“Recebi a visita de Evo Morales – um bom futebolista, diga-se – e ele me pediu uma exceção para La Paz. Eu posso fazê-la, mas agora depende das seleções nacionais.” Com essas palavras, ditas em 5 de julho, Joseph Blatter abriu de vez as portas para que toda a disputa pelo veto em jogos na altitude tenha sido em vão. E foi, pois a liberação de La Paz saiu como o presidente da Fifa insinuou e praticamente nada mudará para as eliminatórias da Copa de 2010. Pior, o Brasil terá perdido fragorosamente em um duelo político que desgastou toda a América do Sul diante da Fifa.
A CBF tentou, sozinha, bancar a idéia de que deveria ser proibido jogar acima de determinada altitude. Em uma manobra sorrateira, os brasileiros fizeram um rápido lobby na Fifa para provocar uma decisão acelerada da questão. Depois das dificuldades que o Flamengo teve para enfrentar o Real Potosí a quase 4 mil m, o tema virou questão de honra para os rubro-negros.
Não demorou, os médicos Serafim Borges e José Luiz Runco – ambos do Flamengo e da CBF – prepararam um dossiê a respeito dos efeitos da altitude em atletas. A pesquisa foi enviada à Fifa em nome do Flamengo – com chancela da CBF – e foi aceita como prova da necessidade de vetar jogos em tais condições. Funcionou e a Fifa vetou o futebol internacional a mais de 2,5 mil m.
A notícia foi uma bomba para Bolívia, Peru, Colômbia e Equador. Não apenas por, de uma hora para outra, perderem o direito de jogarem – seleções e clubes – em cidades importantes como La Paz, Cochabamba, Oruro, Cuzco, Bogotá e Quito, mas também por não haver aviso prévio. A Fifa simplesmente não anunciara que esse tema seria debatido em sua reunião de Comitê Executivo de no final de maio e pegou os andinos desprevenidos.
Essa “surpresa” foi fundamental para deixar o clima tenso no futebol sul-americano. Os países se sentiram traídos, pois Joseph Blatter pessoalmente dissera, em visita à Bolívia em 2000, que havia sido criado nas montanhas suíças e reconhecia o direito de se jogar futebol na altitude. Pior, sem o tal aviso prévio, tirou de bolivianos, equatorianos, peruanos e colombianos o direito de resposta.
O cenário ficou particularmente mais delicado porque, em princípio, a Fifa pretendia discutir abertamente esse assunto em outubro. Os países andinos esperavam por isso, imaginando que poderiam apresentar pesquisas que provassem que o risco não é tão grande quanto alguns pintam (e, comparando as diversas versões, seria possível uma decisão consistente e legítima). Do jeito que foi, a determinação ficou com jeito de algo arbitrário, pouco democrático e sem transparência. Até porque o valor estipulado (2,5 mil m) era o suficiente para não atingir a Cidade do México, centro importante do futebol internacional.
Os países andinos perderam a primeira batalha, mas estavam dispostos a seguir com a guerra. Evo Morales, presidente da Bolívia, foi o mais envolvido. Ele defendeu o direito de universalização do futebol, disputou partidas em cidades altas para mostrar que não há riscos, chegou a acusar diretamente o Brasil de “puxar o tapete” boliviano e ameaçou liderar um boicote de seu país à Copa América. Colômbia, Peru e Equador também aderiram ao movimento (exceto no caso do boicote), exigindo que a Conmebol interviesse diretamente com a cúpula da Fifa.
O bloco dos quatro países andinos (mais a Venezuela de Hugo Chávez, que, por afinidade política com a questão, também se manifestou em favor dos jogos na altitude), em teoria, era fraco diante dos adversários continentais. No entanto, Chile, Uruguai e Argentina – essa última era considerada aliada pela CBF – também se colocaram a favor, isolando o Brasil na Conmebol e tornando a decisão inicial da Fifa cada vez mais difícil de sustentar politicamente.
