Matéria do Jornal o Estado de São Paulo.
Nos anos 70, um ditado inglês
dizia que não havia nada mais perigoso que estar num estádio de futebol no
sábado pela noite.
40 anos depois, o ditado foi
radicalmente transformado: não há lugar mais seguro em Londres que um estádio
de futebol.
Contaminado pela violência
durante anos, o futebol europeu apenas se converteu em uma indústria bilionária
quando conseguiu controlar a violência.
Apesar de terem aprendido da
forma mais dura, cartolas do futebol, advogados e representantes de governos
europeus confessaram ao Estado que a experiência mostra que apenas uma reforma
completa do esporte, com pacotes de medidas, novas leis, novas estruturas de
estádios, novo relacionamento entre torcida e clube, um novo comportamento de
jogadores e técnicos e muito investimento conseguiram pacificar os estádios.
Estudos sociológicos consultados
pelo Estado revelam que a relação entre o futebol e a violência data ainda do
século XIII na Inglaterra, quando o que era considerado como o primo distante
do esporte não era nada mais que um enfrentamento entre jovens de vilarejos
rivais.
Em muitas ocasiões, chegavam a
ser palco de disputas entre feudos.
As frequentes mortes acabaram
fazendo os monarcas banirem o esporte por quase cinco séculos.
No futebol moderno, os distúrbios
atingiram seu ponto mais alto nos 70 e 80 no Reino Unido.
O fenômeno se espalharia e
estádios foram esvaziados.
O divisor de águas foi a tragédia
de Heysel, em 1985.
Numa final da Copa da Europa
entre Juventus e Liverpool, 39 torcedores italianos foram mortos.
O Conselho da Europa aprovou uma
convenção continental com medias concretas que governos deveriam seguir para
lidar com a situação.
Mas longe de tratar apenas de
punir os elementos violentos, o receituário foi amplo.
Desde então, clubes passaram a
ser em parte responsabilizados por seus torcedores, o que os forçou a fazer
parte da organização de viagens.
Outra medida foi redesenhar
estádios para separar torcidas rivais, mas também para retirar grades e
qualquer sinal de que torcedores estão presos.
Jan Wegmann, um dos maiores
especialistas em segurança de estádios e que prestou serviço para a Copa da
Alemanha, aponta que alta tecnologia já se mostrou mais eficiente que
incrementar de forma desproporcional o número de policiais em um jogo.
"Há alguns anos, os estádios
europeus ergueram grades para proteger os jogadores dos torcedores. Hoje, a
proteção começa com a venda nominal de ingressos pela internet, a chegada nos
aeroportos, monitoramento de vídeo e outras tecnologias."
A convenção ainda deu amplos
poderes para que as polícias nacionais cooperassem com a troca de informação,
operações camufladas em meio a torcidas e a presença de câmeras nos estádios
para identificar líderes de grupos violentos.
O Reino Unido acabou sendo um dos
líderes na implementação dessas leis.
Os ingleses chegaram a banir seus
cidadãos considerados como violentos de viajarem ao exterior a partir de 2000
para jogos, numa lei que na época foi polêmica.
Na Copa de 2010, 3 mil ingleses
foram impedidos de embarcar em voos para a África do Sul.
Em casa, tribunais passaram a ter
o direito de banir um torcedor apenas por sua "atitude violenta",
ainda que ele jamais tenha sido condenado.
Questionado inicialmente por
eventuais abusos de direitos humanos, a lei de 2000 pouco a pouco se mostrou
eficiente.
Prisões de torcedores caíram em
10% entre a introdução da lei e 2004, para cerca de 3,9 mil casos por ano.
Mais de 2,5 mil torcedores são
banidos dos estádios por ano, no mesmo momento que a média de público começou a
crescer e atingiu seu maior nível em 35 anos.
Mas o fim da violência no futebol
também custa caro.
Só no modesto campeonato suíço, a
federação local e o governo dividem uma conta de quase US$ 30 milhões por ano
apenas para o policiamento dos estádios.
As medidas punitivas não foram as
únicas utilizadas na Europa.
Na Alemanha, país com maior média
de público, treinadores e psicólogos foram contratados por clubes para orientar
suas torcidas sobre comportamentos em campo que poderiam ajudar a equipe.
Outra proposta é a de elevar o
número de mulheres nas arquibancadas.
"Não necessitamos de mais
policiais. Mas só de um número maior do público feminino", disse Harald
Lange, da Universidade de Wurzburg.
Mas nem tudo é simples.
Neste ano, políticos alertaram
que o número de incidentes violentos voltou a subir e propuseram um scanner
facial para identificar aqueles torcedores banidos dos estádios e que continuam
a encontrar uma forma de entrar nos campos.
Mas as entidades de torcedores
criticaram a proposta.
"Isso seria uma desgraça
para a democracia", disse Philipp Markhardt, da associação Pro-Fans.
"A tentativa de combater o
problema com mais controle e não lidando com a raiz do problema mostra que
nossos políticos estão longe de conhecer a realidade", disse.
"Isso é uma afronta às
liberdades civis", disse.
O presidente da Uefa, Michel
Platini, insiste que seja qual for o motivo da violência, ela precisa ser
controlada.
Um exemplo é a Itália, onde a
violência continua a fazer estádios vazios.
"A violência em campo, nos
estádios e nas ruas que levam aos estádios está envenenando o futebol",
disse. "A ameaça é séria e precisamos adotar tolerância zero."
Para ele, não cabe apenas à
polícia e federações lidar com o fenômeno e jogadores e técnicos precisam
também a ajudar a acalmar os ânimos de torcedores.
"O comportamento de alguns
jogadores é vergonhoso."
Não é por acaso a insistência de
Platini por acabar com a violência.
Em 1985, o francês era o capitão
da Juventus na final da Copa da Europa.
"As pessoas vieram me ver
jogar e nunca voltaram para casa."
Um comentário:
No Brasil falta inteligência nas poucas ações tomadas. Proibir bandeira, sinalizador, camisa de outros times, são medidas ridículas e ineficazes. Continuam achando que banir torcida organizada resolve. Em Natal as principais torcidas de abc e América já foram banidas algumas vezes. Mudam o nome e estão todos no estádio novamente.
O problema é que queimamos pólvora com ações isoladas e ineficientes.
Acabar com violência no futebol tem que ser política de Estado, com órgãos e polícias especializadas. Só assim teremos instrumentos adequados para acabar com esse problema.
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