Imagem: Autor Desconhecido
A saga “6”:
40 anos de história do River Plate em decisões da América
Durante
quatro décadas, os Millonarios viveram uma coincidência curiosa: disputavam
finais de Libertadores da América a cada 10 anos e sempre em anos terminados em
seis
Pedro
Henrique Brandão/Universidade do Esporte
Fundado em 25
de maio de 1901, o River Plate completou 119 anos de existência na última
segunda-feira.
O clube, que
hoje é tido como o time da elite argentina, surgiu com objetivo de ser uma
potência futebolística e alcançou o desejo de seus fundadores com as
negociações milionárias da década de 1930, a construção do Monumental de Núñez
e os times fabulosos que montou nos anos 1940 e 1950.
Porém, foi
somente na década de 1960 que disputou sua primeira decisão continental, iniciou
uma saga que duraria 40 anos e gerou uma estranha coincidência que levou o
River a todas as finais de Libertadores da América em anos terminados em seis
entre 1966 e 1996.
A reviravolta
de 1966
No dia 20 de
maio de 1966, o River Plate foi ao Estádio Nacional do Chile para disputar sua
primeira decisão de Libertadores de América contra o Peñarol.
Campeão da
América em 1960 e 1961, além dos vice-campeonatos em 1962, frente ao Santos de
Pelé, e 1965 contra o poderoso Independiente, o Peñarol contava com jogadores
do calibre de Mazurkiewicz, Pedro Rocha, Pablo Forlán junto a Alberto Spencer,
elenco muito respeitado na Libertadores e o time a ser batido na América do
Sul.
Por outro
lado, o River tinha um time aguerrido numa década em que não conquistou títulos
e conviveu com o incômodo jejum desde 1957.
O destaque
técnico era Daniel Onega que naquela competição se tornou o maior artilheiro
histórico em uma única edição de Libertadores com 17 gols.
O River também
tinha Amadeo Carrizo, goleiro lendário da Argentina, Ermindo Onega, Luis
Cubilla, Roberto Matosas e Solari, que completavam a espinha dorsal do time
dirigido por Renato Cesarini.
Sob o comando
de Onega, os Milionários conseguiram oito vitórias e apenas uma derrota na
primeira fase e avançaram em primeiro lugar no grupo.
Na segunda
fase, os adversários foram Independiente, Boca e Guarani/Paraguai.
Assim,
trilharam o caminho até o encontro com o Peñarol.
Em sua quinta
final em sete edições, o Peñarol era considerado um time envelhecido, mas nem
por isso menos perigoso.
Na partida de
ida, em Montevidéu, vitória dos uruguaios por 2 a 0.
Na volta, em
Buenos Aires, o caos que só os argentinos sabem provocar no pré-jogo.
Misteriosamente,
o ônibus que levaria os uruguaios ao estádio simplesmente não apareceu.
Contra todas
as adversidades, o Peñarol conseguiu chegar ao Monumental, mas com o clima
adverso no estádio — não havia sequer banco de reservas e a comissão técnica e
reservas ficaram em cadeiras próximas aos torcedores argentinos —, perdeu por 3
a 2.
Não havia
saldo de gols como critério de desempate e um terceiro jogo foi marcado em
campo neutro.
Tudo levava a
crer que sem as dificuldades de Buenos Aires, os uruguaios venceriam de maneira
tranquila. Porém, o River surpreendeu, conseguiu sair na frente e ainda no
primeiro tempo abriu um 2 a 0 no placar.
Um detalhe na
etapa final é apontado como a causa para a esplêndida virada aurinegra.
Aos 15
minutos, Spencer cabeceou fraco e Carizzo matou a bola no peito antes de fazer
a defesa.
O orgulho
ferido dos uruguaios teria sido o combustível para que o Peñarol buscasse o
empate e na prorrogação tirasse o título que esteve muito perto de ser do River
Plate em sua primeira participação na Libertadores.
A decepção de
1976
O Cruzeiro de
1976 era uma seleção.
Raul
Plassmaann, Nelinho, Piazza, Zé Carlos, Jairzinho, Palhinha e Joãozinho
formavam a base do time dirigido por Zezé Moreira.