O fato de os próprios países sul-americanos estarem pedindo cada vez uma postura diferente da Fifa deixou a federação internacional desgostosa com a situação, pois era embaraçoso ter de rever uma decisão a pedido da Conmebol, sendo que o pedido inicial partira justamente de uma entidade filiada à Conmebol. Desde a primeira semana após a decisão já se falava que o limite mudaria para 3 mil m – patamar que já liberaria cidades como Cochabamba, Quito, Toluca e Bogotá – e que La Paz seria exceção por “uso e costume e para evitar conflito internacional”.
O Brasil não contava com a capacidade de mobilização de seus vizinhos. Na última semana de junho, a Fifa confirmou a expectativa e a altitude máxima para jogos internacionais passou a ser 3 mil m. Além disso, a decisão passou a valer apenas para jogos de seleções, e não teria efeito na Copa Libertadores e na Copa Sul-Americana. Ponto para os andinos, que terão de volta uma importante arma nas eliminatórias.
A declaração de Blatter que prenunciou a liberação de La Paz em 5 de julho mostrou como a Fifa estava disposta a lavar as mãos e jogar esse problema no colo da Conmebol. O suíço deixou evidente que não iria mais se preocupar com uma briga interna da América do Sul que respingou mundialmente. Assim, La Paz, a 3,6 mil m, estaria liberada se as federações sul-americanas concordassem. A única exigência do dirigente é que a definição se desse antes de setembro, quando têm início as Eliminatórias para o Mundial da África do Sul.
A queda de braço terminaria a favor de quem estiver com mais força política. Em teoria, o Brasil até poderia encarar o resto da América do Sul se usasse suas armas, mas a própria CBF largou mão da causa e viu imóvel a reação dos vizinhos. Claro, Ricardo Teixeira não é bobo e sabe que não deve se indispor com aliados em época de candidatura para sede de Copa do Mundo. Além disso, já tinha feito sua parte para agradar aos apelos do Flamengo e de parte da imprensa que ficara chocada com o que ocorrera no jogo dos rubro-negros em Potosi.
A visita de Joseph Blatter à Venezuela para a final da Copa América serviu como deixa. O suíço se reuniu com os presidentes das dez federações sul-americanas e tratou sobre as eliminatórias. Dessa conversa saiu a decisão definitiva sobre o veto a jogos internacionais na altitude, com 3 mil m de limite máximo, mas exceção para La Paz. O Brasil começou as Eliminatórias com uma derrota. De natureza política, é verdade, mas não deixa de ser uma derrota.
A CBF tentou, sozinha, bancar a idéia de que deveria ser proibido jogar acima de determinada altitude. Em uma manobra sorrateira, os brasileiros fizeram um rápido lobby na Fifa para provocar uma decisão acelerada da questão. Depois das dificuldades que o Flamengo teve para enfrentar o Real Potosí a quase 4 mil m, o tema virou questão de honra para os rubro-negros.
Não demorou, os médicos Serafim Borges e José Luiz Runco – ambos do Flamengo e da CBF – prepararam um dossiê a respeito dos efeitos da altitude em atletas. A pesquisa foi enviada à Fifa em nome do Flamengo – com chancela da CBF – e foi aceita como prova da necessidade de vetar jogos em tais condições. Funcionou e a Fifa vetou o futebol internacional a mais de 2,5 mil m.
A notícia foi uma bomba para Bolívia, Peru, Colômbia e Equador. Não apenas por, de uma hora para outra, perderem o direito de jogarem – seleções e clubes – em cidades importantes como La Paz, Cochabamba, Oruro, Cuzco, Bogotá e Quito, mas também por não haver aviso prévio. A Fifa simplesmente não anunciara que esse tema seria debatido em sua reunião de Comitê Executivo de no final de maio e pegou os andinos desprevenidos.
Essa “surpresa” foi fundamental para deixar o clima tenso no futebol sul-americano. Os países se sentiram traídos, pois Joseph Blatter pessoalmente dissera, em visita à Bolívia em 2000, que havia sido criado nas montanhas suíças e reconhecia o direito de se jogar futebol na altitude. Pior, sem o tal aviso prévio, tirou de bolivianos, equatorianos, peruanos e colombianos o direito de resposta.
