Não conheço,
mas já vi! #11
O engajamento
político e social do Rayo Vallecano.
Por Dyego
Lima/Universidade do Esporte
Área
economicamente modesta do sudeste de Madrid, Vallecas é repleta de conjuntos
habitacionais, sendo ponto de chegada de imigrantes humildes.
Isso o torna
o distrito com maior índice de desemprego da cidade.
Fundado em 29
de maio de 1924, o Rayo Vallecano não nega suas origens, muito pelo contrário.
Trata-a com
orgulho e, se não, por meio de títulos, através de ações, tenta dar voz e
ajudar seu povo.
Poucos clubes
no mundo são tão ativos política e socialmente quanto o Rayo.
Coincidência
ou não, foi exatamente em Vallecas que surgiram os primeiros movimentos
sindicais e sociais na capital espanhola, inclusive com torcedores do time
estando entre os líderes da greve geral no país em 2012.
O clube
trata-se como uma equipe de bairro, de torcida limitada e com viés esquerdista.
Isso fez com
que a instituição desenvolvesse uma amizade com os alemães do St. Pauli.
Além de um
time de futebol, o Vallecano também é uma fundação social, que apoia
iniciativas relacionadas ao esporte como meio de educação física e moral.
Imagem que
costuma ser atrelada ao Atlético, os rayistas consideram-se o verdadeiro clube
operário de Madrid.
Lemas como
"Ame o Rayo, odeie o racismo", e "Pequeno no esporte, grande nos
valores", são marcas da equipe.
Dentre
atitudes de cunho social, um episódio em novembro de 2014 foi o mais marcante.
Carmen
Martínez Ayudo, de 85 anos, acabou despejada da casa em que viveu durante meio
século, em Vallecas, por dívidas não pagas por seu filho.
Tomando
conhecimento da situação, a diretoria do Rayo comprometeu-se a pagar o aluguel
de um apartamento para a senhora pelo resto de sua vida.
A torcida do
clube também se movimentou e conseguiu arrecadar algum dinheiro para ela.
Apenas dois
meses depois, Carmen acabou retribuindo da forma que pôde.
Wilfred
Agbonavbare, ex-goleiro do Rayo, que defendeu a equipe por seis temporadas na
década de 90, descobriu um câncer em janeiro de 2015.
A senhora
decidiu doar ao ex-jogador parte do dinheiro que havia recebido do clube pouco
tempo antes.
Além deste
caso, em 2017, a torcida rayista, por meio de enérgicos protestos, fez a diretoria
do clube cancelar a transferência do ucraniano Roman Zozulya, que possuía
vínculo ativo com grupos neonazistas em seu país.
O Rayo também
já utilizou seu uniforme como uma forma de "levantar bandeiras" para
causas nobres.
A sua característica
faixa transversal vermelha já foi substituída por uma rosa, em alusão à
conscientização ao câncer de mama.
Em 2015, uma
camisa com um arco-íris foi lançada, em prol da luta contra a homofobia.
Segundo
comunicado oficial da equipe, cada cor também simbolizava uma luta: AIDS
(vermelho), depressão (amarelo), abuso infantil (azul), violência doméstica
(roxo), apoio a deficientes físicos (laranja) e meio ambiente (verde).
O clube doou
parte da verba arrecadada com as vendas dela para instituições de caridade
ligadas às causas.
Desde 1976,
sua casa é o Estadio de Vallecas, com capacidade para cerca de 15 mil
torcedores.
Em 2004, o
palco chegou a receber o nome de Teresa Rivero.
Em 1994, ele
se tornou a primeira mulher a presidir um clube da Primeira Divisão da Espanha.
Os primeiros
passos
O clube
nasceu com o nome de Agrupación Deportiva El Rayo.
De 1931 até
36, a equipe participou do campeonato da Federação Trabalhadora de Futebol,
filiando-se à Federação Castellana ao fim da Guerra Civil em 1939, algo que já
era planejado antes do conflito estourar.
Mais tarde
neste mesmo ano, Miguel Rodríguez Alzola assume como presidente da instituição.
Foi sob sua
tutela, em 13 de novembro de 1947, que o time foi renomeado para Agrupación
Deportiva Rayo Vallecano.
Na temporada
1948–49, o clube consegue o acesso à Terceira Divisão.
Na época
seguinte, um caso curioso.
A equipe
firmou um "acordo de ajuda mútua" com o Atlético de Madrid.
Em troca de
ceder alguns jogadores, o Atleti pediu para que o Rayo deixasse de jogar
inteiramente de branco, tal qual o Real Madrid, e incluísse algo vermelho em
seu uniforme, além de adicionar a faixa transversal.
Imaginou-se
que, com o acordo, o Vallecano se tornasse uma espécie de "filial" do
Atlético, mas ele durou apenas um ano.
No entanto,
as mudanças nas camisas permaneceram.