No River
Plate, figuras como Fillol, Perfumo, Passarela, Sabella e Luque não deixavam
para trás o forte time argentino dirigido por Ángel Labruna.
River Plate e
Cruzeiro decidiram o campeão da América naquele ano.
No jogo de
ida, no Mineirão, vitória fácil do Cruzeiro com gols de Nelinho, Palhinha duas
vezes e Valdo; pelo River, Más descontou.
No
Monumental, na volta, o River conseguiu a vitória por 2 a 1, muito mais por
impor ao adversário o habitual caos do que pelo futebol.
Em 30 de
julho de 1976, novamente no Estádio Nacional do Chile e mais uma vez no jogo de
desempate, o River estava pronto para comemorar o título da Libertadores pela
primeira vez em sua história.
O segundo
jogo foi uma batalha e tirou da terceira partida Jairzinho da Raposa e quase
toda a defesa titular dos Millonarios, que atuou sem Fillol e Passarela.
Apesar disso,
o Cruzeiro foi ao ataque e abriu 2 a 0.
O River
reagiu e empatou antes do apito final, o que indicava mais uma prorrogação,
como há 10 anos.
Porém, aos 42
minutos, uma falta na entrada da área argentina.
Confusão para
a cobrança e Joãozinho fez isso que você pode ver no vídeo abaixo.
Uma década
depois, o River Plate disputara uma final de Libertadores, mais uma vez em ano
seis e novamente saía com o vice.
Ao apito
final, os argentinos quiseram briga, mas a taça iria para BH mesmo com a
pancadaria.
Adeus
fantasma: a conquista de 1986
Mais 10 anos
se passaram e o River manteve a escrita ao chegar novamente à decisão da
Libertadores da América num ano terminado em seis.
Dessa vez, o
adversário seria um emergente continental: o América de Cali.
Àquela
altura, os torcedores já esperavam que o River Plate fosse finalista em 1986,
afinal, era essa a tradição estabelecida: a cada 10 anos, no ano terminado em
seis, o River estava na decisão.
A torcida era
apenas para que o desfecho fosse diferente e os Millonarios pudessem, enfim,
comemorar a conquista da América.
Mais uma vez,
o River tinha um time equilibrado com nomes que são idolatrados na história do
clube como Nery Pumpido, Oscar Ruggeri, Américo Gallego e Antonio Alzamendi.
Na decisão, Los
Diablos Rojos, turbinados pelo dinheiro do narcotráfico colombiano, viviam um
momento de predominância no futebol doméstico que rendeu um pentacampeonato
colombiano e a disputa de três finais consecutivas de Libertadores, mas sem
conquistar o título.
Com um brutal
investimento financeiro do Cartel de Cali, o time dirigido por Ochoa Uribe
tinha Ricardo Gareca como a grande estrela, mas jogadores como Cabañas, Ortiz e
Batagllia também se destacavam.
Em 22 de
outubro, no Estádio Olímpico de Cali, mesmo em casa, o América não conseguiu
segurar o River e os argentinos levaram a vitória por 2 a 1 como vantagem para
a finalíssima em Buenos Aires.
No Monumental
abarrotado, em 29 de outubro de 1986, enfim, o River Plate comemorou sua
primeira Libertadores, após Funes anotar o gol solitário que garantiu a
conquista e acabou com o azar da maldição em decisões, mas não com a saga dos
anos “6".
A consagração
de uma geração regida por um ídolo
O calendário
não deixava dúvidas: ano terminado em seis, dez anos após a última decisão, era
hora de o River Plate disputar mais uma final de Libertadores. E com direito a
um plus no pacote de coincidências.
A decisão da
Libertadores da América de 1996 colocou frente a frente velhos conhecidos:
River Plate e América de Cali.
Além de
manter a tradição de La Banda em disputar a final continental em anos
terminados em seis, exatamente uma década depois do triunfo Millonario, os
colombianos teriam a chance da revanche.
O dinheiro
dos cartéis de narcotráfico havia diminuído consideravelmente e o América não
dispunha do grande investimento de anos atrás, ainda assim, havia feito sua
última grande campanha antes da derrocada que afundou o clube em anos de
ostracismo.