O cenário ficou particularmente mais delicado porque, em princípio, a Fifa pretendia discutir abertamente esse assunto em outubro. Os países andinos esperavam por isso, imaginando que poderiam apresentar pesquisas que provassem que o risco não é tão grande quanto alguns pintam (e, comparando as diversas versões, seria possível uma decisão consistente e legítima). Do jeito que foi, a determinação ficou com jeito de algo arbitrário, pouco democrático e sem transparência. Até porque o valor estipulado (2,5 mil m) era o suficiente para não atingir a Cidade do México, centro importante do futebol internacional.
Os países andinos perderam a primeira batalha, mas estavam dispostos a seguir com a guerra. Evo Morales, presidente da Bolívia, foi o mais envolvido. Ele defendeu o direito de universalização do futebol, disputou partidas em cidades altas para mostrar que não há riscos, chegou a acusar diretamente o Brasil de “puxar o tapete” boliviano e ameaçou liderar um boicote de seu país à Copa América. Colômbia, Peru e Equador também aderiram ao movimento (exceto no caso do boicote), exigindo que a Conmebol interviesse diretamente com a cúpula da Fifa.
O bloco dos quatro países andinos (mais a Venezuela de Hugo Chávez, que, por afinidade política com a questão, também se manifestou em favor dos jogos na altitude), em teoria, era fraco diante dos adversários continentais. No entanto, Chile, Uruguai e Argentina – essa última era considerada aliada pela CBF – também se colocaram a favor, isolando o Brasil na Conmebol e tornando a decisão inicial da Fifa cada vez mais difícil de sustentar politicamente.
O fato de os próprios países sul-americanos estarem pedindo cada vez uma postura diferente da Fifa deixou a federação internacional desgostosa com a situação, pois era embaraçoso ter de rever uma decisão a pedido da Conmebol, sendo que o pedido inicial partira justamente de uma entidade filiada à Conmebol. Desde a primeira semana após a decisão já se falava que o limite mudaria para 3 mil m – patamar que já liberaria cidades como Cochabamba, Quito, Toluca e Bogotá – e que La Paz seria exceção por “uso e costume e para evitar conflito internacional”.
O Brasil não contava com a capacidade de mobilização de seus vizinhos. Na última semana de junho, a Fifa confirmou a expectativa e a altitude máxima para jogos internacionais passou a ser 3 mil m. Além disso, a decisão passou a valer apenas para jogos de seleções, e não teria efeito na Copa Libertadores e na Copa Sul-Americana. Ponto para os andinos, que terão de volta uma importante arma nas eliminatórias.
A declaração de Blatter que prenunciou a liberação de La Paz em 5 de julho mostrou como a Fifa estava disposta a lavar as mãos e jogar esse problema no colo da Conmebol. O suíço deixou evidente que não iria mais se preocupar com uma briga interna da América do Sul que respingou mundialmente. Assim, La Paz, a 3,6 mil m, estaria liberada se as federações sul-americanas concordassem. A única exigência do dirigente é que a definição se desse antes de setembro, quando têm início as Eliminatórias para o Mundial da África do Sul.
A queda de braço terminaria a favor de quem estiver com mais força política. Em teoria, o Brasil até poderia encarar o resto da América do Sul se usasse suas armas, mas a própria CBF largou mão da causa e viu imóvel a reação dos vizinhos. Claro, Ricardo Teixeira não é bobo e sabe que não deve se indispor com aliados em época de candidatura para sede de Copa do Mundo. Além disso, já tinha feito sua parte para agradar aos apelos do Flamengo e de parte da imprensa que ficara chocada com o que ocorrera no jogo dos rubro-negros em Potosi.
A visita de Joseph Blatter à Venezuela para a final da Copa América serviu como deixa. O suíço se reuniu com os presidentes das dez federações sul-americanas e tratou sobre as eliminatórias. Dessa conversa saiu a decisão definitiva sobre o veto a jogos internacionais na altitude, com 3 mil m de limite máximo, mas exceção para La Paz. O Brasil começou as Eliminatórias com uma derrota. De natureza política, é verdade, mas não deixa de ser uma derrota.
Ubiratan Leal.
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