O todo é mais do que a soma das
partes ou o jogo Barcelona-Santos.
O que Pep Guardiola aprende em
seus encontros com Enrique Vila-Matas para enriquecer o jogo da equipe catalã.
Por Manuel Sérgio.
Por quatro golos, sem resposta;
com duas bolas nos postes dos adversários; e 72% de posse de bola – o Barcelona
“esmagou” o Santos, no jogo final do Mundial de Clubes.
Porque me considero
luso-brasileiro (não legalmente, mas pelo coração), eu fui, naquele jogo, que
contemplei pela TV, um “torcedor” do Santos.
No entanto, findos os primeiros
45 minutos, já a superioridade do Barça era tão evidente, que não me restava
senão aceitar desportivamente a derrota e refletir sobre as razões de tamanho
desnível entre os dois clubes, incluindo entre os jogadores de maior valia
técnica, o Messi e o Neymar: as rajadas impetuosas do Messi foram o corolário
do dinamismo organizacional de uma equipa onde o todo é mais do que a soma das
partes; a ineficácia do Neymar foi o resultado do trabalho de uma equipa onde o
todo é menos do que a soma das partes.
Em qualquer complexidade
sistémica, fomenta-se a relação todo-partes de modo que esta dialética permita
a emergência de qualidades que, por si sós, nem as partes nem o todo possuem.
O
que era Barcelona, sem o Messi?
Muitíssimo menos do que hoje é.
O que era o
Messi, sem o Barcelona?
Igual ao Neymar!
Este, em entrevista televisiva,
afirmou, convicta e humildemente, que o Barcelona acabara de dar ao Santos uma
aula de bom futebol.
E não só de bom futebol, mas também doutros temas que é
preciso saber no futebol, como em qualquer outra área do conhecimento.
Entendo agora por que o escritor
catalão Enrique Vila-Matas, um dos grandes escritores da atualidade, faz parte
de um grupo de intelectuais que, periodicamente, se reúne com Pep Guardiola...
Não, não estou a dizer que o
Enrique Vila-Matas sabe mais de futebol do que o Guardiola.
Sabe menos!
Mas da
relação entre os dois (porque o futebol é uma atividade humana e não só uma
atividade física) o Guardiola enriquece os seus conhecimentos do futebol e o
Enrique encontra novos motivos (incluindo os estilísticos e os retóricos) para
os temas da sua prosa.
Hoje, em qualquer comunidade
científica, a multi e a interdisciplinaridade são procedimentos básicos.
Por
que o não são, na esmagadora maioria dos clubes de futebol?
Porque se
desconhece que só sabe de futebol quem sabe mais do que futebol (e de medicina
quem sabe mais do que medicina e de direito quem sabe mais do que direito e de
economia quem sabe mais do que economia, etc., etc.).
Não há área do conhecimento que
não se desenvolva, sem uma sistemática relação com as demais áreas do
conhecimento.
A complexidade do real exige a complexidade do pensamento e da
ação.
E o futebol é bem mais do que a técnica e a tática.
Estou certo que o Pep Guardiola
sabe tudo isto o que venho de escrever e acredito que já tenha tentado recriar
o futebol que lidera, como trabalho que cria conhecimento.
Há uma revolução a
fazer no futebol.
Estou certo que já começou, no
Barcelona.
Se não laboro em erro grave: está prestes a começar no Sport Lisboa
e Benfica de Luís Filipe Vieira, Domingos Soares de Oliveira e... Jorge Jesus!
“Todo o conhecimento, mesmo o
mais físico, é uma produção bio-antropológica, social, cultural, noológica”
(Robin Fortin, Compreender a Complexidade, Instituto Piaget, p. 241).
Que o
mesmo é dizer: no futebol, a preparação física depende dos grandes objetivos
que animam a equipa.
O próprio jogador genial
encontra-se em rede com os seus colegas.
Compreende-se o Messi, sem o Xavi e o
Iniesta?
Mas também o todo é mais do que a soma das partes, se se desconhece o
papel das emoções, no comportamento de uma equipa de futebol.
Ainda há pouco um aficionado do
Barcelona me garantia que o seu clube apresenta uma indelével marca política
(que não partidária):
“O Barcelona, mais do que os ideais de um clube,
representa os grandes anseios políticos da Catalunha”.
Talvez seja por isso que
muitos dos jogadores que a publicidade mais idolatra, das outras equipas,
pareçam viver num mundo fictício, convencional, artificial, gritando um
clubismo declamatório e balofo, nos órgãos da Comunicação Social e saltitando
nas revistas cor-de-rosa, de mãos dadas com jovens artistas (ou desportistas)
de quem se contam grosseiras anedotas.
Ao invés, o Messi, o Xavi e o
Iniesta, não sendo monges nem deixando de ter vida afetiva, dão bem a entender
que, mesmo nas suas horas de ócio, não deixam de cuidar do seu “treino
invisível”.
De facto, fogem daquilo que não interessa, para brilharem (com luz
inusitada) naquilo que verdadeiramente lhes interessa.
O Barcelona é a melhor equipa de
futebol do mundo.
E por que?
Em primeiro do mais, porque, nela, o todo é mais
do que a soma das partes.
E aqui as partes não são só a técnica e a tática e o
físico – mas também o intelectual e o moral.
E até os aspetos epistemológicos,
que o Pep Guardiola também já mostra entender.
*Antigo professor do Instituto
Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel
Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e
Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.
Notabilizou-se como ensaísta do
fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior
de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus
de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.
Esse texto foi mantido em seu
formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.
Para interagir com o autor:
manuelsergio@universidadedofutebol.com.br
Um comentário:
É amigo, o desenho do Barça é maior do que as quatro linhas.
Cordialmente,
José Leonardo
DO BLOG
www.musicadogol.blogspot.com
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