terça-feira, março 13, 2007

Máfia ou marido traído matam remador brasileiro...

Por Antoine Morel

Em São Paulo


Um assassinato na terra de Al Capone. Um tiro de calibre 38. Uma investigação do FBI. Uma suspeita de tráfico de armas. O enredo parece um filme policial em preto-e-branco de Hollywood. Mas, ao ouvir alguns personagens que conviveram com o remador brasileiro morto durante o terceiro Pan, a história se revela um drama recheado de sexo e traição, bem ao gosto de Nelson Rodrigues.No dia 7 de setembro de 1959, último dia de competição continental em Chicago, Ronaldo Duncan Arantes foi achado morto nos jardins de North Central College, em Naperville. Quem descobriu o corpo foi um time de futebol local que passava pelas redondezas.Ronaldo tinha 26 anos e era do barco de oito com timoneiro do Brasil. Ele já tinha competido, terminando no quarto lugar. Na noite do dia 6 de setembro, permaneceu com os companheiros no alojamento suburbano, longe da badalação das outras delegações do Pan, que se instalaram no centro da metrópole. Perto da 1h da madrugada, Ronaldo avisou os amigos que iria dar uma volta e ainda brincou: “Vou me encontrar com Al Capone”. A referência ao famoso gângster parecia uma premonição do que viria a acontecer. Uma bala calibre 38 de uma pistola Schmidt, encontrada ao lado do remador, acertou o peito de Ronaldo. O caso tomou as páginas de jornais de Chicago e de todos os países que enviaram correspondentes aos Jogos Pan-Americanos, principalmente os brasileiros. Nos dias seguintes, supostas testemunhas, teorias da polícia e investigações de jornalistas variavam entre homicídio, suicídio, latrocínio e até um acidente numa brincadeira com os outros conterrâneos. O fato concreto era que o morto tinha US$ 2 mil quando saiu do alojamento esportivo.
A primeira linha do inquérito foi de que Ronaldo, além de disputar o Pan, tinha intenção de fazer um “negócio da China” em Chicago. Ele teria entrado em contato com traficantes de armas para comprar algumas com intenção de revendê-las no Brasil. Alguma confusão na negociação teria feito os criminosos tirarem a vida do remador. Um indício dessa tese é que vários integrantes da delegação nacional compraram revólveres nos EUA, aproveitando a facilidade de comércio armamento por lá. Essa teoria acabou não fundamentada pela polícia, mas permanece até hoje. Samir Abujamra, da equipe de beisebol do Brasil naquele Pan, ainda tem a idéia na cabeça. “Foi um negócio muito trágico. Parece que ele se envolveu com gângsters lá”, afirma o ex-atleta, que hoje mora no Rio e voltou no mesmo avião que trouxe o caixão com Ronaldo.Após alguns tropeços da polícia local, o governo brasileiro pediu que o FBI entrasse na história. A célebre polícia federal dos EUA, tão retratada nos filmes de suspense e aventura, também não avançou muito. O caso foi declarado como “inconclusivo”. A delegação de remo, que ficou retida para dar depoimentos por mais 10 dias, finalmente pôde retornar ao país.Na equipe estava Rômulo Duncan Arantes, irmão de Ronaldo, integrante da comissão técnica de remo e mais tarde um dos mais respeitados técnicos da natação brasileira. Ele desembarcou no Rio sem saber o que estava por trás do crime. Pouco tempo depois, a pitada “rodriguiana” apareceu na trama. A noiva de Ronaldo desabafou para a polícia: o remador tinha uma amante em Chicago. A morte teria sido uma vingança do marido traído. O crime passional é defendido por Roma Arantes, que foi casada com Rômulo e acompanhou a história durante anos na família. Segundo a ex-cunhada de 79 anos, Ronaldo era enfermeiro no exército e se envolveu com uma mulher de um tenente aqui no Brasil. “O tenente era da equipe de hipismo do Brasil”, revela Audifax Barbosa, de 79 anos, remador do mesmo barco de Ronaldo em 1959 e hoje delegado aposentado da Polícia Federal. “A mulher do tenente foi e ficou hospedada perto do nosso alojamento, longe do pessoal do hipismo, que ficava mais no centro. O marido armou tudo para o Ronaldo se encontrar com ela e matá-lo.”Durante as investigações nos EUA, houve quem dissesse mesmo que o brasileiro estava acompanhado por uma mulher naquela fatídica noite, mas nunca foi comprovada qualquer ligação com os outros atletas brasileiros. No Brasil, também não há registro de inquérito contra um militar pelo crime.Barbosa tem lembranças mais conspiratórias do desfecho do caso: “Mandaram o tenente assassino para um lugar perto da fronteira. O Rômulo Arantes, irmão do finado, era sargento na época e fechou o bico. Foi tudo encoberto”. A história marcou tanto a delegação brasileira que não muitos que se dispõem a falar do caso. Dois dirigentes na atualidade, André Richer (vice-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro) e Rodney Araújo (presidente da Confederação Brasileira de Remo) se recusaram a falar sobre o assunto. Richer estava no mesmo barco que Ronaldo de 1959. Araújo treinava com o remador aqui no Brasil.Os que quiseram falar sobre aquele Pan, como Barbosa e Abujamra, quase nem citam suas participações esportivas em Chicago. Ficaram em segundo plano o ouro do saltador Adhemar Ferreira da Silva e as outras 21 medalhas colhidas pelos brasileiros por lá. A lembrança que fica é a tragédia. O Ronaldo, o atleta que ganhou uma bala no peito em vez de uma medalha, marcou toda uma geração de esportistas que participaram da terceira “Olimpíada das Américas”.

Fonte: www.uol.com.br

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