segunda-feira, outubro 21, 2019

A Fonte Nova é a Catedral de Santa Dulce dos Pobres...

Imagem: Felipe Iruatã/O Globo

A Fonte Nova é a Catedral de Santa Dulce dos Pobres

Uma semana após a cerimônia de canonização de Irmã Dulce, no Vaticano, quando passou a ser Santa Dulce dos Pobres, a Bahia abriu os braços para receber a primeira santa brasileira e a casa para comportar tal festa não poderia ser outra: a Fonte Nova, casa do futebol, da cultura e, agora, a Catedral do Anjo Bom da Bahia.

Pedro Henrique Brandão Lopes

A cerimônia de canonização de Irmã Dulce aconteceu no domingo passado, no Vaticano, quando o Papa Francisco reconheceu oficialmente os milagres de Santa Dulce dos Pobres.

Uma semana depois, agora como santa, o Anjo Bom da Bahia voltou para casa e não havia lugar mais apropriado em terras soteropolitanas para receber a primeira santa brasileira, do que a Arena Fonte Nova.

Lugar perfeito para receber muita gente que queria demonstrar sua fé pela santa da casa que faz milagre.

Um domingo ensolarado na capital baiana em que as temperaturas chagaram à 32 graus e as arquibancadas da Fonte Nova foram lotadas como se fosse acontecer mais uma partida pelo Brasileirão.

Mais de 49 mil pessoas foram até o estádio para saudar a imagem de Santa Dulce dos Pobres que parece já ter alcançado seus fiéis, pois mesmo com muito calor e aglomeração de pessoas, a celebração durou quase 4 horas, mas há quem chegou ao local 8 horas antes do horário marcado.

A devoção a mais nova santa não é para menos, afinal já há quem esteja rogando por Santa Dulce nos momentos mais inusitados.

Nessa semana, ganhou o Brasil, a narração de um jogo do CSA em que um narrador de rádio clama por Santa Dulce e pede pela vitória do time alagoano.

Futebol, aliás, não era algo distante da vida Irmã Dulce.

Nascida em Salvador, em 1914, ainda jovem descobriu sua vocação de freira, mas até os 13 anos, a hoje santa, tinha uma paixão um tanto menos ortodoxa: o futebol.

Mais precisamente pelo Ypiranga, o aurinegro de Salvador, que teve tempos de glória no futebol baiano.

Antes mesmo de assistir do Ypiranga, Santa Dulce gostava de futebol, como confidenciou em entrevista à TV Bahia, em 1986:

“Quando eu era pequena, adorava ir para a rua brincar de bola”.

Augusto Lopes Pontes, cirurgião dentista e pai de Irmã Dulce, foi o grande incentivador e levava a menina ao campo do bairro da Graça, para assistir aos jogos.

“Eu ia todo domingo para o Campo da Graça com meu pai ver futebol. A gente voltava sem poder falar”.

Não se deixe levar pela frágil aparência de Irmã Dulce, a devoção ao futebol do Ypiranga era tão ou mais forte do que a vocação para fazer o bem, pois a Santa conhecia bem seu time de coração e opinava sobre os jogadores:

“Popó era o meu preferido. Era um escuro com as pernas tortas. Se ele estivesse vivo hoje, ele seria Pelé. Ele era danado na bola”.

Popó era o apelido de Apolinário Santana, o Craque do Povo, para muitos o maior jogador da história do futebol baiano.

Popó viveu e jogou em um tempo em que o futebol era elitista e estava disponível apenas para algumas famílias soteropolitanas e negros eram pouco aceitos.

Quanto ao Ypiranga, assim que a década de 1950 começou, Bahia e Vitória foram assumindo o protagonismo do futebol baiano e o aurinegro ficou no passado até se licenciar em 2007 depois de colecionar rebaixamentos.

Em 2010, o time de Irmã Dulce voltou à ativa, mas acumulou dívidas e novos rebaixamentos e voltou a se licenciar.

Porém o Ypiranga da Vila Canária sempre será o primeiro time baiano a aceitar pobres e negros, um dos melhores times de Salvador até os anos 1940, com o melhor jogador baiano da história e agora o primeiro clube brasileiro, quiçá do mundo, a ter uma santa no quadro de torcedores.

Por tudo isso, nada mais apropriado e justo que a Fonte Nova tenha virado a Catedral de Santa Dulce dos Pobres, com fiéis nas arquibancadas acenando com lenços e celulares, num misto de fé, devoção e paixão, que são a base de qualquer torcedor de futebol.

O templo Fonte Nova já estava acostumado com demonstrações de fé.

Imagem: Eduardo Anizelli/Folha Press

Nenhum comentário: