quarta-feira, dezembro 06, 2006

Sobre um jovem que ainda acredita na paz...
Tenho um leitor no distante oriente médio, mas precisamente em Israel, ele é jovem e se chama Aaron Schain, seus amigos o chamam de Leco e é assim que vou chamá-lo, pois mesmo sem nos conhecermos pessoalmente, o tempo, os e-mails e alguns pontos convergentes me levaram a considerá-lo um amigo. Hoje recebi um e-mail do meu jovem leitor, um e-mail grande, cheio de comentários interessantes e lúcidos, eu diria um e-mail atípico, em se tratando de um moço de uma geração tão pouco afeita a livros, tão mais envolvida com o fútil e o inútil... Fiquei feliz, afinal, nada é mais agradável do que encontrar um jovem inteligente e capaz de interpretar tão bem o mundo que o cerca, mas não fiquei surpreso, pois Leco deixa transparecer o meio em que foi criado, deixa transparecer quem são seus pais e o quanto, investiram no filho. Mas vamos ao e-mail... Leco me conta sobre o futebol de Israel, fala de sua tristeza pelo rebaixamento do seu clube o Hapoel Haifa e diz que tanto lá quanto cá, os dirigentes, também cometem desatinos. Lembra do seu clube de coração no Brasil, o Atlético Paranaense e mostra toda sua felicidade, pelo fato do América, ter ajudado na permanência do Coritiba na segunda divisão (nisso ele é igual a qualquer torcedor)... Fala da sua tristeza sobre a onda racista que varre a Europa, aliás, ele sabe bem do que fala, pois como judeu, carrega a dor e as marcas de séculos e séculos de perseguições. Na sua revolta, Leco demonstra a nobreza de seu caráter, poderia ter sido miúdo, poderia choramingar por ser o povo judeu a vítima. Mas Leco lembra que o radicalismo não se contenta apenas com o sangue de alguns. Hoje são os judeus, amanhã, serão os eslovacos, os polacos, os latinos, os negros ou qualquer outro que possa sangrar para o deleite de seus detratores. Esse jovem se torna grande quando diferencia os palestinos dos radicais que os manobram, se torna grande quando reconhece que o radicalismo, gera radicalismo. E fica ainda maior, quando fala em viver em paz ao lado de quem facilmente poderia odiar. Talvez o leitor que pacientemente tenha chegado até aqui, acabe perguntando: O que isso tem haver afinal com um blog sobre futebol e esporte? Respondo... Tudo! Nós no Rio Grande do Norte, não temos a mínima idéia do venha ser ódio racial, não conseguiríamos nem de longe imaginar o que venha a ser a intolerância de grupos assim e talvez por isso, sejamos tão permissivos com gritos vindos da torcida do América, qualificando os torcedores do ABC de “mundiça” (corruptela da palavra imundice). Assim como não nos importamos quando os torcedores do ABC, devolvem o insulto, chamando os americanos de “paquitas” (efeminados)... Achamos engraçado, quando dirigentes de ambos os lados, trocam baboseiras de parte a parte, quando se dirigem ao adversário como “o time de vermelho” ou “funerária”, frases que podem a princípio parecer irrelevantes e sem maiores conseqüências, mas que ao chegarem em cérebros menos consistentes, se transformam na centelha que incendeia e move a massa bruta na direção da violência. Por isso escrevi esse texto, escrevi para mostrar, que ainda é possível encontrar moços capazes de diferenciar o justo do injusto, capazes de torcer por seu clube, viver sob o medo constante de um ataque inesperado e ainda assim, crer na paz e repudiar o ódio... Esse é Leco, meu distante e desconhecido leitor, um menino, que por saber o que é um pogrom, um campo de concentração e o verdadeiro significado por trás da ingênua frase... Arbeit macht frei (“o trabalho liberta”), fala de futebol com paixão, mas com respeito ao direito do outro ser torcedor de quem quiser.

Um comentário:

Álvaro Borges disse...

Muito bom seu blog, Fernando!

òtimo texto, porém fiqui um pouco surpreso ao ver a correlação, por menor que seja, das adversidade entre Abcdistas e americanos com os sofrimentos passados por esse jovem. As ofensas e discursos contra a torcida adversária nada mais são do que uma espécie de combustível para o futebol local. Note que em cada Estado temos entre dois e quatro times grandes, onde suas torcidas são adversárias. A rivalidade que nasce desses conflitos são responsáveis pela necessidade de demonstração de amor da torcida pelo seu clube, o que só o engrandece. No sábado da promoção do América a série "A" havia um jogo do ABC no futsal. Estufei o peito e decidi que, apesar de triste com o abismo que se abriu entre os dois, eu tinha que ir lá ver uma vitória do meu time. Pensei que ninguém iria, mas me surpreendi ao ver muitos abcdistas lá, mesmo suportando as buzinas e as músicas do lado de fora. Não menos surpreendente foram as músicas cantadas pela torcida que ofendiam aos americanos (que nada tinham a ver com o jogo em si). Se não houvesse essa rivalidade, ninguém iria assitir o jogo do ABC. Temos constantemente que provar que temos a maior torcida. Apelidos como Paquitas e mundiça são até certo ponto naturais (e como tais, são vistas aos montes nos urubus e pós-de-arroz dos outros estados). Lógico que há sempre um que se ofende. Há sempre uma morte devido a essa insanidade que se chama torcida organizada. Mas, ou existem apelidos e provocações, ou não existe a rivalidade, alimento do futebol que, afinal, nada mais é do que PAIXÃO, não concorda?

abr@ços