Imagem: Globoesporte.com
O futebol que
fique para depois
É
desarrazoado e ilógico pensar em retomar o futebol agora
Pedro
Henrique Brandão Lopes/Universidade do Esporte
A insistência
na repetição de sinônimos serve para demonstrar o tamanho do despautério que é
a retomada do futebol neste momento.
Olhando para
o movimento da pandemia em outros países e baseado nas análises de
especialistas, o Brasil está às portas do caos.
São dois dias
consecutivos com a taxa de mortalidade na casa de 600 vidas perdidas em 24
horas.
São 8.536
mortos em pouco mais de 50 dias após o primeiro óbito.
O Brasil tem
125.218 casos confirmados com um crescimento médio de 9% ao dia de novos casos.
Somos o 6º
país no ranking de mortos e com a consciência de que, por falta de testes,
temos uma subnotificação na ordem de 12 a 15 vezes o número real de casos,
segundo estudos.
A taxa de
isolamento social tem diminuído enquanto a taxa da ocupação em UTI’s está
aumentando.
Especialista
recomendam o lockdown imediato em várias regiões do país como última tentativa
de evitar uma tragédia sem precedentes na história brasileira.
Neste cenário
catastrófico, o futebol tupiniquim se organiza para retomar as atividades.
Como medida
para viabilizar os treinamentos, o Flamengo testou as pessoas do círculo social
do clube.
Foram 293
pessoas submetidas aos testes e o resultado é assustador: 38 casos positivos.
Divididos em
três jogadores, dois jogadores que têm anticorpos e não o vírus — tiveram
contato com o vírus e se curaram — seis funcionários do clube, dois
funcionários terceirizados e 25 familiares ou funcionários de atletas.
É a tal
transmissão comunitária que o Ministério da Saúde alertava ainda em março.
Quando é
impossível definir onde estava caso zero.
Na última
segunda-feira, o Flamengo assistiu à morte de Jorginho, massagista do clube
fazia 40 anos.
Aos 68 anos
de idade, o funcionário morreu vitimado pala Covid-19.
Esse mesmo
Flamengo — multicampeão na última temporada — demitiu e deixou desassistidos 62
funcionários em mais uma cruel mostra de desumanidade da atual diretoria que
desde o desastre do Ninho do Urubu, esbanja falta de empatia.
Porém, há de
se admitir que o Flamengo só serve como comparação, pois ao menos testou seu
pequeno feudo.
Pior fazem
outros tantos que forçam a retomada sem ao menos mostrarem condições para
minimamente garantirem alguma improvável segurança.
É tão
disparatada a volta do futebol neste momento, que bastariam os números e o clima
de luto que vive o país para justificar a paralisação total.
Porém, quando
comparados os momentos da epidemia na Europa e no Brasil, uma verdadeira
loucura se desnuda na decisão de retornar aos treinamentos.
No mesmo dia
em que clubes brasileiros retornaram aos centros de treinamentos, a Espanha
permitiu que seus times também retomassem as atividades.
O país do rei
Juan Carlos é o território com mais casos na Europa, o segundo do mundo e nos
últimos dias viu uma concreta desaceleração nos casos de novos infectados e de
óbitos.
A Espanha
chegou a registrar em seu pico epidêmico, mais de 800 mortos num único dia e
agora tem perdido cerca de 160 pessoas por dia.
Ainda é
muito, claro, mas há um indicativo de diminuição de casos.
No Brasil, o
movimento é o oposto.
Na Alemanha
também acontece um movimento de retomada do futebol.
Como
comparativo, na semana passada foram testados 1.724 atletas de 36 clubes com
apenas 10 casos positivos.
Só o entorno
social do Flamengo apresentou quase quatro vezes mais infectados numa mostra
quase seis vezes menor.
É
estapafúrdio pensar a retomada do futebol brasileiro agora.
É mais que
absurdo. Tomar a decisão de retomar, ainda que apenas treinamentos, o futebol
brasileiro neste momento é assinar uma procuração em branco para o desastre.
Sem testagem
suficiente, com várias capitais em claro colapso no sistema de saúde, com o
mundo todo sabendo que a pandemia do novo coronavírus está fora de controle no
Brasil e numa curva ascendente de infecção não se pensa nenhum tipo de retomada,
se pensa medidas para combater a epidemia.
Por hora, a
bola para, os estádios esvaziam e o futebol fica em segundo plano, porque o que
importa são as vidas que podem ser salvas com o isolamento.
Como diria o
lendário treinador italiano Arrigo Sacchi: “il calcio è la cosa più importante
delle cose non importanti“.
Ou no bom e
velho português: “o futebol é a coisa mais importante dentre as coisas menos
importantes”.
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