Imagem: Autor Desconhecido
Os 70 anos de
Osmar Santos, o Pai da Matéria
Osmar Santos
foi a voz que levou as principais conquistas dos clubes paulistas nos anos 1980
e 1990 aos seus torcedores, que se acostumaram com os criativos bordões que
revolucionaram as transmissões esportivas no rádio.
Não se
limitou a ser ‘apenas’ portador das alegrias futebolísticas e foi a Voz das
Diretas.
A brilhante
carreira de um genial profissional que foi interrompida no melhor momento do
jogo, mas que não fez desistir da vida.
Pedro
Henrique Brandão Lopes
“Capricha,
garotinho!”
Ao iniciar o
texto é como se pudesse ouvir o próprio Osmar Santos, na minha consciência,
fazendo o pedido e ao mesmo tempo dando o incentivo.
Vou
caprichar, claro, afinal não é todo dia que se pode contar a história de alguém
conhecido como o Pai da Matéria.
Então ‘ripa
na chulipa’.
Nascido Osmar
Aparecido dos Santos, na cidade de Osvaldo Cruz, no interior paulista, em 28 de
julho de 1949, quando jovem não era nada comunicativo.
Pelo
contrário, familiares contam que Osmar era gago na infância e ninguém poderia
imaginar que dali a alguns anos aquele seria o maior narrador esportivo do
Brasil.
Para curar a
gagueira, entrou em cena Seu Heitor, pai de Osmar e curandeiro que benzia
crianças nas redondezas do pequeno sítio em que a humilde família Santos vivia.
A ligação
entre Osmar e seu pai impressiona e a equipe da ESPN que produziu o
documentário “Vai garotinho que a vida é sua”, relatou estranhos
acontecimentos quando as conversas com Osmar chegavam ao nome do já falecido
Seu Heitor.
Luzes
piscando ou apagando são algumas das coisas que assustaram os jornalistas, mas
ajudam a explicar de alguma maneira como Osmar Santos seguiu mesmo depois do
grave acidente sofrido em 1994.
Antes do
acidente, porém, a trajetória construída por Osmar Santos no rádio tem de ser
contada e considerada como uma revolução na forma de transmitir futebol.
Não é exagero
admitir a máxima de Juca Kfouri, que em qualquer oportunidade possível repete
que “há uma história do rádio esportivo brasileiro antes e outra depois de
Osmar Santos”.
Principalmente
em relação ao rádio paulista que carregava a pecha de ranzinza, como disse uma
vez José Silvério, outro ícone da FM de São Paulo que reverencia o Pai da
Matéria.
Osmar Santos
surgiu para desconstruir essa verdade, foi pela cabeça genial do homem que
virou a voz do futebol paulista, que as transmissões esportivas ganharam vida e
roupa novas.
Os bordões,
as vinhetas, o tom de descontração e o talento para “criar imagens” numa mídia
que perdeu espaço justamente para a TV que trouxe a imagem para o torcedor.
A vantagem do
rádio que Osmar percebeu e reinventou era como a ausência de imagem pode fazer
de qualquer 0 a 0 um grande espetáculo.
Com Osmar
Santos narrando qualquer 1 a 0 era goleada e um simples 0 a 0 podia parecer um
incrível 5 a 5.
Pela voz do
Pai da Matéria, nasceu a aura de encantamento em torno de alguns jogadores.
O mais famoso
caso e que fez o jogador ser ainda maior pelo apelido foi com Edmundo, que a
partir de mais uma sacada genial de Osmar Santos virou o Animal.
É bem verdade
que na primeira vez que o apelido surgiu numa transmissão, Edmundo não gostou
tanto e chegou a reclamar em entrevista ao final da partida.
O que o
camisa 7 não gostou no primeiro momento, a torcida adorou e no jogo seguinte
criou o emblemático “au, au, au Edmundo é animal”.
A tabelinha
entre narrador e torcida produziu memória do esporte e é difícil um palmeirense
que nunca tenha ouvido um gol dos anos 1990 com a frase que arrepia até quem
não viveu aquilo dizendo “é de Edmundo, o Animal, o animal, o animaaaaal”.
Não é apenas
o lado alviverde da cidade que tem a memória ativada pela voz do Pai da
Matéria.
Entre
corintianos de todas as idades, a voz de Osmar Santos ecoa e ecoará pela
eternidade quando alvinegros recordam do título paulista de 1977.
O campeonato
que tirou o Timão da fila de 23 anos sem vencer e é um marco para qualquer
corintiano, tem a voz de Osmar Santos como legenda para o momento mágico do gol
de Basílio.
O Morumbi foi
o principal palco do futebol paulista nos anos 1980 e 1990.