Até por conta
disso, o Rayo desenvolveu uma amizade com o River Plate, que havia se tornado
sua nova inspiração.
A equipe
argentina, de passagem pela Espanha para jogar um amistoso contra o Real no
Santiago Bernabéu, deu dois uniformes completos para os rayistas.
O Vallecano
utilizou-os em dois jogos oficiais, e depois passou-os às categorias de base.
E, apesar das
camisas, o futebol do clube ficou longe de se assemelhar ao do River.
Anos
de luta
Só em 1956, o
Rayo conseguiu o seu primeiro acesso à Segunda Divisão.
Uma vitória
por 5 a 3 contra o Gimnàstic de Tarragona garantiu a vaga.
Manolo
Peñalva, histórico jogador do clube, anotou três gols na partida.
Depois de
alguns anos no 2° nível, a equipe é rebaixada na temporada 1960/61.
Um novo
acesso só seria conquistado em 1964/65.
No dia 06 de
maio de 1976, a atual casa do time, o então Nuevo Estadio de Vallecas, foi
inaugurado. Em duelo contra o Valladolid, os rayiados foram derrotados por 1 a
0.
Além de novo
palco, a equipe encerraria a temporada sendo treinada pela lenda Alfredo Di
Stéfano.
E a chegada
do novo lar iluminou os passos do Rayo.
Na época
1976–77, depois de conseguir, na última rodada diante do Getafe, o ponto que
necessitava, os rayiados conseguiram sua primeira ida à elite da Espanha.
E sem perder
nenhum jogo como mandante.
Aventuras
entre os poderosos
A estreia na
Primeira Divisão foi considerada magnífica, com um 10° lugar dentre 18 clubes.
Com Héctor Núñez
como técnico, o Rayo foi apelidado pela imprensa de Matagigantes.
Isso porque o
time foi capaz de, em Vallecas, vencer os grandes da Liga: Real, Barcelona,
Bilbao, Valencia, Atlético e Sevilla.
A única
derrota foi para o Elche.
O clube ficou
três temporadas na elite, até cair em 1979/80.
Alguns
jogadores passaram e tornaram-se lendas: Alejandro Alcázar, Miguel Uceda,
Manolo Clares e Fernando Morena.
O último
acabou se tornando importante no extracampo também.
Foi graças à
sua contratação que a equipe atingiu a histórica marca de 10 mil sócios.
Na temporada
1981–82, com Manuel Peñalva como técnico, o Rayo conseguiu seu melhor resultado
na Copa do Rei.
Após eliminar
A.D. Parla, Cacereño, Real Oviedo, Atlético Madrileño, além de um Real Zaragoza
que não só era dirigido por Leo Beenhakker, mas também contava com um ataque
formado por Pichi Alonso, Amarilla e Jorge Valdano, a equipe alcançou as
semi-finais do torneio.
Acabaria
sucumbindo perante o Sporting de Gijón. Ico Aguilar, Mora, Elías Benito e
Álvarez foram os principais nomes daquela histórica campanha.
O clube só
retornaria à Primeira Divisão em 1988/89. Félix "Felines" Sierra comandou
um elenco que contava com Jesús Diego Cota, Ángel Férez, José Zapatera e Hugo
Maradona, irmão mais novo de Diego.
No entanto,
acabaria sendo rebaixado já na temporada seguinte.
Vida nova,
mas nem tanto
Em 1991, o
clube transformou-se em uma Sociedade Anônima Deportiva.
O empresário
José María Ruiz-Matos comprou a maior parte das ações e tornou-se, em tempos de
crise econômica, presidente da instituição.
O Rayo
conseguiu o acesso à Primeira Divisão, mas, em 1993, mesmo com a chegada do
lendário atacante mexicano Hugo Sánchez, acabou sendo rebaixado novamente.
Em 1994/95,
outra boa campanha na Copa do Rei.
Depois de
eliminar Numancia, Andorra CF, Racing de Santander e Palamós, o Vallecano
chegou às quartas de final. Outra vez o Sporting de Gijón acabaria com o sonho
da equipe.
Na Liga,
segunda colocação e novo acesso à elite.
Na temporada
1999/00, o Rayo liderou a Primeira Divisão durante quatro rodadas.
O técnico
Juande Ramos contava com nomes como Míchel, Julen Lopetegui e Luis Cembranos.
Os rayiados,
apesar de finalizarem o campeonato na 9° colocação, acabaram recebendo um
convite para disputar a Copa Uefa seguinte devido ao seu fair play.
Foi um dos
clubes com menos advertências em todo o continente.
O ano de 2000
também marcou a fundação da ala feminina de futebol do Vallecano, que se
tornaria uma das principais da Espanha.
As meninas
conquistariam três Ligas e uma Copa do Rei.
Na época
seguinte, o debute em competições europeias.
E já seria
uma grata surpresa.
