Imagem: Kicker
Este espaço não propõe defesa nem ataque a nenhum clube ou pessoa. Este espaço se destina à postagem de observações, idéias, fatos históricos, estatísticas e pesquisas sobre o mundo do futebol. As opiniões aqui postadas não têm o intuito de estabelecer verdades absolutas e devem ser vistas apenas como uma posição pessoal sujeita a revisão. Pois reconsiderar uma opinião não é sinal de fraqueza, mas sim da necessidade constante de acompanhar o dinamismo e mutabilidade da vida e das coisas.
Um comentário:
Aquele texto que prometi. Abração
TVU ESPORTES: A ÚLTIMA CRÔNICA DE UM REPÓRTER APAIXONADO
Outro dia entrei numa loja da Cidade Alta para comprar um sapato. Olha daqui, escolhe dali, pedi ao funcionário da casa, enfim, o modelo que mais me agradou. Pedido feito, o cara abriu um sorriso e se mandou para pegar no depósito. Dois minutos depois, volta com três modelos diferentes. Calço com o cara me olhando como se já me conhecesse de algum lugar. Decidi levar dois. E o cara me olhando. Na hora de pagar, constrangido, o funcionário resolveu abrir o jogo:
- Você é jornalista?
- Sou.
- Você fazia um programa de esportes na televisão...
- Fazia. O TVU Esportes. Mas saí em 2005, quando me formei. Era um estágio, tive que ir embora.
- Era muito bom. Faz tempo que não vejo o programa, mas acompanhava toda segunda-feira.
Despedi-me do rapaz depois de lhe dar a mesma notícia triste que sou obrigado a confirmar às pessoas que, depois de cinco anos, ainda me abordam na rua para lembrar do saudoso TVU Esportes, programa comandado pelos dois maiores professores de jornalismo que tive na UFRN: Lupércio Luiz e Fernando Amaral. Sem precisar sentar a bunda nas cadeiras da academia, a dupla ensinou muito mais que jornalismo aos estagiários que passaram pelo programa. E não foram poucos ao longo de mais de dez anos de programa.
Prova do sucesso é que de resposta, quando digo que o programa foi extinto da grade da TVU em 2008 sem qualquer satisfação aos milhares de trabalhadores, desempregados, estudantes e aposentados que aguardavam o ponteiro do relógio bater na casa das 19h para acompanhar a mesa redonda religiosamente às segundas-feiras, recebo sempre um sentimento de frustração, decepção, tristeza.
A mediocridade da atual direção da TV Universitária é digna de piedade. Talvez a extinção do TVU Esportes da forma autoritária e desrespeitosa pela atual superintendência explique a importância que a UFRN, ainda mais separada da cidade agora que o reitor decidiu cercar toda a área da universidade, dá ao telespectador comum. Para a academia, o esporte não tem relação alguma com a cultura brasileira. Para essa turma de doutores, o jornalismo esportivo ainda é coisa de palpiteiro.
Entre os programas criados pela Universitária nos últimos anos nenhum deu mais liberdade aos estudantes de jornalismo que o TVU Esportes. Lembro do dia em que propus a Fernando e Lupércio um quadro que fez muito sucesso durante 1 ano e pouco. Era a “Crônica da Semana”, no qual escrevia e lia um texto sobre um fato pitoresco do nosso tão combalido futebol potiguar. A lista de causos absurdos era imensa, o que deu muito pano para manga naqueles tempos. Recebia sugestões, o pessoal comentava na rua. Isso sem falar nas reportagens produzidas e criadas sem censuras. Uma vez, antes do programa ir ao ar, Carlos Henrique, um colega estagiário com quem trabalhei e que, apesar de bancário, ainda hoje se dedica à pesquisa sobre futebol, disse a Fernando que desde pequeno tinha o sonho de trabalhar num programa de esportes na televisão. Um sonho, portanto, realizado.
Um tempo depois que me formei e deixei a UFRN para seguir carreira no Diário de Natal, Lupércio deixou o programa e assumiu a secretaria de esportes em Mossoró. Aí a coisa começou a desandar. Fernando Amaral, que deveria assumir, por justiça, a cabeça da mesa, viu o espaço ser preenchido por um professor que, se Nelson Rodrigues fosse vivo, chamaria de idiota da objetividade. Um cara que ignora a fantasia do torcedor que ouve os jogos com o ouvido grudado num radinho de pilha caindo aos pedaços, para dar vazão aos replays e vídeo - tapes. O programa virou uma sucessão enfadonha de análises numéricas e teóricas e, a partir dali, acabou perdendo a espontaneidade que sempre cativou o torcedor.
Faz tempo que não sou mais estagiário. Me formei jornalista e, talvez por isso, sinto uma saudade absurda dos colegas, dos amigos, da equipe, dos programas, das crônicas, das matérias, das gafes (sim, foram muitas), do contato com o torcedor, das análises que meu pai fazia cada vez que me via na televisão, dos desaforos que ouvia na rua quando criticava ABC ou o América... por isso, prefiro achar que o jogo foi interrompido por conta de uma chuva forte inesperada, mas daqui a pouco o juiz vai mandar o time voltar a campo para seguir o jogo.
No dia em que decidi comprar os sapatos saí da loja carregando, além da compra, uma ruma de lembranças do programa que elevava, há mais de 10 anos, a audiência da TV Universitária. O vendedor nem desconfia, mas foi ali que lembrei também que o campeonato potiguar 2009 marca o primeiro ano do desaparecimento do TVU Esporte da telinha potiguar. De uns tempos para cá apareceram várias mesas-redondas em canais de TV aberta e fechada do RN. Embora não acompanhe nenhuma delas, acredito que todas tenham um pouquinho do pioneirismo do TVU Esporte. Enquanto a direção da TVU não muda sua mentalidade tacanha, os fãs do bom e velho TV Esportes matam a saudade com as lembranças. No meu caso, que acompanhei de perto parte da trajetória do programa, só preciso dar a sorte de comprar um par de sapatos na loja certa.
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