O goleiro
Córdoba, o zagueiro Bermúdez e o atacante Asprilla eram os destaques.
Pelo lado do
River Plate, uma constelação que mesclava novos talentos como Sorín, Gallardo,
Crespo e Ortega com o crepúsculo de Francescoli.
O genial
uruguaio se aposentaria um ano depois, mas ainda regia um dos melhores River de
todos os tempos e que dirigido por Ramón Díaz, inquestionavelmente jogava o
melhor futebol do continente.
Assim como em
1986, o River teve a vantagem de levar a segunda e decisiva partida para o
Monumental de Núñez.
Porém, se na
decisão de 10 anos antes os argentinos garantiram a vitória fora de casa e
precisavam apenas do empate para levantar a taça, dessa vez, o América fez
valer o mando de campo e no Estádio Pascual Guerrero, venceu pelo placar mínimo
com gol de Anthony de Ávila — artilheiro da competição com 11 gols —, no dia 19
de junho.
Uma semana
depois, em 26 de junho, o Monumental de Núñez se vestiu de caldeirão para
empurrar o River em direção ao título.
Desde o apito
inicial, os Millonarios asfixiaram os colombianos e Crespo abriu o placar logo
aos seis minutos de jogo.
Era preciso
que a rede balançasse duas vezes para que a vantagem desse ao River a chance de
erguer a taça que Francescoli deixou de conquistar em 1986, quando foi
negociado meses antes daquela final.
O meia
uruguaio sabia que a história o havia dado uma segunda chance e queria a
redenção, por isso, deu de presente ao torcedor millonario uma exibição de
gala.
Na etapa
final, novamente com o centroavante Hernán Crespo, o River Plate chegou ao 2 a
0 e garantiu sua segunda Libertadores da América.
Depois de 40
anos de disputas continentais nos anos “6”, terminava com glória a saga
Millonaria.
Quando a
tradição completaria 50 anos, em 2006 a escrita não se repetiu.
Até às
oitavas de final, tudo correu bem e o River conseguiu eliminar o Corinthians em
um Pacaembu lotado, num dolorido episódio da história corintiana.
Porém, nas
quartas, o confronto contra o Libertad do Paraguai deixou os Millonarios pelo
caminho.
Ainda assim,
havia quem esperasse por um novo ciclo e conforme se aproximava o ano de 2016,
animavam-se os torcedores mais supersticiosos.
No entanto,
em 2015, o time de Marcelo Gallardo se antecipou e chegou à decisão e foi
tricampeão continental contra o Tigres do México, depois de deixar o
arquirrival nas oitavas de final no polêmico jogo do gás de pimenta na
Bombonera.
Com o comando
de Muñeco, a espera de uma década para alcançar a final continental acabou.
Os
Millonarios se tornaram uma potência sul-americana e dominaram a competição nos
anos seguintes.
Apenas três
anos depois do primeiro título da “era Gallardo”, em 2018, lá estava o River
Plate mais uma vez para disputar decisão da Taça Libertadores.
O adversário
foi o Boca Juniors, era a última vez em que a competição seria decidida em
partidas de ida e volta e a imprensa apelidou de “Jogo do fim do mundo”, mas
depois de uma monumental confusão na partida da volta, a decisão foi parar no
Santiago Bernabéu, em Madrid e a conquista foi Millonaria.
Nova dose no
ano seguinte. Em 2019, o River chegou à decisão novamente e durante 83 minutos
foi campeão da América, mas viu Gabigol de maneira épica virar o placar para o
Flamengo em apenas três minutos e naquela oportunidade ficou com o vice.
Mesmo com o
insucesso do último ano, o torcedor millonario dever estar satisfeito com a
nova frequência de seu time em decisões continentais.
Porém, se
calhar de em 2026, o River Plate disputar mais uma final de Libertadores,
ninguém vai se queixar.
Ainda mais se
for sob comando de Marcelo Gallardo, um remanescente do time de 1996 e que faz
reverberar nos dias de hoje os inesquecíveis 40 anos da saga “6”.
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