Imagem: Santos FC/Reprodução
Hoje o Rei
não veio?
Numa noite
ruim, Pelé passou uma partida inteira apagado e, neutralizado pela zaga
adversária, assistia o Santos perder por 2 a 0 até que despertou e em apenas 3
minutos empatou o placar e só não virou porque o relógio quis amenizar o
sofrimento Cruzmaltino e dosar homeopaticamente o talento do Rei do Futebol.
Pedro
Henrique Brandão Lopes
Há exatos 79
anos, em Três Corações, nasceu o filho mais velho do casal dona Celeste Arantes
do Nascimento e Dondinho.
Batizado como
Edson, em homenagem ao inventor Thomas Edison, em razão de uma dificuldade em
pronunciar o nome de jogador favorito, o goleiro vascaíno Bilé, ganhou um
apelido que pelo seu imenso talento, virou sinônimo de maior jogador de futebol
de todos os tempos.
Pelé é
daquelas biografias que não se pode ousar tentar resumir.
É preciso
recortar a realidade fantástica do menino pobre que foi engraxate desde a
infância para ajudar a levar comida para casa e depois venceu três Copas do
Mundo, registrou o nome do Santos Futebol Clube na história do futebol mundial
e elevou a Seleção Brasileira ao nível de melhor seleção do planeta.
Contando
pequenas passagens da vida do tricordiano é que se pode alcançar a grandeza dos
feitos desse ser chamado Pelé.
Uma dessas
quase folclóricas histórias aconteceu na noite de 16 de fevereiro de 1963, no
Maracanã, durante uma partida entre Vasco da Gama e Santos, válida pelo Rio-São
Paulo daquele ano.
O Santos já o
multicampeão internacional que empilhava grandes vitórias frente aos gigantes
europeus em amistosos ou até em competições como o Mundial vencido contra o
Benfica de Eusébio.
Um timaço que
tinha o inesquecível e obrigatório, para quem quer saber algo sobre futebol,
quinteto formado por Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.
Esse time
tinha em Pelé o diferencial que o fazia quase invencível.
Quando algum
esquadrão fazia uma partida próxima à perfeição, única maneira de bater aquele
Santos, Pelé entrava em ação e mostrava porque merece ser considerado até hoje
o melhor jogador de todos os tempos.
Naquela noite
de fevereiro, o Vasco fez uma partida perfeita no ataque e conseguiu abrir 2 a
0, gols de Ronaldo e Sabará, enquanto na defesa simplesmente anulou Pelé, além
de marcar muito bem todo o sistema ofensivo do Santos.
A evidente
superioridade cruzmaltina encorajou a dupla de zagueiros do Vasco a cometer um
dos maiores sacrilégios que alguém pode pensar no futebol: tirar sarro de Pelé.
Uma
insanidade assinada por Brito e Fontana, responsáveis pela partida apagada do
eterno camisa 10 santista, que, de gozação, ficavam questionando um ao outro:
“Cadê o Rei?
Hoje o Rei não veio?”.
Aquela
provocação mexeu com o brio de Pelé e foi o combustível necessário para que o
Rei buscasse forças para tirar a razão daqueles que ousavam debochar da
realeza.
Quando o
relógio marcava 42 minutos da etapa final, Pelé descontou para o Santos.
Mesmo com o 2
a 1, os zagueiros seguiram confiantes por acharem que não daria tempo para mais
nada.
Pelé contou à
Revista Placar, em 1999, que um deles chegou a dizer:
“É crioulo,
essa não dá mais…”.
O Rei, no
entanto, não desistiu e no minuto seguinte fez o que parecia impossível,
empatou o jogo no Maracanã.
Pelé fez questão
de buscar a bola no fundo das redes cruzmaltinas e, de passagem por Fontana,
entregou a bola ao zagueiro e teria dito:
“Tá vendo
isso aqui? Leva para a sua mãe de presente. Diz que foi o Rei que mandou”.
Atônitos os
zagueiros e o resto do time do vascaíno, além da torcida presente em êxtase,
viram o árbitro assinalar o final de jogo poupando o Vasco da virada, Brito e
Fontana da execração pública e deixando o sabor e o cheiro da genialidade real
no ar do Maracanã.
Na entrevista
à Placar, porém, Pelé contou que a história daquela noite é quase toda verdade:
“Naquele dia,
o Fontana e o Brito me encheram demais. Toda vez que a bola saía e eu ia
buscar, um deles chutava mais longe, aproveitando que, naquela época, não havia
tantos gandulas, depois, falavam: “É crioulo, essa não dá mais…”. Só que quando
faltavam três minutos para o jogo terminar, fiz um gol, descontando para 2 a 1.
Faltando dois minutos, fiz outro. Aí peguei a bola, dei para o Fontana e disse:
“Tá vendo isso aqui? Leva para a sua mãe de presente”. Mas eu não falei que
“foi o Rei que mandou”.
A história já
é fantástica e Nelson Rodrigues fez questão de a deixar mais empolgante, vale a
leitura do trecho a seguir publicado no jornal O Globo do dia seguinte ao jogo:
“A multidão
parou. E o tento solitário de Pelé veio como um toque sobrenatural numa peleja
decidida. Mas o Vasco continuava na frente. O Santos fizera o seu “goal” de
honra e só. Pois bem — e continua a batalha. O time do Santos arquejava como um
asmático em último grau. Era preciso impedir que Pelé tocasse na bola. Nos
últimos segundos, há uma chance do Santos, Toninho enche o pé e fura. Estava
salvo o Vasco. Não, não estava salvo. Falhou Toninho, mas Pelé apareceu. Não
estava lá, mas vejam vocês — desabrochou na hora e no momento certo. Enfiou a
bola lá dentro e com que graça, sortilégio, beleza e “goal” perfeito.
Irretocável como um soneto antigo. E aí está porque nós o consideramos o maior
jogador do mundo. Amigos, não há Santos e insisto: Há Pelé. Dizia-me um colega,
ontem no Maracanã: “O crioulo teve sorte”. Exato. Mas a sorte pertence aos
Pelés, aos Napoleões. A história deu a Bonaparte, de mão beijada, uma Revolução
Francesa. E é claro que as potências misteriosas do destino carregam Pelé no
colo. Alguém diria que para os dois “goals” Pelé pouco ou nada fez, pelo
contrário: quem enfia nos três minutos de uma partida dois “goals” já fez tudo.
E mesmo que não jogasse nada, amigos, só os pernas de pau, os cabeças de bagre
precisam jogar bem. Um Pelé pode sentar em campo para ler gibi. Com um leve
toque, marcou um “goal”, com um segundo toque imponderável, empatou”.
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