O time dono
do Cícero Pompeu de Toledo aproveitou o poder do estádio para enfileirar
conquistas nos anos 1990 e alcançar o status de principal força do futebol
brasileiro no exterior.
Porém,
converse com qualquer tricolor que tenha mais de 30 anos e a primeira lembrança
daquela era vitoriosa provavelmente será o discurso que Osmar Santos desatou
após Zetti espalmar o pênalti de Gamboa, na decisão da Libertadores 1992 contra
o Newell’s Old Boys, que garantiu o primeiro título continental do Tricolor.
Enquanto
milhares de torcedores invadiam o gramado do Morumbi ensandecidos, o locutor
empunhava o que pode ser considerado uma das grandes peças do jornalismo
esportivo de todos os tempos:
“Por isso, tricolor,
a América está aos seus pés. Essa América de brasileiros, de argentinos,
chilenos, paraguaios, uruguaios e colombianos. Essa América em cujas veias
corre o puro sangue dos Incas, do Maias, dos Gaúchos, dos Yanomamis e dos
Guaranis. Essa América que verte o sangue dos explorados. Essa América que
mergulha em suas próprias desgraças em busca de um caminho mais digno para seus
filhos. Essa América que só conseguiu ser livre nos sonhos de Simon Bolívar ou
de Che Guevara. Essa América cantada e chorada por Mercedes Sosa, cuja voz é um
brado contra a insanidade dos poderosos e dos exploradores. Hoje a América é
sua Tricolor!”.
A TV queria o
talento e magnetismo de Osmar Santos, mas nunca aceitaria o estilo sui generis
do locutor, apresentador e revolucionário profissional que encontrou no rádio
um habitat natural.
Pelo
despreparo da TV para a personalidade de Osmar e química perfeita do Pai da
Matéria com as ondas curtas, o projeto Osmar Santos / Televisão não repetiu o
sucesso do rádio e parou no meio do caminho.
Não foi um
fracasso, apenas uma constatação de que Osmar não podia ser domado pelos
interesses comerciais que na FM existiam, mas não lhe tiravam o direito aos
discursos políticos mais inflamados.
Se Osmar
Santos tivesse dado certo na TV, provavelmente o movimento pelas Diretas Já
perderia sua poderosa voz que se tornou um dos principais articuladores da
campanha por eleições diretas e emprestava seu prestígio junto às torcidas de
todas as cores para arrebatar multidões aos comícios.
Osmar Santos
se envolveu tanto com as Diretas, que se tornou a voz oficial da abertura
política no país.
Algo
impensável até os dias de hoje para alguém que tenha uma carreira em televisão.
Mas como de
reviravoltas é feita a vida do Pai da Matéria, como quando o menino gago se
transformou no mais afiado narrador esportivo de sua geração e reinventou a
forma de fazer rádio no Brasil, um acidente em 23 de dezembro de 1994, fizeram
rarear as palavras da voz perspicaz.
Um
caminhoneiro bêbado no meio da estrada, uma manobra irresponsável na madrugada,
uma viagem que nem precisava ser feita e aconteceu o acidente que fez Osmar
Santos perder massa encefálica e ter afetada justamente a área do cérebro
responsável pela fala.
Que triste
ironia do destino.
Meses antes
um outro acidente automobilístico, fez João do Pulo amputar uma das pernas.
Com Osmar
Santos, o trauma tirou a fala.
Imagine se
fosse ao contrário.
Não foi e
Osmar precisou reinventar-se com a mesma genialidade que inventou o “pimba
na gorduchinha”, o “ripa na chulipa”, o “parou por quê, por que parou?”, o “sai
daí que o Jacaré te abraça, garotinho”, o “um pra lá, dois pra cá, é fogo no
boné do guarda”, o “no carocinho do abacate”, o “ele estava curtindo amor em
terra estranha”, e o arrepiante “Tiro-lirolá Tiro-lirolí, E que
GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL”.
Encontrou nas
cores e nas telas uma forma de colocar para fora o que pensa em tempestade, mas
só consegue falar em garoa.
Aos 45 anos,
no auge da carreira profissional quando conseguiu se consolidar como o mais
talentoso narrador esportivo do país o acidente que lhe tirou a fala, sua
ferramenta de trabalho, poderia ter acabado com qualquer um.
Não com Osmar
Santos, o Pai da Matéria que chega aos 70 anos mais atual e necessário do que
nunca para renovar o cenário do jornalismo esportivo.
Mesmo assim é
impossível não pensar o que teria realizado Osmar Santos nesses 25 anos em que
sua voz não conseguiu mais dar vazão ao oceano criativo que ainda existe dentro
da mente brilhante do Animal do rádio brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário