Não conheço,
mas já vi! #8
O Millwall e
sua imagem atrelada ao hooliganismo.
Por Dyego
Lima/Universidade do Esporte
Para qualquer
conhecedor do futebol, em especial da bola jogada na terra da Rainha, é difícil
ver esse escudo e, automaticamente, não o relacionar a cenas de socos, chutes e
pancadaria.
Podendo ser
considerado uma espécie de "pai" do hooliganismo na Inglaterra, o
Millwall tem lutado muito ao longo dos anos para se dissociar dessa fama de "time
de brigões".
Contudo, o
profundo entendedor sabe que o clube vai muito além disso.
Fundado no
longínquo ano de 1885, o Millwall é oriundo de Bermondsey, distrito localizado
no sudeste de Londres.
Criado com
Rovers como segundo nome, o clube manteve sua nomenclatura, mesmo tendo
disputado sua última partida na região de Millwall em 1910, numa área conhecida
como Isle of Dogs - em português, Ilha dos Cães.
Em suas 92
temporadas até hoje nas divisões inglesas, de 1920/21 até 2018/19, a equipe
obteve onze acessos, sendo cinco como campeão, e nove rebaixamentos.
Na maior
parte de sua existência, alternou entre a segunda e terceira divisões.
De 1910 até
1993, o time jogou no que hoje é chamado de The Old Den, no bairro de New
Cross, antes de se mudar para a sua atual casa, The New Den, ou simplesmente,
The Den.
Inaugurado no
dia 04 de agosto de 93, com derrota do Millwall por 2 a 1 para o Sporting
Lisboa num amistoso, o estádio possui capacidade para 20.146 torcedores.
O palco foi o
primeiro da Inglaterra a cumprir os requisitos do Relatório Taylor, responsável
por determinar medidas de segurança para prevenir tragédias similares ao
desastre de Hillsborough.
Além da
instalação de assentos e a ausência de alambrados, as laterais do campo são
abertas para facilitar uma eventual entrada de viaturas policiais.
Anteriormente
apelidado de The Dockers, em alusão ao trabalho de seus torcedores nas docas
nos anos 1900, o clube adotou o termo The Lions por conta da imprensa inglesa.
Ela chamou o
time de Lions of the South após o Millwall eliminar da FA Cup de 1899/1900 o
Aston Villa, então líder da Liga.
Sua torcida
possui um canto característico, talvez a principal canção da equipe: "No
one likes us, we don't care". No português, "Ninguém gosta da gente,
nós não ligamos".
A rivalidade
entre Millwall e West Ham é uma das mais antigas e violentas da Inglaterra, que
foi acentuada com o surgimento do movimento hooligan no país.
Com os clubes
constantemente em diferentes divisões, a maioria dos duelos aconteceram nas
Copas nacionais, e antes da Primeira Guerra Mundial.
Ao todo, são
99 partidas desde o primeiro encontro em 1899.
O Millwall
venceu 38, contra 34 triunfos do West Ham, além de 27 empates.
No filme
Green Street Hooligans, lançado em 2005, e que chegou ao Brasil com o simples
nome de Hooligans, o nobre leitor pode conferir um pouco do que o confronto
significava para ambas as torcidas.
O longa traz
o ator Elijah Wood no papel principal.
A película é
apenas um dos vários exemplos de como a imagem do Millwall está fortemente
atrelada à violência dentro e fora dos estádios em dias de jogos, que datam
desde antes da década de 1960, quando o hooliganismo começou, de fato, na
Inglaterra, e que acabou afetando drasticamente as médias de público no país.
Ao longo dos
anos, o clube sofreu diversas punições por conta de seus torcedores.
Ultras e
jogadores rivais, e até mesmo árbitros já sofreram por conta da Millwall
Bushwackers, principal organização hooligan do time.
Para
evidenciar isso, cabe citar o caso em que os hooligans do Millwall, juntamente
com outros baderneiros, quase foram responsáveis por um chefe de Estado passar
a mandar no futebol do país.
Margareth
Thatcher, que já não via o esporte com bons olhos, quase assumiu seu controle
depois de um episódio ocorrido em 13 de março de 1985.
Numa partida
de quartas de final da FA Cup, uma briga entre os ultras do Luton Town,
reforçados pelas firmas de West Ham e Chelsea, e a torcida do Millwall, deixou
81 feridos.
O confronto
começou nas arquibancadas do Kenilworth Road, adentrou o gramado e chegou às
ruas ao redor do estádio.
Socos eram
distribuídos e objetos, arremessados.
Um policial
foi atingido com um bloco de concreto na cabeça e quase morreu.
Após o
incidente, a Dama de Ferro se reuniu com os dirigentes da Federação, e por meio
de uma série de exigências, passou a interferir nos direitos civis dos
presentes em estádios do país.
A voz de
controle de Thatcher sobre o futebol local ganhou ainda mais força após
episódios subsequentes a esse em Luton.
Um incêndio
na casa do Bradford matou 56 pessoas.
Após briga,
uma parede caiu e matou um jovem de 15 anos em Birmingham.
O desastre de
Heysel matou 39 pessoas na final da Champions de 1985.
Por fim, a tragédia
de Hillsborough, em 1989, que vitimou 96 indivíduos, feriu outros 700, e que
foi o estopim para o governo britânico.
Foi no mesmo
ano de 1985, centenário do clube, que o Millwall tomou uma atitude para tentar
mudar sua imagem.
A equipe
fundou a Millwall Community Trust (MCT). Ela oferece projetos esportivos,
educacionais e de caridade.
É uma maneira
de a instituição ajudar a retirar jovens das ruas e impedir que eles entrem
para o mundo do crime.
O Início
O clube foi
fundado por trabalhadores da fábrica de alimentos conservados J.T. Morton.
Inaugurada no
ano de 1849 em Aberdeen, na Escócia, a empresa abriu uma filial nas docas de
Millwall em 1872, atraindo força de trabalho de vários lugares do continente,
principalmente de Dundee.
O primeiro
secretário da equipe foi Jason Sexton, de 17 anos, que era filho do
proprietário do pub The Islander, na Tooke Street, onde o clube realizava suas
reuniões.
A primeira
partida do time foi em um terreno baldio na Glengall Road, no dia 03 de outubro
de 1885.
Derrota por 5
a 0 para o Fillebrook, do distrito de Leytonstone.
Em novembro
de 1886, a East End Football Association foi formada, surgindo, assim, a
primeira competição daquela região: a Senior Cup.
No ano
inaugural, o Millwall fez a final contra o London Caledonians.
Após empate
por 2 a 2, os clubes concordaram em dividir o título.
Cada equipe
ficou de posse do troféu por seis meses.
Em abril de
1889, após se mudar para sua nova casa, The Athletic Grounds, o clube alterou
seu nome de Rovers para Athletic.
Lá, acabaram
fundando a Southern Football League, da qual foram vencedores nos dois
primeiros anos, e vice no terceiro.
Em 1901,
quando a Millwall Dock Company decidiu usar suas terras como um pátio para
depósito de madeira, a equipe teve de partir para um terreno em North
Greenwich.
Os primeiros
lampejos de sucesso
Resultados
satisfatórios em nível nacional começaram a chegar.
Nos anos de
1900 e 1903, o clube alcançou as semifinais da FA Cup, sendo eliminado por
Southampton e Derby County, respectivamente.
Em 10 de
outubro de 1910, os Leões jogaram sua última partida como um time do Leste de
Londres.
Sob os
olhares de 3 mil torcedores, venceram o Arsenal por 1 a 0, em duelo válido pela
London Challenge Cup.
Após o
confronto, a equipe se mudou para The Old Den, em New Cross, no Sul londrino.
Já sem
Athletic no nome, o Millwall foi convidado pela Liga Inglesa a fazer parte,
junto de outros 22 clubes, da nova 3° divisão do país na temporada 1920/21.
Convite
aceito, sua primeira partida foi no dia 28 de agosto.
Vitória por 2
a 0 ante o Bristol Rovers.
A partir da
metade da década, a equipe atingiu um ponto de sucesso.
Na temporada
1925/26, passou onze jogos seguidos sem sofrer gols, um recorde da Liga até
ali, junto de York City e Reading.
Também se
tornou um duro combatente nas Copas.
Em 1926/27,
eliminou da FA Cup, o tricampeão Huddersfield Town, uma das potências do país.
Na temporada
seguinte, venceu a 3° divisão-Sul marcando 87 gols como mandante, recorde que
permanece até hoje.
Pela FA Cup
de 1937, o duelo de 5° rodada contra o Derby County estabeleceu o recorde de
público do The Old Den: 48.762 presentes.
O Millwall
alcançaria as semifinais pela terceira vez, sendo eliminado pelo Sunderland.
Muito próximo
de alcançar a elite do país, a equipe teve o sonho interrompido em 1939, por
conta da Segunda Guerra Mundial.
A
grande crise
A perda de
muito atletas durante a Grande Guerra fez o Millwall sair do status de uma das
grandes forças do país no pré-guerra, para uma das mais fracas no pós-conflito.
Em abril de
1943, The Old Den foi atingido por uma bomba e teve um de seus lances de
arquibancadas destruídos.
O time
precisou mandar seus jogos nos estádios dos rivais até fevereiro de 1944.
O clube
acabou rebaixado em 1948, muito por conta das dificuldades financeiras.
Em 1958, a quarta
divisão foi criada para acabar com a regionalização Norte-Sul da terceirona.
Com isso, o
Millwall caiu.
Porém, com a
ajuda de 23 gols de Peter Burridge e 22 de Dave Jones, a equipe foi campeã em
1962.
Acabaram
rebaixados na temporada seguinte, mas graças a um vice-campeonato, os Leões
retornaram para a terceira já em 65.
Foi a última
vez que o time jogou o quarto nível do futebol inglês.
Nova era
De agosto de
1964 até janeiro de 67, o Millwall estabeleceu o recorde de 59 jogos invicto
como mandante.
O clube
enfrentou 55 adversários diferentes, não levou gols em 35 partidas, marcou 112
e concedeu apenas 33.
Alguns nomes
responsáveis por esse feito receberam um isqueiro de ouro comemorativo da
Football Association.
A marca seria
quebrada pelo Liverpool: 63 partidas sem derrotas entre 1978 e 1981.
No início da
década de 1970, Bryan King, Harry Crips, Derek Posee, Eamon Dunphy e Barry
Kitchner formaram a lembrada Classe de 71 do Millwall.
Por apenas um
ponto, acabaram perdendo uma das vagas de acesso à primeira divisão.
O clube se
tornou o único a possuir uma temporada completa sem perder como mandante na
quarta, terceira e segunda divisões.
Os Leões
alcançaram as quartas de final da Copa da Liga Inglesa em 1974 e 77, mas caíram
para Norwich e Aston Villa, respectivamente.
George Graham
assumiu o comando técnico da equipe em 1983, permanecendo até 86.
Durante esse
período, conduziu o time ao título da Football League Group Cup de 1982/83, um
torneio entre clubes ingleses e escoceses.
Na final,
vitória por 3 a 2 sobre o Lincoln City.
Na época 1984/85,
o Millwall conseguiu o acesso para a segunda divisão, tendo mais uma temporada
sem derrotas em casa: 18 vitórias e cinco empates.
Na FA Cup,
eliminação para o Luton Town, da primeira divisão, no confronto que gerou a
confusão já citada anteriormente.
Após a saída
de Graham, John Docherty assumiu.
Em sua
segunda temporada no comando, o clube foi campeão da segundona, chegando à
elite pela primeira vez em sua história.
Com o bom
início na temporada 1988/89, o Millwall liderou a Liga após os seis primeiros
jogos, com quatro vitórias e dois empates.
Conseguiu
ficar entre os cinco primeiros após a rodada final antes do Natal.
Isso tudo
muito por conta da dupla Tony Cascarino e Teddy Sheringham, que marcaram 99
gols em três temporadas juntos.
A equipe
terminou no 10° lugar, sua pior colocação ao longo de todo o campeonato, e
melhor participação do clube na primeira divisão até hoje.
Na época
seguinte, acabaram rebaixados na última colocação, com apenas cinco vitórias em
38 partidas.
O período
do "quase"
Para a
segunda divisão, Docherty foi demitido.
Bruce Rioch
assumiu.
Sheringham
foi vendido ao Nottingham Forest por 2 milhões de libras durante os play-offs
de acesso. Resultado: eliminação.
Em 1993/94,
já com Mick McCarthy como treinador, o Millwall terminou em 3°, mas sem o
acesso.
Era sua
primeira temporada no The Den, sua nova casa.
Em 94/95, os
Leões eliminaram o Arsenal e o Chelsea da FA Cup, caindo só na quinta rodada
para o Queens Park Rangers.
Na Copa da
Liga, eliminação nas quartas para o Swindon Town.
Na 2°
divisão, derrota para o Derby County nos play-offs de acesso à Premier League.
Na temporada
seguinte, o clube chegou a liderar a segundona, mas cinco meses depois, dado os
problemas financeiros, acabou sendo rebaixado.
Theo
Paphitis, novo presidente do time, nomeou o ex-técnico do West Ham, Billy
Bonds, como novo contratado.
A equipe
beirou o rebaixamento na temporada 97/98.
Porém, em 99,
com a demissão de Bonds e a chegada de Keith Stevens, o Millwall se reergueu e
fez sua primeira aparição em Wembley, pela final da Football League Trophy, uma
Copa entre os times da terceira e quarta divisões.
