hoje para alguém que tenha uma carreira em televisão.

Mas como de reviravoltas é feita a vida do Pai da Matéria, como quando o menino gago se transformou no mais afiado narrador esportivo de sua geração e reinventou a forma de fazer rádio no Brasil, um acidente em 23 de dezembro de 1994, fizeram rarear as palavras da voz perspicaz.

Um caminhoneiro bêbado no meio da estrada, uma manobra irresponsável na madrugada, uma viagem que nem precisava ser feita e aconteceu o acidente que fez Osmar Santos perder massa encefálica e ter afetada justamente a área do cérebro responsável pela fala.

Que triste ironia do destino.

Meses antes um outro acidente automobilístico, fez João do Pulo amputar uma das pernas.

Com Osmar Santos, o trauma tirou a fala.

Imagine se fosse ao contrário.

Não foi e Osmar precisou reinventar-se com a mesma genialidade que inventou o “pimba na gorduchinha”, o “ripa na chulipa”, o “parou por quê, por que parou?”, o “sai daí que o Jacaré te abraça, garotinho”, o “um pra lá, dois pra cá, é fogo no boné do guarda”, o “no carocinho do abacate”, o “ele estava curtindo amor em terra estranha”, e o arrepiante “Tiro-lirolá Tiro-lirolí, E que GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL”.

Encontrou nas cores e nas telas uma forma de colocar para fora o que pensa em tempestade, mas só consegue falar em garoa.

Aos 45 anos, no auge da carreira profissional quando conseguiu se consolidar como o mais talentoso narrador esportivo do país o acidente que lhe tirou a fala, sua ferramenta de trabalho, poderia ter acabado com qualquer um.

Não com Osmar Santos, o Pai da Matéria que chega aos 70 anos mais atual e necessário do que nunca para renovar o cenário do jornalismo esportivo.

Mesmo assim é impossível não pensar o que teria realizado Osmar Santos nesses 25 anos em que sua voz não conseguiu mais dar vazão ao oceano criativo que ainda existe dentro da mente brilhante do Animal do rádio brasileiro.

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