O clube
eliminou Constelació Esportiva, de Andorra, com direito a um 10 a 0, maior
goleada daquela edição do torneio, Molde, da Noruega, Viborg, da Dinamarca,
Lokomotiv Moscou e Bordeaux, alcançando as quartas de final.
Cairia
perante o compatriota Alavés, futuro vice-campeão.
O sucesso no
torneio continental resultou em um 14° lugar na Liga Espanhola.
Nova desordem
Nas
temporadas seguintes, o Rayo se desestabiliza.
Em 2004,
inicia o primeiro dos quatro anos na Terceira Divisão.
Nesse
período, Álvaro Negredo, cria das canteras, chega aos profissionais.
O retorno ao
segundo nível espanhol só aconteceria em 2007/08, com o título da terceirona.
Em 2009/10,
mais uma boa participação na Copa. Passando por Real Sociedad, Córdoba e
Bilbao, a equipe chega às oitavas.
O Mallorca,
"bicho-papão" dos rayiados em play-offs de acesso em temporadas
passadas, apareceu para eliminar o time madrilenho.
Durante a
época 2010/11, alguns acontecimentos chegaram para "agitar" a
instituição.
A crise
financeira atinge o conglomerado de empresas da família Ruiz-Matos, inclusive o
clube.
A falência
foi vista de perto.
Devido às complicações,
é criada a Fila 0, uma ação para receber donativos, além da venda de camisetas
com a estampa: "Equipe e torcida, unidos por um sentimento".
A verba
serviria para pagar os trabalhadores, jogadores e canteranos.
A torcida
protestou.
Exemplo é a
partida contra o Granada, quando fizeram uma corrente humana ao redor do
estádio.
Uma placa com
os dizeres "87 anos de história merecem mais respeito" era levada aos
jogos.
Apesar dos
problemas e dos salários atrasados, o Rayo nunca deixou de ser um dos dois
melhores da Segunda Divisão naquela temporada, conseguindo o acesso à elite com
o vice-campeonato.
História
recente
Em 05 de maio
de 2011, o empresário Raúl Martín Presa comprou 98,6% das ações do Rayo,
tornando-se presidente e assumindo as dívidas.
Com a equipe
vivendo a pior crise de sua história, ele se comprometeu a pagar os salários
atrasados.
No dia 22
daquele mês, o acesso à Primeira Divisão após oito anos foi matematicamente
confirmado depois de uma vitória por 3 a 0 contra o Xerez CD.
Para a
temporada seguinte, Dani Pacheco, Michu, Trashorras, Diego Costa e Armenteros
chegaram.
Apesar disso,
a vida rayista na elite não foi nada fácil.
O clube
acabou se livrando do rebaixamento na última rodada, contra o Granada, graças a
um gol de Raúl Tamudo nos acréscimos, que garantiu a vitória pelo placar
mínimo.
Após o susto,
a época seguinte foi completamente oposta.
Ela marcou o
início do "sucesso" recente do Vallecano.
José Ramón
Sandoval não teve seu contrato renovado. Paco Jémez, ex-jogador rayista, e
vindo de boa passagem pelo Córdoba C.F, chegou para comandar o time.
Na Liga,
foram 53 pontos e um oitavo lugar.
Foi a melhor
temporada da equipe na Primeira Divisão, tanto em pontos como em classificação,
em sua história.
O Rayo chamou
atenção pelo seu vistoso jogo ofensivo.
Após o
destaque, para 2013/14, o clube sofreu um desmanche.
Piti, que
estava desde a Terceira Divisão e havia sido artilheiro do time na temporada
passada com 15 gols; Javi Fuego, um dos melhores "ladrões de bola" da
Liga; Léo Baptistão, que concorreu à revelação do campeonato, todos saíram.
Além deles,
durante as competições, Rubén Rochina e Iago Falque voltaram às suas
respectivas equipes depois de um período de empréstimo.
Apesar das
dificuldades, o Rayo conseguiu permanecer na elite.
Depois de uma
temporada no meio da tabela, o Vallecano foi condenado ao descenso em 2015/16.
Na Segunda
Divisão, após um início ruim, Míchel chegou para treinar o time.
Ele conseguiu
um ótimo fim de campeonato, deixando a equipe no 12° lugar, cinco pontos à
frente da zona de rebaixamento.
Finalmente,
em 2017/18, o título mais importante da história do clube.
A conquista
da Segunda Divisão foi sofrida, vindo apenas na última rodada.
E com traços
dramáticos. Tendo perdido para o Gimnàstic, o troféu só veio porque o Huesca
foi derrotado pelo Real Oviedo.
O Rayo foi a
terceira equipe de Madrid a conquistar o torneio, após o Real Castilla e o
Atlético.
O acesso fez
com que, pela primeira vez, em 2018/19, a Primeira Divisão contasse com cinco
equipes madrilenhas: Real, Atletico, Rayo, Leganés e Getafe.
Os rayistas
seriam rebaixados à Segunda Divisão no último lugar, com apenas 32 pontos em 38
jogos.
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