Vida de jogador que quer estudar
não é fácil.
Eles sofrem até bullying
Luiza Oliveira
Do UOL, em São Paulo
Estudo e esporte são instrumentos
fundamentais para a formação de todo cidadão.
Mas entre os jogadores de
futebol, ao menos no Brasil, os dois andam bem separados.
São raros os casos de atletas que
têm interesse e condições de investir na formação escolar e chegam a fazer um
curso superior.
Os que se desdobram para concluir
a graduação, ainda encontram muitas dificuldades e sofrem até bullying dos
colegas.
A árdua rotina de treinos e jogos
costuma ser o maior vilão dos jogadores estudantes.
Quem ainda insiste em investir
nos livros e cadernos, enfrenta uma rotina diária de três turnos em que é
preciso conciliar treinos, aulas e trabalhos escolares, além de driblar sono e
o cansaço.
O goleiro Victor, do Atlético-MG,
representa esta pequena parcela de atletas de ponta que completaram o ensino
superior.
Ele começou a cursar Educação
Física ainda quando estava na categoria Sub-20 do Paulista.
O goleiro foi emprestado ao
Ituano e precisou trancar o curso, mas conseguiu terminar a graduação quando
voltou ao clube de Jundiaí.
"Atuando e viajando para jogos é difícil conciliar, é complicado
porque você viaja muito e, às vezes, você acaba perdendo as aulas. Sempre tive
também o apoio do pessoal do Paulista na minha época, o meu treinador no
profissional do Paulista era o Vagner Mancini, ele sempre me incentivou. Em
algumas oportunidades, ele me liberava por algumas horas da concentração para
que eu pudesse ir para a faculdade. Então com uma certa dificuldade eu consegui
conciliar. É um diferencial, algo importante que eu tenho no meu
currículo", disse ao UOL Esporte.
Outros atletas também viveram as
dificuldades encontradas por Victor.
O zagueiro Hugo Gomes hoje está
emprestado ao Mallorca, mas jogou nas categorias de base no São Paulo.
O Tricolor do Morumbi incentiva
seus atletas a estudar e até arca com os custos da faculdade. Ainda assim,
poucos têm interesse em seguir adiante.
Hugo foi o primeiro atleta da
base do clube a se formar em Educação Física e hoje vê o quanto o estudo foi
importante em sua vida.
Mas admite que não foi fácil.
"Eu fiquei um pouco fora do padrão. Todo mundo queria terminar o
ensino médio para se dedicar só ao futebol, não aguentavam mais, e eu continuei
estudando. No primeiro ano eu era o único do clube que estudava. Nos três anos
seguintes, vinham matérias mais complexas na faculdade e eu já estava no júnior
indo para o profissional. Por mais que eu tenha conseguido, passei noites
estudando, fazendo trabalho em estádio e treinava de manhã, chega uma hora que
é puxado. Querendo ou não teve uma questão de sorte também. Eu poderia ter
sofrido com lesões por não descansar, o horário que eu tinha para descansar eu
estava na faculdade".
A dificuldade para estudar não se
restringe à rotina.
Como são minoria, alguns atletas
enfrentaram até a zoação dos colegas.
O goleiro Dauberson, que disputou
a Copa SP pelo Cruzeiro e hoje está emprestado ao Boa Esporte-MG, optou por um
curso bem diferente de sua profissão.
Ele cursa Engenharia de Produção
e se prepara para entrar no mercado, caso um dia deixe o futebol.
Em sua visão, os jogadores, de
uma forma geral, não veem no estudo um instrumento de transformação de vida
porque acham que vão garantir o futuro apenas com a bola.
Assim, a dedicação aos livros não
é importante.
Dauberson acredita que apenas os
atletas que têm muita consciência e que contam com o apoio da família seguem
adiante.
"Alguns (colegas) apoiam bastante, mas outros acham que eu estou
errado. Eles não pretendem estudar, falam que estudar é coisa para burro.
Fizeram só até a sexta ou sétima série e acham que estão garantidos no futebol,
que vão ser grandes jogadores e ponto. Acham que são mais espertos porque vão
se dar bem mesmo sem estudar. E isso vem de anos, desde lá atrás, grandes
jogadores não são formados e ganharam dinheiro. Então eles acham que não
precisam estudar, que vão ganhar muito dinheiro. Para mudar isso hoje é
difícil".
No Cruzeiro, outros atletas
também se viram para fazer cursos sem qualquer relação com o futebol.
O atacante Victor Crispim e o
goleiro João Victor Bravin passaram recentemente no vestibular de direito e
psicologia, respectivamente, e ainda não sabem se vão conseguir cursar por
causa da agenda.
"Se a gente tem tempo para jogar bola, que é o que a gente sonha,
para o plano B também tem que ter um tempinho. Então, é sempre importante focar
nos estudos. A gente procura ficar com essa galera que gosta de ler e dormir
cedo", conta João Victor.
Ainda que exija um esforço extra,
o curso superior pode trazer muito mais benefícios do que a maioria acredita.
Hugo Gomes conta que a Educação
Física ampliou seus conhecimentos para muito além do campo e bola.
Hoje, ele compreende um treino ou
uma instrução do preparador físico com muito mais clareza.
"A faculdade de Educação Física abre a mente além do futebol. Você
começa a conhecer o seu corpo, a sua musculatura, a sua alimentação, o que
influencia. Se os atletas soubessem o quanto ajuda em questão de conhecimento,
as funções de cada alimento, o que a proteína oferece para o músculo, o quanto
o carboidrato é importante. O preparador passa um trabalho e eu questiono os
métodos dele. Não é só chutar uma bola, abre o leque do que é o esporte para
desempenhar da melhor maneira".
Também atleta do São Paulo, o
volante Felipe Araruna concilia os treinos e jogos com o curso de Administração
de Empresas na tradicional Faap, em São Paulo.
E só vê benefícios.
"É bom porque sempre tenho um dia cheio. Não me incomodo e não me
atrapalha, só ajuda. Ao invés de ficar com a cabeça muito aqui dentro, no mesmo
lugar sempre e conversando com as mesmas pessoas, eu aprendo um negócio novo.
Faço novos amigos, isso que é o diferencial".
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