sexta-feira, novembro 01, 2013

Seriedade, investimento e leis duras contra a violência...



 Matéria do Jornal o Estado de São Paulo.

Nos anos 70, um ditado inglês dizia que não havia nada mais perigoso que estar num estádio de futebol no sábado pela noite. 

40 anos depois, o ditado foi radicalmente transformado: não há lugar mais seguro em Londres que um estádio de futebol. 

Contaminado pela violência durante anos, o futebol europeu apenas se converteu em uma indústria bilionária quando conseguiu controlar a violência. 

Apesar de terem aprendido da forma mais dura, cartolas do futebol, advogados e representantes de governos europeus confessaram ao Estado que a experiência mostra que apenas uma reforma completa do esporte, com pacotes de medidas, novas leis, novas estruturas de estádios, novo relacionamento entre torcida e clube, um novo comportamento de jogadores e técnicos e muito investimento conseguiram pacificar os estádios.

Estudos sociológicos consultados pelo Estado revelam que a relação entre o futebol e a violência data ainda do século XIII na Inglaterra, quando o que era considerado como o primo distante do esporte não era nada mais que um enfrentamento entre jovens de vilarejos rivais.

Em muitas ocasiões, chegavam a ser palco de disputas entre feudos.

As frequentes mortes acabaram fazendo os monarcas banirem o esporte por quase cinco séculos.

No futebol moderno, os distúrbios atingiram seu ponto mais alto nos 70 e 80 no Reino Unido.

O fenômeno se espalharia e estádios foram esvaziados. 

O divisor de águas foi a tragédia de Heysel, em 1985. 

Numa final da Copa da Europa entre Juventus e Liverpool, 39 torcedores italianos foram mortos.

O Conselho da Europa aprovou uma convenção continental com medias concretas que governos deveriam seguir para lidar com a situação. 

Mas longe de tratar apenas de punir os elementos violentos, o receituário foi amplo. 

Desde então, clubes passaram a ser em parte responsabilizados por seus torcedores, o que os forçou a fazer parte da organização de viagens.

Outra medida foi redesenhar estádios para separar torcidas rivais, mas também para retirar grades e qualquer sinal de que torcedores estão presos. 

Jan Wegmann, um dos maiores especialistas em segurança de estádios e que prestou serviço para a Copa da Alemanha, aponta que alta tecnologia já se mostrou mais eficiente que incrementar de forma desproporcional o número de policiais em um jogo. 

"Há alguns anos, os estádios europeus ergueram grades para proteger os jogadores dos torcedores. Hoje, a proteção começa com a venda nominal de ingressos pela internet, a chegada nos aeroportos, monitoramento de vídeo e outras tecnologias."

A convenção ainda deu amplos poderes para que as polícias nacionais cooperassem com a troca de informação, operações camufladas em meio a torcidas e a presença de câmeras nos estádios para identificar líderes de grupos violentos.

O Reino Unido acabou sendo um dos líderes na implementação dessas leis. 

Os ingleses chegaram a banir seus cidadãos considerados como violentos de viajarem ao exterior a partir de 2000 para jogos, numa lei que na época foi polêmica. 

Na Copa de 2010, 3 mil ingleses foram impedidos de embarcar em voos para a África do Sul. 

Em casa, tribunais passaram a ter o direito de banir um torcedor apenas por sua "atitude violenta", ainda que ele jamais tenha sido condenado.

Questionado inicialmente por eventuais abusos de direitos humanos, a lei de 2000 pouco a pouco se mostrou eficiente. 

Prisões de torcedores caíram em 10% entre a introdução da lei e 2004, para cerca de 3,9 mil casos por ano. 

Mais de 2,5 mil torcedores são banidos dos estádios por ano, no mesmo momento que a média de público começou a crescer e atingiu seu maior nível em 35 anos. 

Mas o fim da violência no futebol também custa caro. 

Só no modesto campeonato suíço, a federação local e o governo dividem uma conta de quase US$ 30 milhões por ano apenas para o policiamento dos estádios.

As medidas punitivas não foram as únicas utilizadas na Europa. 

Na Alemanha, país com maior média de público, treinadores e psicólogos foram contratados por clubes para orientar suas torcidas sobre comportamentos em campo que poderiam ajudar a equipe. 

Outra proposta é a de elevar o número de mulheres nas arquibancadas. 

"Não necessitamos de mais policiais. Mas só de um número maior do público feminino", disse Harald Lange, da Universidade de Wurzburg.

Mas nem tudo é simples. 

Neste ano, políticos alertaram que o número de incidentes violentos voltou a subir e propuseram um scanner facial para identificar aqueles torcedores banidos dos estádios e que continuam a encontrar uma forma de entrar nos campos.

Mas as entidades de torcedores criticaram a proposta. 

"Isso seria uma desgraça para a democracia", disse Philipp Markhardt, da associação Pro-Fans.

"A tentativa de combater o problema com mais controle e não lidando com a raiz do problema mostra que nossos políticos estão longe de conhecer a realidade", disse. 

"Isso é uma afronta às liberdades civis", disse.

O presidente da Uefa, Michel Platini, insiste que seja qual for o motivo da violência, ela precisa ser controlada. 

Um exemplo é a Itália, onde a violência continua a fazer estádios vazios. 

"A violência em campo, nos estádios e nas ruas que levam aos estádios está envenenando o futebol", disse. "A ameaça é séria e precisamos adotar tolerância zero." 

Para ele, não cabe apenas à polícia e federações lidar com o fenômeno e jogadores e técnicos precisam também a ajudar a acalmar os ânimos de torcedores. 

"O comportamento de alguns jogadores é vergonhoso." 

Não é por acaso a insistência de Platini por acabar com a violência. 

Em 1985, o francês era o capitão da Juventus na final da Copa da Europa. 

"As pessoas vieram me ver jogar e nunca voltaram para casa." 

Um comentário:

Henrique Jordon disse...

No Brasil falta inteligência nas poucas ações tomadas. Proibir bandeira, sinalizador, camisa de outros times, são medidas ridículas e ineficazes. Continuam achando que banir torcida organizada resolve. Em Natal as principais torcidas de abc e América já foram banidas algumas vezes. Mudam o nome e estão todos no estádio novamente.
O problema é que queimamos pólvora com ações isoladas e ineficientes.
Acabar com violência no futebol tem que ser política de Estado, com órgãos e polícias especializadas. Só assim teremos instrumentos adequados para acabar com esse problema.