terça-feira, março 04, 2008

Uma torcida e dois mundos (Transcrito do blog do Vitor Birner - www.blogdobirner.net)






Escrito por Xico Malta.




Acredito que não exista em nenhuma outra competição esportiva, tamanha violência entre seus espectadores, como no futebol. Não tenho competência para tratar desse assunto do ponto de vista sociológico e/ou psicológico, há especialistas gabaritados que já dissecaram o assunto. Há quem defenda a idéia de jogos com torcedores de uma única equipe no estádio.
Mas a medida é inócua no maior time da cidade luz, o Paris Saint Germain.
Nas tribunas localizadas a direita do célebre estádio de Paris, o Parcs des Princes, fica a curva Boulogne, lugar tradicional dos torcedores parisienses. Em cima, na mesma curva, as torcidas organizadas, Boulogne Boys e a seção R2, aquela dos neonazistas, praticantes da saudação fascista e dos gritos de macacos quando um jogador negro toca a bola. “Boulogne é uma curva solidária e unida, explica um torcedor, somos uma verdadeira família”. A xenofobia dos ultras de Boulogne é escancarada com os gritos de “Sales árabes” e “Sales noirs” (árabes sujos, negros sujos). Por conta do racismo explícito, os torcedores insultados são “convidados”, pelos funcionários do próprio PSG, a se sentaram em outros setores do estádio, como medida de segurança.
Do outro lado do gramado, fica a curva “Auteuil”, composta em sua grande maioria por filhos de imigrantes magrebinos e da áfrica subsaariana, com uma cara já bem mais cosmopolita e com comportamento típico de jovens da periferia parisiense. Na curva Auteuil, a torcida organizada de maior prestigio era a “Tigris Mystics”, criada em 1993 e dissolvida em julho de 2006. Essa torcida ocupava toda a parte de baixo da curva Auteuil, com seus 400 membros.
Boulogne contra Auteuil, rivalidade entre torcedores da mesma equipe mais não do mesmo mundo. “No começo, os torcedores do PSG, eram formados por uma população de maioria branca, de forte tendência de extrema-direita, que consideravam Boulogne como um território livre”, explica o sociólogo francês Patrick Mignon. “Diante desse fato, os ultras da curva Auteuil mostraram aos poucos que torcedores multiculturais também podiam torcer pelo maior time da cidade” prossegue o sociólogo, em entrevista ao jornal Libération.
E de fato, a periferia parisiense começou aos poucos a mostrar a sua cara nos jogos do PSG. Assim começou a grande rivalidade entre as curvas. O estopim das brigas foi a provocação dos Tigris ao exibir uma faixa no estádio pelo seu 10 aniversario, em 2003, com o seguinte slogan desafiador: O amanhã nos pertence!
A partir daí, não houve mais sossego nos jogos do PSG. Inúmeros conflitos fora e dentro do estádio eclodiram entre os ultras de ambas as curvas.
Em setembro de 2005, na cidade de Le Mans, brigas entre os Boulogne Boys e os Tigris Mystics deixaram um torcedor gravemente ferido.
Dois meses depois, em novembro de 2005, em Auxerre, novos confrontos ocasionaram uma dezena de feridos. O Ministério do Interior da França, por intermédio do seu então ministro Nicolas Sarkozy, interveio ameaçando dissolver ambas as torcidas. Os dirigentes do PSG tentaram fazer a sua parte ao convocar uma reunião com todas as torcidas organizadas do clube.
No entanto, em meados de janeiro de 2006, na cidade de Lens, num jogo pela Copa da França, o ônibus dos Tigris foi atacado pelos torcedores independentes de Boulogne e todo o material dos Tigris foi destruído.
Além disso, no final da temporada 2005-2006, no caminho de Nantes, centenas de ultras dos Tigris Mystics atacaram uma dezena de ultras do Boulogne. Algumas semanas mais tarde, cansados e derrotados, os Tigris Mystics anunciaram a sua dissolução.
Apesar de todos esses acontecimentos, o racismo e a xenofobia persistem ainda hoje nos jogos do PSG.

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