quarta-feira, setembro 23, 2009

A tese...

A imprensa esportiva de um modo geral, nunca primou muito por textos bem elaborados, salvo Nelson Rodrigues, Mario Filho, Armando Nogueira, Juca Kfouri, Ruy Carlos Osterman, Antonio Maria, Antero Greco, Alberto Helena Junior e Fernando Calazans, entre outros (sempre foram à fonte onde fui beber), a maioria absoluta, sempre esteve entre o medíocre e o deplorável, mas sobrevivem...


Nos meus tempos de menino, ler as colunas esportivas era algo prazeroso, lia muito, lia sempre!


Apesar de vascaíno, lia Nelson Rodrigues e me deliciava com o personagem “Sobrenatural de Almeida”, a justificar com cínica maestria as mais estapafúrdias derrotas do Fluminense.


A coluna “À Sombra das Chuteiras Imortais”, transformava qualquer equipe meia boca do tricolor, num esquadrão glorioso, os adversários, eram destroçados e despedaçados (o Vasco entre eles) com sutileza, com a maestria de quem sabe se conduzir pelas tortuosas vias das letras.


Aborrecia-me quando o texto findava (nunca com Nélson, jamais).


Armando Nogueira, é um mestre - culto, dialoga com as palavras, dança com as letras e por vias poéticas, nos faz sucumbir aos encantos do jogo, da bola...


Ruy Carlos Osterman, professor universitário, gaúcho, distante da maioria absoluta dos leitores brasileiros, mas perfeito e cirúrgico em suas crônicas e comentários.


Podemos em algum momento discordar de todos, ou de alguns, mas deixar de lê-los, é crime hediondo e inafiançável, principalmente, para quem vive da bola, sem nunca a ter tocado, com a maestria dos gênios, ou com a imperícia dos esforçados.


Abaixo, um texto de Nelson Rodrigues, extraído de sua coluna – “Á Sombras das Chuteiras Imortais”, publicada no jornal “O Globo” de 30 de maio de 1966.


Por Nelson Rodrigues - Jornal o Globo, 30 de maio de 1966.


Amigos, se me perguntarem qual o maior defeito do futebol brasileiro, eu direi: a delicadeza, e reforço: a extrema delicadeza.

De fato, não há na Terra um craque que tenha a polidez do nosso.

O brasileiro é um tímido, um contido, um cerimonioso.

Foi assim em 58, foi assim em 62.

Nas duas Copas os adversários já entraram de navalha na liga.

Ao passo que, até o foul, o escrete verde-amarelo era de uma suavidade impressionante.

Vejamos em 58.

O jogo Suécia x Alemanha foi uma carnificina.

Eu estava vendo a hora em que os adversários iam arrancar a carótida uns dos outros para chupá-la como tangerina.

Foram 90 minutos de uma ferocidade recíproca e homicida. valeu tudo, rigorosamente tudo.

Pois o Brasil não fez um único e escasso vexame.

Era de pena a correção de nossos rapazes.

Jogavam na bola e só na bola. Jamais o mundo vira um escrete tão doce e de uma inocência quase suicida.

Um sociólogo que lá estivesse havia de fazer a constatação apiedada: “o escrúpulo é próprio do subdesenvolvimento”.

O escrúpulo e mais: a humildade, a lealdade e o altruísmo.

No jogo Brasil x França, comportou-se como um larápio.

Não houve em toda história da Copa, um roubo mais cristalino e cínico.

Tivemos que fazer três gols para que valesse um.

E o escrete brasileiro nem piscou.

Deixou-se furtar e só faltou beijar a testa do ladrão.

O pior vocês não sabem.

Até 58 o Brasil fazia de si a pior das imagens.

Sim, o brasileiro se considerava um facínora.

E, no Maracanã, quando um de nós ousa um foul mais violento, o estádio vem abaixo.

Por toda parte há quem esbraveje: “Cavalo! Cavalo!”.

Mas é uma injustiça.

Muito mais brutal do que o nosso é o futebol da Inglaterra, da Alemanha, da França, da Itália, da Bulgária.

O meu amigo Antônio Callado viu, certa vez, um jogo Inglaterra x Escócia.

Foi um pau só, do primeiro ao último minuto.

E, súbito, explode um sururu. Brigaram os 22 jogadores, o juiz, os bandeirinhas, as torcidas.

A polícia montada teve de invadir o campo.

No Brasil, o sururu é tão antigo, tão obsoleto quanto um quepe da Guerra do Paraguai.

E, quando um de nós dá um tapa, as manchetes tramem e há uma comoção nacional.

A doçura, a cerimônia, a timidez do nosso futebol são defeitos gravíssimos.

Um jogador brasileiro tem vergonha de pisar na cara de um adversário caído.

O europeu não.

O europeu não recua diante de nada.

Vocês lembram o jogo Brasil x Alemanha aqui no Maracanã.

Foi uma partida medíocre, mas que teve um lance de epopéia.

Refiro-me à bola dividida entre Pelé e um alemão.

Este não recuou, nem o brasileiro.

E o dilema criado para ambos foi o seguinte: matar o morrer.

O alemão preferiu matar e Pelé não quis morrer.

O nosso levou vantagem pelo seguinte: porque introduziu no choque a molecagem brasileira.

Conclusão: Pelé sobreviveu e o germânico saiu de maca.

A imprensa teve a reação própria do subdesenvolvido: condenou Pelé.

Se a coisa fosse na Alemanha, e a vítima Pelé, o cronista de lá ia considerar a fratura um fato normal e intranscendente.

Amigos, na Europa o foul praticamente não existe.

O juiz só costuma apitar quando um adversário estripa o outro.

E não há dúvida de que, por uma tendência natural e por se tratar de um tri, vão caçar os brasileiros a pauladas.

Outrora, o brasileiro babava de inveja e deslumbramento só de ouvir falar no Inglês.

Mas a verdade é bem diferente.

Hoje sabemos que o único inglês da vida real é o brasileiro.

Sim, qualquer favelado nosso, desdentado e negro, é um monstro de boas maneiras.

Um comentário:

fernando disse...

é mais quem entendia de futebol mesmo era o JOÃO SALDANHA!