quinta-feira, maio 28, 2020

A saga “6”: 40 anos de história do River Plate em decisões da América...

Imagem: Autor Desconhecido

A saga “6”: 40 anos de história do River Plate em decisões da América

Durante quatro décadas, os Millonarios viveram uma coincidência curiosa: disputavam finais de Libertadores da América a cada 10 anos e sempre em anos terminados em seis

Pedro Henrique Brandão/Universidade do Esporte

Fundado em 25 de maio de 1901, o River Plate completou 119 anos de existência na última segunda-feira.

O clube, que hoje é tido como o time da elite argentina, surgiu com objetivo de ser uma potência futebolística e alcançou o desejo de seus fundadores com as negociações milionárias da década de 1930, a construção do Monumental de Núñez e os times fabulosos que montou nos anos 1940 e 1950.

Porém, foi somente na década de 1960 que disputou sua primeira decisão continental, iniciou uma saga que duraria 40 anos e gerou uma estranha coincidência que levou o River a todas as finais de Libertadores da América em anos terminados em seis entre 1966 e 1996.

A reviravolta de 1966

No dia 20 de maio de 1966, o River Plate foi ao Estádio Nacional do Chile para disputar sua primeira decisão de Libertadores de América contra o Peñarol.

Campeão da América em 1960 e 1961, além dos vice-campeonatos em 1962, frente ao Santos de Pelé, e 1965 contra o poderoso Independiente, o Peñarol contava com jogadores do calibre de Mazurkiewicz, Pedro Rocha, Pablo Forlán junto a Alberto Spencer, elenco muito respeitado na Libertadores e o time a ser batido na América do Sul.

Por outro lado, o River tinha um time aguerrido numa década em que não conquistou títulos e conviveu com o incômodo jejum desde 1957.

O destaque técnico era Daniel Onega que naquela competição se tornou o maior artilheiro histórico em uma única edição de Libertadores com 17 gols.

O River também tinha Amadeo Carrizo, goleiro lendário da Argentina, Ermindo Onega, Luis Cubilla, Roberto Matosas e Solari, que completavam a espinha dorsal do time dirigido por Renato Cesarini.

Sob o comando de Onega, os Milionários conseguiram oito vitórias e apenas uma derrota na primeira fase e avançaram em primeiro lugar no grupo.

Na segunda fase, os adversários foram Independiente, Boca e Guarani/Paraguai.

Assim, trilharam o caminho até o encontro com o Peñarol.

Em sua quinta final em sete edições, o Peñarol era considerado um time envelhecido, mas nem por isso menos perigoso.

Na partida de ida, em Montevidéu, vitória dos uruguaios por 2 a 0.

Na volta, em Buenos Aires, o caos que só os argentinos sabem provocar no pré-jogo.

Misteriosamente, o ônibus que levaria os uruguaios ao estádio simplesmente não apareceu.

Contra todas as adversidades, o Peñarol conseguiu chegar ao Monumental, mas com o clima adverso no estádio — não havia sequer banco de reservas e a comissão técnica e reservas ficaram em cadeiras próximas aos torcedores argentinos —, perdeu por 3 a 2.

Não havia saldo de gols como critério de desempate e um terceiro jogo foi marcado em campo neutro.

Tudo levava a crer que sem as dificuldades de Buenos Aires, os uruguaios venceriam de maneira tranquila. Porém, o River surpreendeu, conseguiu sair na frente e ainda no primeiro tempo abriu um 2 a 0 no placar.

Um detalhe na etapa final é apontado como a causa para a esplêndida virada aurinegra.

Aos 15 minutos, Spencer cabeceou fraco e Carizzo matou a bola no peito antes de fazer a defesa.

O orgulho ferido dos uruguaios teria sido o combustível para que o Peñarol buscasse o empate e na prorrogação tirasse o título que esteve muito perto de ser do River Plate em sua primeira participação na Libertadores.

A decepção de 1976

O Cruzeiro de 1976 era uma seleção.

