Imagem: Divulgação
“O meu, o
seu, o nosso Pacaembu!”
Se o Pateo do
Collegio é o berço da cidade de São Paulo, o Pacaembu é o berço do futebol
paulista.
A metrópole
cresceu em torno da capela erguida pelos Jesuítas e o estádio viu florescer
grandes craques e camisas.
Um vale que
convidava para uma pelada desde quando os habitantes eram os índios, hoje, tem
um gigante de concreto que é patrimônio cultural e histórico, uma praça chamada
Charles Miller e é o museu de todas as lembranças de quem já gritou por seu
time do coração nas arquibancadas do Paulo Machado de Carvalho.
Pedro
Henrique Brandão Lopes
O ano era
1940, o dia, 27 de abril, foi quando a cidade de São Paulo recebeu como
presente o que seria, naquela época, a mais moderna praça esportiva da América
Latina: o Estádio Municipal do Pacaembu.
Situado numa
baixada que parece ter sido projetada pela natureza para abrigar um estádio,
pois tem um vale cercado por morrotes que lembram um campo cercado por
arquibancadas, a estrutura surgiu de um ambicioso projeto do então interventor
federal do estado de São Paulo, Ademar de Barros, em seu segundo ano de
mandato.
Além de
abrigar jogos de futebol, a prática esportiva crescente no gosto popular do
paulista e do brasileiro, a ideia era também proporcionar um local para receber
apresentações musicais como as de sinfonias.
Por isso, o
projeto original contava com a famosa Concha Acústica, que reverberava o som e
fazia das arquibancadas uma grande plateia.
Desde a
inauguração, o Pacaembu se tornou um importante espaço de discussão e manifestação
política de São Paulo, já na cerimônia que inaugurou o estádio, Getúlio Vargas,
foi fortemente vaiado pelos paulistas que eram contra o Estado Novo, regime
recém instaurado pelo ditador que chegou ao poder depois de um golpe.
Contra o
ditador gaúcho, pesava a mágoa do povo paulista pela derrota do movimento
revolucionário de 1932, que foi reprimido pelas forças federais.
Por conta
disso, as bandeiras paulistas eram proibidas pela ditadura, mas na entrada da
delegação do São Paulo, lá estava a bandeira paulista no gramado do Pacaembu,
exposta na cara de Getúlio Vargas, que acompanhava a cerimônia das tribunas.
No dia
seguinte à inauguração, o estádio sediou sua primeira competição, a Taça Cidade
de São Paulo, um campeonato amistoso que reuniu quatro clubes: Palestra Itália
(atual Palmeiras), Corinthians, Coritiba e Atlético Mineiro.
Palestra
Itália e Coritiba fizeram o jogo inaugural e o Alviverde paulista goleou o
paranaense por 6 a 2 e se classificou para a decisão na semana seguinte, contra
o arquirrival Corinthians, e marcou o nome do Palmeiras na história como o
primeiro campeão do Pacaembu.
Quando o
Brasil foi anunciado como sede da Copa do Mundo de 1950, São Paulo pulou na
frente por ter um dos melhores estádios do mundo na época.
Mesmo depois
de 10 anos da inauguração, o Pacaembu continuava sendo referência de
modernidade e conforto.
Mesmo com a
construção do Maracanã, no Rio de Janeiro, foram disputados seis jogos do
Mundial no Pacaembu.
Três da fase
de grupos e três da fase final.
A Seleção
Brasileira fez um jogo no estádio durante aquela Copa e empatou em 2 a 2 com a
Suíça.
Em 1961, o
estádio, que até então se chamava Estádio Municipal, recebeu a adição do nome
Paulo Machado de Carvalho, que ostenta até hoje em sua clássica faixada.
Isso se deu
por uma homenagem ao chefe da delegação brasileira na Copa do Mundo de 1958.
Paulo Machado
de Carvalho foi o homem que liderou o projeto brasileiro do Mundial de 1958,
quando, pela primeira vez na história, a Seleção foi preparada para a disputa
do título inédito.
Carvalho foi
o responsável pela escolha do azul como segundo uniforme brasileiro para a
final da Copa, já que a Suécia usava amarelo como o Brasil.
Temendo pela
superstição dos jogadores, doutor Paulo, como era conhecido pelos atletas,
disse que havia sonhado com Nossa Senhora Aparecida e que a santa lhe pediu
para que os jogadores usassem azul, a cor do manto da padroeira do Brasil.
Chefiando também
a delegação de 1962, no bicampeonato mundial, ele ganhou o apelido de Marechal
da Vitória.
No final da
década de 1960, a Concha Acústica passou a ser considerada um problema para o
estádio, que já não comportava o público que queria assistir aos jogos no
tradicional gramado.
Com a
justificativa de aumentar a capacidade do local, a Concha foi demolida e no
lugar foi erguido o Tobogã, o que rendeu cerca de mais 10 mil lugares, assim, a
capacidade total subiu para 37.952 lugares.
A obra
aconteceu durante a gestão de Paulo Maluf à frente da prefeitura de São Paulo e
é contestada até hoje por ter descaracterizado um patrimônio arquitetônico da
cidade.
Para evitar
novas intervenções danosas à arquitetura do Pacaembu, em 1994, o estádio foi
tombado como patrimônio histórico da cidade e do Estado.
Também foi
tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico
(Conpresp) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico (Condephaat).