Entretanto,
derrota por 1 a 0 para o Wigan e o vice-campeonato.
Mais
um troféu
Em setembro
de 2000, o clube anunciou Mark McGhee como novo técnico.
Oito meses
depois, o Millwall foi campeão com 93 pontos, recorde da instituição, e
conseguiu, enfim, retornar à segunda divisão depois de cinco anos.
Na temporada
seguinte, nos play-offs que garantiriam o vencedor da última vaga para a
Premier League, a equipe acabou derrotada pelo Birmingham na semifinal, que
conquistaria o acesso, pelo placar de 2 a 1.
Para a época
2003/04, McGhee foi demitido. Dennis Wise, ex-Chelsea e Seleção Inglesa,
assumiu as funções de jogador-treinador.
Para surpresa
geral, ele liderou o time à sua primeira final de FA Cup na história, sendo o
primeiro clube de fora da elite a conseguir o feito desde 1982.
Em duelo foi
disputado no dia 22 de maio de 2004, no Millenium Stadium, em Cardiff, e os
Leões foram derrotados pelo Manchester United por 3 a 0.
No entanto,
como os campeões já haviam assegurado a sua participação na próxima Champions
League, o Millwall ficou com uma das vagas do país na Copa da Uefa.
Eles seriam
eliminados pelo Ferencváros, da Hungria, logo na 1° rodada, pelo placar
agregado de 4 a 2.
Dennis Wise
marcou ambos os gols.
Nova
turbulência
2005/06 foi
duro para o clube.
Wise deixou o
clube porque, segundo ele, não estava conseguindo se entender com Jeff Burnige,
novo dirigente contratado pelo Millwall.
Ao longo da
temporada, a equipe passou pelas mãos de quatro técnicos.
Os treze gols
anotados em casa se tornaram a segunda pior marca na história da Liga.
O
rebaixamento para a terceirona foi confirmado em 17 de abril de 2006, após
derrota por 2 a 0 para o Southampton.
O clube
passou por maus bocados.
Theo Paphitis
encerrou seu vínculo de nove anos como diretor.
Apesar do
investimento de 5 milhões de libras em 2007, a equipe continuava batendo na
trave com relação ao acesso.
Foi somente
em 2010, após quatro anos de ausência, que o time conseguiu retornar à segunda
divisão.
Nos
play-offs, vitória por 1 a 0 contra o Swindon
História
recente
A temporada
2012–13 começou empolgante na Liga.
Uma
invencibilidade de 13 jogos fez o clube flertar com a zona de play-offs.
Porém, o fim
foi bem abaixo.
Apenas cinco
vitórias nos últimos 23 jogos fizeram o Millwall escapar do rebaixamento por
pouco.
Curiosamente,
o mau desempenho na Liga coincidiu com o time nas semifinais da FA Cup pela 5°
vez.
Em 14 de
abril de 2013, em Wembley, acabou derrotado pelo Wigan, que seria campeão após
derrotar o Manchester City na final.
E é
justamente nesta Copa que o Millwall escreve suas melhores histórias.
Na temporada
2016/17, alcançou as quartas de final pela 10° vez.
E deixando
clubes da Premier League para trás em três fases consecutivas: Bournemouth na
3° rodada, Watford e Leicester nas seguintes, sendo eliminado pelo Tottenham
com um sonoro 6 a 0.
Em 28 de
fevereiro de 2017, uma vitória por 1 a 0 sobre o Peterborough United fez o
Millwall aumentar para 16 jogos a sua série invicta em todas as competições.
Além disso,
nove jogos seguidos sem sofrer gols pela primeira vez desde 1925/26.
Após bater o Scunthorpe
United por 3 a 2, os Leões chegaram aos play-offs em Wembley.
O acesso à
segunda divisão veio depois do triunfo por 1 a 0 sobre o Bradford City.
Na Liga de
2017/18, apesar do oitavo lugar, os Leões conseguiram uma série invicta de 17
jogos, a mais longa do clube na Championship, superando os 15 de 1971.
Já na FA Cup
2018/19, novamente alcançaram as quartas, sendo eliminados pelo Brighton &
Hove Albion.
Contudo, ao
despachar o Everton na fase anterior, o Millwall igualou o recorde do
Southampton no "assassinato" de gigantes na competição.
Não fazendo
parte da Premier League, eliminaram 25 adversários que estavam na elite do
futebol inglês.
Na última
temporada, quase foram rebaixados para a 3° divisão.
Uma 21°
colocação, com 44 pontos.
Quatro à
frente do Rotherham United, primeiro time na zona da degola.
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