Raul Plassmaann, Nelinho, Piazza, Zé Carlos, Jairzinho, Palhinha e Joãozinho formavam a base do time dirigido por Zezé Moreira.

No River Plate, figuras como Fillol, Perfumo, Passarela, Sabella e Luque não deixavam para trás o forte time argentino dirigido por Ángel Labruna.

River Plate e Cruzeiro decidiram o campeão da América naquele ano.

No jogo de ida, no Mineirão, vitória fácil do Cruzeiro com gols de Nelinho, Palhinha duas vezes e Valdo; pelo River, Más descontou.

No Monumental, na volta, o River conseguiu a vitória por 2 a 1, muito mais por impor ao adversário o habitual caos do que pelo futebol.

Em 30 de julho de 1976, novamente no Estádio Nacional do Chile e mais uma vez no jogo de desempate, o River estava pronto para comemorar o título da Libertadores pela primeira vez em sua história.

O segundo jogo foi uma batalha e tirou da terceira partida Jairzinho da Raposa e quase toda a defesa titular dos Millonarios, que atuou sem Fillol e Passarela.

Apesar disso, o Cruzeiro foi ao ataque e abriu 2 a 0.

O River reagiu e empatou antes do apito final, o que indicava mais uma prorrogação, como há 10 anos.

Porém, aos 42 minutos, uma falta na entrada da área argentina.

Confusão para a cobrança e Joãozinho fez isso que você pode ver no vídeo abaixo.

Uma década depois, o River Plate disputara uma final de Libertadores, mais uma vez em ano seis e novamente saía com o vice.

Ao apito final, os argentinos quiseram briga, mas a taça iria para BH mesmo com a pancadaria.

Adeus fantasma: a conquista de 1986

Mais 10 anos se passaram e o River manteve a escrita ao chegar novamente à decisão da Libertadores da América num ano terminado em seis.

Dessa vez, o adversário seria um emergente continental: o América de Cali.

Àquela altura, os torcedores já esperavam que o River Plate fosse finalista em 1986, afinal, era essa a tradição estabelecida: a cada 10 anos, no ano terminado em seis, o River estava na decisão.

A torcida era apenas para que o desfecho fosse diferente e os Millonarios pudessem, enfim, comemorar a conquista da América.

Mais uma vez, o River tinha um time equilibrado com nomes que são idolatrados na história do clube como Nery Pumpido, Oscar Ruggeri, Américo Gallego e Antonio Alzamendi.

Na decisão, Los Diablos Rojos, turbinados pelo dinheiro do narcotráfico colombiano, viviam um momento de predominância no futebol doméstico que rendeu um pentacampeonato colombiano e a disputa de três finais consecutivas de Libertadores, mas sem conquistar o título.

Com um brutal investimento financeiro do Cartel de Cali, o time dirigido por Ochoa Uribe tinha Ricardo Gareca como a grande estrela, mas jogadores como Cabañas, Ortiz e Batagllia também se destacavam.

Em 22 de outubro, no Estádio Olímpico de Cali, mesmo em casa, o América não conseguiu segurar o River e os argentinos levaram a vitória por 2 a 1 como vantagem para a finalíssima em Buenos Aires.

No Monumental abarrotado, em 29 de outubro de 1986, enfim, o River Plate comemorou sua primeira Libertadores, após Funes anotar o gol solitário que garantiu a conquista e acabou com o azar da maldição em decisões, mas não com a saga dos anos “6".

A consagração de uma geração regida por um ídolo

O calendário não deixava dúvidas: ano terminado em seis, dez anos após a última decisão, era hora de o River Plate disputar mais uma final de Libertadores. E com direito a um plus no pacote de coincidências.

A decisão da Libertadores da América de 1996 colocou frente a frente velhos conhecidos: River Plate e América de Cali.

Além de manter a tradição de La Banda em disputar a final continental em anos terminados em seis, exatamente uma década depois do triunfo Millonario, os colombianos teriam a chance da revanche.

O dinheiro dos cartéis de narcotráfico havia diminuído consideravelmente e o América não dispunha do grande investimento de anos atrás, ainda assim, havia feito sua última grande campanha antes da derrocada que afundou o clube em anos de ostracismo.