Assim, ficou
proibida qualquer intervenção na estrutura do estádio sem a aprovação dos
órgãos competentes.
Por esse
motivo, a privatização do Pacaembu foi atrasada por algumas décadas, o que
permitiu que o velho estádio revivesse tempos de glórias, recebendo os times da
capital que ficaram sem casa, enquanto construíam seus novos estádios.
Se em outros
tempos o Pacaembu foi a casa dos Jogos Pan-americanos de 1963 e até de Copa do
Mundo, em 1950, os anos 2000 levaram ao Paulo Machado de Carvalho o glamour das
grandes decisões e o cotidiano do futebol.
Com os
aluguéis cada vez mais caros cobrados pelo São Paulo, para que Palmeiras e
Corinthians jogassem no Morumbi, os dois times decidiram encontrar outra opção
para mandar seus jogos.
O Palmeiras
voltou a jogar no Palestra Itália, 1840, na rua Turiassú, enquanto o
Corinthians, que não comportava sua torcida no Parque São Jorge, optou pelo
Pacaembu.
A
identificação da torcida alvinegra com o estádio foi imediata, como um amor
adormecido há anos, de outras vidas.
Em pouco
tempo, a Fiel chamava o Pacaembu de Saudosa Maloca, e foi na Maloca abarrotada
com um bando de loucos que a Libertadores, enfim, foi conquistada pelo Time do
Povo e o Corinthians, enfim, foi libertado de suas dores.
Quando o
Palmeiras fechou o Parque Antártica para reformá-lo e fazer nascer o
moderníssimo Allianz Parque, foi a vez do povo alviverde lotar as arquibancadas
do velho Paulo Machado de Carvalho, para passar pelo calvário da década perdida
e da Série B de 2013.
Quantas
noites frias e de chuva, quantas tardes ensolaradas, e com jogos duros contra
adversários que desconsideravam a grandeza da instituição Palmeiras pelo time
que encontravam vestindo verde, cada palmeirense passou naquele período em que
a torcida foi o último pilar do Verdão.
Com muito
carinho, mesmo numa das piores fases do time, a torcida palmeirense apelidou o
estádio de Porcoembu.
Comer um
dogão prensado na Praça Charles Miller, beber as mais saborosas cervejas depois
de atravessar os arcos dos portões principais, levando para casa uma vitória
revigorante no bolso, ir para o jogo de metrô pela estação Clínicas, caminhar
margeando o muro branco e silencioso do cemitério do Araçá, subir a longa
ladeira de volta à estação carregando nos ombros mais uma derrota amarga, não
assistir um gol por ficar em baixo do bandeirão ou correr 10 lances de
arquibancadas do Tobogã, por completo desespero, por mais um gol perdido pelo
atacante que ninguém explica como é profissional...
Tudo isso tem
cheiro, gosto, textura, som e cor de Pacaembu.
Isso tudo e
muito mais com experiências particulares de cada pessoa que já frequentou o
Estádio Municipal é Pacaembu.
Todas essas
experiências só são acessíveis para quem, um dia, viu seu time jogar no velho
Pacaembu, que já recebeu até FlaFlu, que já foi casa de São Paulo e Santos,
quando o Morumbi e a Vila Belmiro não estavam disponíveis.
Depois das
inaugurações da Arena Itaquera e do Allianz Parque, mesmo abrigando o Museu do
Futebol desde 2008, e, de vez em quando, jogos do Santos, a privatização voltou
a ser pauta do governo que alega altos gastos para manutenção do estádio.
Claro que é
preciso sopesar os gastos públicos com equipamentos que não são de primeira
necessidade, como um estádio num país onde faltam hospitais e escolas, mas a concessão
à iniciativa privada de um patrimônio que hoje atende todas as faixas da
sociedade, já que é o único estádio paulistano que respeita a lei da gratuidade
para menores de 12 anos, é um erro se não forem observadas regras para a
continuidade do acesso às classes populares.
São 79 anos
de histórias que não cabem num texto, ou até num livro, por isso, se faz
necessário discutir, mais do que nunca, o futuro do Estádio Municipal Paulo
Machado de Carvalho, para que mais 80 anos sejam escritos de experiências e
lembranças, como as minhas doces lembranças particulares que, entre tantas,
guardo com muito carinho a única vez que fui com minha mãe ao estádio e
sentamos na arquibancada verde do "meu, do seu, do nosso
Paaacaaaembuuuu".
Sete meses
depois daquele domingo de setembro em que o Palmeiras perdeu o Derby que
assistimos juntos pela primeira vez no estádio, Judy partiu para conhecer o
segredo da luz.
A casa do
futebol paulista, palco tradicional do futebol brasileiro, lar do divertimento
paulistano, apelidado por corintianos e palmeirenses carinhosamente de Saudosa
Maloca e Porcoembu.
Em quase 80
anos de história, o estádio foi de praça esportiva mais moderna da América
Latina a obsoleto, e hoje vive o drama da concessão à iniciativa privada.
Imagem: Autor Desconhecido
Arte: Marcos Arboés
Neste episódio,
o Arquibancada Móvel vai contar a história do Estádio Municipal Paulo Machado
de Carvalho, o Pacaembu, de todos os paulistas, do Edson Sorriso e de todos que
amam o futebol.
Você já pode conferir o episódio nos principais agregadores de podcast:
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