Ricardo Silva, repórter da Rádio Globo postou em seu blog sob o título “O ABC, a Suíça e a democracia direta” um artigo onde tenta estabelecer uma relação de semelhança direta entre a proposta de se criar no ABC FC um conselho gestor e a forma de governo do pequeno país incrustado na Europa central e que, talvez por semelhança de sonoridade, Ricardo confundiu com os suecos e por isso, os chamou de nórdicos (suíços não são nórdicos, um suíço está para um nórdico, como um gaélico está para um gaulês).
Ricardo em sua postagem explica como é a hierarquia de governo na Confederação Helvética, mostra que não existe um presidente nos moldes conhecido por nós...
Na Suíça, o sistema de governo é composto por um Conselho Federal, composto por sete membros que elegem entre eles, um presidente pelo período de um ano – o eleito tem como principal função, representar o país em acontecimentos internacionais e ser o voto de minerva, caso em alguma votação do conselho, ocorra empate.
Ricardo tem razão quando afirma que o poder do presidente do conselho é bastante limitado.
Mas não diz as razões!
Fiz questão de usar a denominação oficial da Suíça (Confederação Helvética), pois ela por si só, já nos dá uma pista dos porquês da complexidade do sistema político do país.
A Suíça é uma confederação, é a união de diversos cantões sob um mesmo governo, mas os cantões detêm autonomia político-econômica.
Portanto, todos estão ali por vontade própria e não por imposição geográfica ou artifício constitucional.
O governo central tem como função principal, definir as relações políticas com o exterior, a condução da economia nacional e das forças armadas.
Os cantões cuidam da segurança policial, educação, saúde e definem o status religioso de cada um (não há uma religião nacional na Suíça).
O sistema eleitoral suíço não é homogêneo, cada cantão estabelece suas próprias regras e o parlamento do país é composto por 46 membros (dois representantes de cada cantão e um dos semi-cantões).
Na Suíça uma lei federal só é aplicada num cantão, depois de votada e aprovada pela população do cantão, sem essa aprovação, a lei não irá vigorar no cantão onde ela foi rechaçada pelo voto.
No Brasil, o parlamento empurra garganta a baixo leis lineares que devem ser acatadas por todos, sem que nenhuma tipicidade regional seja observada.
Exemplo: "Todo cidadão deve usar cueca de lã"...
Resultado: os homens do norte e do nordeste do país terão testículos cozidos, enquanto no centro oeste e no sudeste, haverá um grande surto de assadura, mas no sul, todos se sentirão protegidos pelo governo.
Na suíça existem quatro idiomas (alemão, francês, italiano e romanche), mesmo que a totalidade da população seja bilíngüe e que a grande maioria fale até três idiomas.
Portanto, a Suíça tem um governo central “fraco” e governos cantonais fortes.
Com esse sistema, seria impraticável um governo presidencialista como o usado em países como Brasil, Portugal e etc.
Seria impraticável em países, em clubes e até mesmo em empresas que não tivessem a formação cultural dos suíços...
Na Suíça todos são absolutamente iguais, a revolução que os levou a formação de uma nação se deu contra a corrupção dos ricos, ao contrário da francesa que se insurgiu contra os abusos do poder.
Na Suíça o poder é um meio e não um fim e todo poder se curva diante do voto popular, não há contestação as decisões dos eleitores e os resultados são sempre respeitados pelos governantes.
Sobre os “galeguinhos” e “galeguinhas” que vestem as camisas de nossos clubes em tardes de verão no Machadão, nada de anormal ou digno de nota – eles o fazem como nós faríamos se para lá fossemos, pois ABC e América, são tão exóticos pare eles, como seriam para nós, o FC Chiasso ou o Yverdon Sport FC.
Quem são os neutros e “pacíficos” suíços.
As pessoas costumam falar sobre a neutralidade suíça em relação às guerras como se tal posição fosse uma espécie de postura medrosa ou, prova incontestável de um nível civilizatório que construiu uma nação pacifica e conciliadora...
Ledo engano...
A Suíça foi fundada a custa de muitas guerras e muito derramamento de sangue, sua postura de neutralidade está baseada na determinação de se defender – a neutralidade armada.
A Suíça tem a população mais armada do mundo, seu serviço militar é obrigatório e o cidadão suíço é obrigado a participar de treinamento militar dos 20 anos, até os 50 anos (55 para os oficiais).
As armas, assim como os uniformes, ficam guardadas em casa e somente sobre esse armamento é que o cidadão tem que prestar contas.
Porém, nada impede que qualquer um tenha em sua casa, metralhadoras, submetralhadoras, fuzis automáticos, armas antitanque, morteiros e até canhões – o próprio governo suíço subsidia a compra pelo cidadão, das armas que o exército considera ultrapassadas.
Qualquer um que tenha mais de 18 anos, e que não seja criminoso ou deficiente mental, pode conseguir um waffener werbsschein (certificado de compra) emitido por uma autoridade do cantão.
Então, como bem diz um slogan do governo suíço, “os suíços não tem um exército, eles são um exército”...
No Soldatenbusch (livro do soldado) que todo suíço recebe do governo, existem lições de táticas e técnicas militares, instruções de como se proteger em caso de uma guerra nuclear, química ou bacteriológica, assim como técnicas de ocultamento e construção de abrigo.
Mas o livro não é só um manual militar, é antes de tudo, um “Manual do Cidadão”.
Lá se encontra ao lado de uma sinopse da história do país, capítulos mostrando a importância da democracia, da participação de todos nas votações comunais e a importância das armas na defesa desses valores.
Ler o Soldatenbusch dará ao leitor uma clara idéia de como os princípios democráticos estão arraigados na população e das razões que levam as instituições a funcionarem e do porque existe o respeito entre os cidadãos.
Como bem disse a revista “Americam Rifleman”: “Na Suíça cada um tem noção exata de quando e onde termina sua “fronteira” e do quanto é importante se saber isso, pois caso contrário o resultado seria um banho de sangue”.
Ricardo teve a melhor das intenções, mas nem Judas Tadeu é Hans Rudolf Merz e nem o ABC, o Rio Grande Norte e o Brasil, são helvéticos.