O goleiro Córdoba, o zagueiro Bermúdez e o atacante Asprilla eram os destaques.

Pelo lado do River Plate, uma constelação que mesclava novos talentos como Sorín, Gallardo, Crespo e Ortega com o crepúsculo de Francescoli.

O genial uruguaio se aposentaria um ano depois, mas ainda regia um dos melhores River de todos os tempos e que dirigido por Ramón Díaz, inquestionavelmente jogava o melhor futebol do continente.

Assim como em 1986, o River teve a vantagem de levar a segunda e decisiva partida para o Monumental de Núñez.

Porém, se na decisão de 10 anos antes os argentinos garantiram a vitória fora de casa e precisavam apenas do empate para levantar a taça, dessa vez, o América fez valer o mando de campo e no Estádio Pascual Guerrero, venceu pelo placar mínimo com gol de Anthony de Ávila — artilheiro da competição com 11 gols —, no dia 19 de junho.

Uma semana depois, em 26 de junho, o Monumental de Núñez se vestiu de caldeirão para empurrar o River em direção ao título.

Desde o apito inicial, os Millonarios asfixiaram os colombianos e Crespo abriu o placar logo aos seis minutos de jogo.

Era preciso que a rede balançasse duas vezes para que a vantagem desse ao River a chance de erguer a taça que Francescoli deixou de conquistar em 1986, quando foi negociado meses antes daquela final.

O meia uruguaio sabia que a história o havia dado uma segunda chance e queria a redenção, por isso, deu de presente ao torcedor millonario uma exibição de gala.

Na etapa final, novamente com o centroavante Hernán Crespo, o River Plate chegou ao 2 a 0 e garantiu sua segunda Libertadores da América.

Depois de 40 anos de disputas continentais nos anos “6”, terminava com glória a saga Millonaria.

Quando a tradição completaria 50 anos, em 2006 a escrita não se repetiu.

Até às oitavas de final, tudo correu bem e o River conseguiu eliminar o Corinthians em um Pacaembu lotado, num dolorido episódio da história corintiana.

Porém, nas quartas, o confronto contra o Libertad do Paraguai deixou os Millonarios pelo caminho.

Ainda assim, havia quem esperasse por um novo ciclo e conforme se aproximava o ano de 2016, animavam-se os torcedores mais supersticiosos.

No entanto, em 2015, o time de Marcelo Gallardo se antecipou e chegou à decisão e foi tricampeão continental contra o Tigres do México, depois de deixar o arquirrival nas oitavas de final no polêmico jogo do gás de pimenta na Bombonera.

Com o comando de Muñeco, a espera de uma década para alcançar a final continental acabou.

Os Millonarios se tornaram uma potência sul-americana e dominaram a competição nos anos seguintes.

Apenas três anos depois do primeiro título da “era Gallardo”, em 2018, lá estava o River Plate mais uma vez para disputar decisão da Taça Libertadores.

O adversário foi o Boca Juniors, era a última vez em que a competição seria decidida em partidas de ida e volta e a imprensa apelidou de “Jogo do fim do mundo”, mas depois de uma monumental confusão na partida da volta, a decisão foi parar no Santiago Bernabéu, em Madrid e a conquista foi Millonaria.

Nova dose no ano seguinte. Em 2019, o River chegou à decisão novamente e durante 83 minutos foi campeão da América, mas viu Gabigol de maneira épica virar o placar para o Flamengo em apenas três minutos e naquela oportunidade ficou com o vice.

Mesmo com o insucesso do último ano, o torcedor millonario dever estar satisfeito com a nova frequência de seu time em decisões continentais.

Porém, se calhar de em 2026, o River Plate disputar mais uma final de Libertadores, ninguém vai se queixar.

Ainda mais se for sob comando de Marcelo Gallardo, um remanescente do time de 1996 e que faz reverberar nos dias de hoje os inesquecíveis 40 anos da saga “6”.

Nenhum comentário: