Será preciso mais que um nome para que existam vínculos...

Meu caro Leonardo,

Agradeço a sua confiança em pedir minha opinião sobre um trecho da entrevista do senhor Janser Junior ao blog Musica do Gol.

Li a entrevista como um todo, mas vou me ater ao trecho que você pede minha opinião.

Mas antes me permita um pequeno preâmbulo sobre o Tratado do ABC.

Na verdade não foi um tratado de paz, pois na linguagem diplomática só existem tratados de paz em caso de beligerância e não era o caso então...

Nem Argentina, nem Brasil e nem o Chile, estavam em guerra, portanto, não havia razão para um tratado de paz.

No dia 25 de maio de 1915, os chanceleres da Argentina, do Brasil e do Chile, assinaram o “Tratado para Facilitar a Solução Pacifica de Controvérsias Internacionais”...

O tratado não estipulava qualquer compromisso de natureza militar nem possuía cláusula secreta.

Na verdade, esse tratado apenas retomava a idéia de aproximação política entre as três principais potencia do continente, iniciada em negociações desenvolvidas entre 1907 e 1909, pelo Barão do Rio Branco, então Ministro das Relações Exteriores do Brasil.

O tratado não logrou o sucesso esperado...

O parlamento brasileiro ratificou o tratado, mas no Chile e na Argentina, o tratado foi rechaçado pelos respectivos parlamentos.

Os chilenos esperavam uma ferramenta que permitisse uma maior presença regional e que os coloca-se país em pé de igualdade diante de Brasil e Argentina.

Esperavam também, que o acordo trouxesse o apoio dos signatários, para o caso Tacna e Arica (essa é outra história).

Quando o parlamento chileno percebeu que o tratado seria apenas mais um instrumento para resolver disputas entre seus membros, preferiu não ratificá-lo.

Na Argentina, o tratado foi bombardeado por diversos setores dentro do próprio governo e então, ficou decidido que a Argentina manteria uma política exterior, não atada aos seus vizinhos.

Existem outros fatos, mas seria longo explicá-los aqui.

Portanto, não estamos falando de um trado que tenha sido um enorme e retumbante sucesso, na verdade, foi um fracasso.

Não sei se usar tal tradado como argumento de marketing teria algum efeito...

O fato de os fundadores do ABC terem se utilizado do tratado como fonte inspiradora para batizar o clube recém fundado, não significa que naquele momento, tenha existido forte influencia cultural, social e econômica com nenhum dos países (conta-se que o nome foi escolhido por que na época, o tratado era o assunto da moda em todo o Brasil e pelo fato de a esposa de um dos fundadores do ABC, ser chilena)...

Portanto, não é verdade que o ABC tenha em sua fundação raízes e essência atrelada aos dois países em questão.

Afirmar que apenas o fato de o ABC ter seu nome vinculado a um tratado firmado há 94 anos e que fracassou, possa ser um elo para futuras parcerias comerciais, me parece um exagero...

Entre o Rio Grande do Norte, a Argentina e o Chile, existe um fosso abissal.

Veja bem, a Tuna Luso Brasileira, assim como o Vasco da Gama, foram fundados por portugueses, presididos em algum momento por portugueses, e nem por isso, nenhuma empresa portuguesa investiu pesadamente em nenhum dos dois...

Os hinos dos dois clubes cantam essa ligação e nem por isso, o Benfica, o Porto, o Sporting ou qualquer outro clube português, fez qualquer parceria significativa com nenhum dos dois.

Vale lembrar, que o Brasil, é na essência e na raiz, um país lusitano.

O mesmo caso serve para o Palmeiras e para o Cruzeiro de Belo Horizonte, ambos fundados com o nome de Palestra Itália.

Não me recordo de nenhum acordo entre ambos, e qualquer equipe italiana, que seja digno de nota.

O investimento ocorrido entre Palmeiras e Parmalat, se deu muito mais pela aproximação pessoal do diretor geral de empresa no Brasil com a direção do Palmeiras, do que por algum tipo negociação mais sólida.

Apenas para ilustrar historicamente, outros clubes no mundo, tiveram sua história ligada a nações diferentes e não apenas pelo nome, mas por terem pertencido a essas nações.

Os clubes do Chipre, por exemplo, já foram gregos, já foram turcos e já foram cipriotas, mas agora, como o país está dividido, os do sul pertencem ao Chipre e os do norte, a República Turca do Chipre do Norte.

Equipes polonesas, já pertenceram a Rússia e Alemanha...

As equipes de Koper, já foram parte do Império Austro-Húngaro, da Itália, da Iugoslávia e hoje estão sob a bandeira da Eslovênia.

Seriam muitos os exemplos, mas fico por aqui.

Sobre a idéia de colocar na camisa do ABC, as três bandeiras, traria curiosidade sim...

Mas, creio que seria apenas isso!

Todo o resto da entrevista fala sob suposições e possibilidades...

Todas possíveis de serem realizadas, porém, com um custo altíssimo e uma probabilidade de dar certo, muito pequena.

Se você me permite, não vou entrar em detalhes, pois não seria elegante e nem educado, ir mais além do que já fui...