Tenho sido constantemente abordado por amigos em conversas informais, sobre minha opinião a respeito da divisão das cotas de televisão nos campeonatos de futebol no Brasil...
As perguntas são geralmente usadas como preambulo de um longo discurso sobre “injustiça”, “tratamento desigual” e, alguns, cujo nível de informação e erudição é passível de discussão, costumam simplificar, rotulando o processo como preconceito, ou como armação para elitizar o futebol, excluindo os pequenos de qualquer chance de crescer.
Hoje, novamente tive que ouvir a mesma ladainha numa roda de amigos e para meu azar, havia no grupo, representantes das duas correntes...
Sempre que esse assunto começa, a primeira coisa que sinto vontade de fazer é pedir licença, levantar e ir cuidar de outras coisas, mas acabo sempre cedendo à vontade de tentar demonstrar que na vida as coisas não são como nossos desejos gostariam que fossem.
Um dos presentes, torcedor do ABC, mas tentando universalizar seu argumento, no intuito de torná-lo consistente, me saiu com essa:
- “Como o ABC e o América, podem encarar uma primeira divisão e ter sucesso, se sua parte no bolo se resume a meros 3 milhões, enquanto um Flamengo, um Vasco ou um Corinthians, recebem 23 ou 24 milhões (esses números são do meu amigo e não sei onde eles os conseguiu)”?
- Não podem, respondi.
Diante de resposta sincera, curta e grossa, ele ameaçou dizer alguma coisa, mas o interrompi e conclui:
- Não podem, assim como não podem o Stoke City da Inglaterra, o Sankt Pauli da Alemanha, o Lorient da França, o Cesena da Itália, o NAC Breda da Holanda, o Paços de Ferreira de Portugal e o Sporting de Gijón da Espanha...
- O principio que rege a divisão das cotas é o mesmo em todo o mundo... e, é assim, não por injustiça, maldade ou preconceito, mas por uma lei básica de mercado: quanto maior a procura, maior o preço e quanto menor a procura, menor o preço.
Diante de sua insistência em mudar no “grito” uma lei econômica universal, perguntei:
- Então, sua casa no Conjunto Alagamar, deveria ser avaliada pelo mesmo valor de uma casa no Bom Pastor?
Calou-se, mas rapidamente arrematou:
- “São coisas diferentes”!
- "Não dá para compara as duas coisas", disse ele...
- Como assim?
- Só porque você “mora no Corinthians”, te incomoda que o sujeito que “mora no Campinense”, ganhe na venda do seu imóvel o mesmo que você?
Como a situação estava enveredando para o terreno da disputa retórica, tentei mudar o foco e disse:
- Esse “não pode”, não significa que em algum momento, não aconteça... nada impede que por alguma razão fortuita, América, ABC ou qualquer outro, consigam montar ou revelar um grupo de jogadores tão bons, que acabem chegando ao título da Série A...
- “O Bahia, em 1959, conquistou uma Taça Brasil e o mesmo Bahia, levantou em 1988, a taça de Campeão Brasileiro, mas tal feito, sempre será uma exceção e não regra”.
Entretanto, por sorte, eu havia lido no site “Futebol Finance”, uma matéria que serviu para encerrar a discussão com um exemplo definitivo.
Na Espanha, dos 42 clubes da Liga Espanhola – Liga BBVA (primeira divisão) e Liga Adelante (segunda divisão), 30 chegaram a um acordo que prevê uma maneira de distribuir de forma mais equitativa, as receitas dos direitos de transmissão dos jogos...
A ideia é tornar menos profundo o fosso que separa os grandes dos pequenos, mas ainda assim, continuará havendo diferenças.
Na temporada passada – 2009/2010 –, o valor obtido pela venda dos direitos de transmissão da primeira e da segunda divisão, foi de 625 milhões de euros...
Deste valor, Real Madrid e Barcelona, embolsaram 22,5% cada um e, as equipes menores da primeira divisão, arrecadaram um pouco mais de 1,5%...
Este ano, depois de inúmeras reuniões, os clubes chegaram a um acordo, que mesmo não sendo unanime, trouxe um significativo avanço em relação à temporada passada...
Real Madrid e Barcelona aceitaram reduzir suas cotas de 22,5% para 17%... o que significou para ambos uma redução em sua arrecadação...
Na temporada 2009/2010, ambos receberam 280 milhões de euros e, este ano, 212,5 milhões de euros.
Atlético de Madrid e Valência que antes recebiam em conjunto, 13%, aceitaram reduzir sua cota para 11% e com isso, as equipes da segunda divisão, terão direito a 9% das receitas obtidas com a venda dos direitos de transmissão dos jogos do campeonato espanhol...
Porém, Zaragoza, Real Sociedad, Espanyol, Sevilha, Vilarreal e Athletic Bilbao, considerando os valores acordados insuficientes, não assinaram o acordo.
Sobre economia, Millôr Fernandes escreveu certa vez um texto em linguagem figurativa, bastante ilustrativo e que republico abaixo...
Por Millôr Fernandes:
Vi o milionário saltar da limusine, caminhar tranquilamente para dobrar a esquina e penetrar na mansão onde mora. Antes de dobrar, exatamente na dobra da esquina, e nas dobras da noite, lhe saiu um trintoitão na cara acompanhado da voz surda de um sujeito que ele mal viu por trás de galhos: "Passa tudo e não chia!"
Homem do mundo, acostumado aos azares e venturas da economia da vida, o rico banqueiro não se deixa assustar. Apenas aconselha: "Calma, amigo. Passo tudo e não chio, que não sou besta. E vou te dizer uma coisa, reconheço o teu valor - você faz o que pode para conseguir o que precisa.
Como me assalta deve saber quem sou, um banqueiro, um capitalista. Mas, curiosamente, não sabe quem é, pois aceita o vergonhoso epíteto de assaltante. E, no entanto, você é um capitalista igualzinho a mim. Só que, até agora, conseguiu capital apenas pra se estabelecer com um trinta e oito. Boa noite. Posso ir?
Um comentário:
“Como o ABC e o América, podem encarar uma primeira divisão e ter sucesso, se sua parte no bolo se resume a meros 3 milhões..."
O Absurso aí é: Como pode o ABC receber o mesmo valor que um time sem torcida, sem estádio e freguês do ABC?
rsrsrsrsrs
Abraço
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