O texto abaixo é do jornalista
espanhol Juan Tallion...
Tallion escreve sobre suas
dúvidas a respeito da implantação da tecnologia no futebol.
Na verdade, o jornalista não
afirma ser favorável ou contrário, apenas argumenta se tal medida não irá
afetar diretamente o que ele chama de fantasmas que rondam o esporte...
Esses fantasmas são os
imprevistos e os enganos e os mistérios que acabam tornando o futebol inigualável.
Tallion faz uma pergunta bastante
interessante:
Afinal, precisamos saber tudo?
Não posso negar que gostei do que
li e depois que li, não consegui parar de pensar se a tecnologia será um bem ou
um mal...
Leia e tire suas próprias
conclusões.
O futebol fantasma
Há mistérios belíssimos que não
nos deixam descansar, como o gol da Inglaterra em 66
Juan Tallion
Para o El País
No futebol às vezes acontecem
lances inexistentes, que não podem ser abarcados por uma explicação.
É como se não tivessem acontecido
por completo, como o gol no qual Maradona se livrou de seis adversários (na
Copa de 1986), ou a defesa de Gordon Banks na cabeçada de Pelé (no Mundial de
1970), que dizia que foi gol, mas o goleiro inglês segurou.
São mistérios nunca revelados.
Magia.
Não há resposta.
Nunca haverá resposta alguma.
Nunca houve resposta alguma.
“Eis aí a resposta”, dizia Gertrude Stein.
O futebol sobrevive porque em
cada partida eclode um episódio imprevisto, inclusive vários, e tudo muda.
Pode ser um drible atravessando
uma parede de tijolos, ou uma jogada coral, para piano, com partitura de Bach,
ou a pura velocidade de uma troca de passes, competindo com a luz.
Essa vertente fascinante, na qual
durante alguns instantes o jogo desobedece, se descontrola e navega sem rumo na
incerteza, é que enche os estádios, enquanto enlouquece o técnico, que nessa
noite, ao apagar o abajur, não deixa de se perguntar: “Como foi que isso aconteceu? ”.
As pessoas vão ao estádio, porém,
em parte porque gostam de não saber o que vai acontecer. Esse nervosismo
terrível e agradável representa o segredo do futebol.
Há mistérios nesse esporte que os
treinadores acreditam estar prestes a revelar, mas que no último instante são
velados como um filme fotográfico.
“Você elabora uma tática para um dia”, dizia Menotti, “mas aí aparece algo inesperado, e a tática
vai à merda”.
Essa proximidade com o segredo
final, impossível de alcançar, faz lembrar um conto de Roald Dahl no qual uma
mulher assassina o seu marido com um pernil de cordeiro congelado.
Atinge-o com grande precisão e
beleza na cabeça, e o mata.
Pimba.
Magia.
Depois cozinha o cordeiro e
convida os dois policiais que investigam o caso para almoçar.
Os agentes, abatidos após
procurarem sem sucesso a arma do crime, a comem sem perceber.
Não poderiam estar mais próximos,
e ao mesmo tempo tão distantes.
Entre as coisas que alguns dias
acontecem num estádio, e cuja existência se questiona, está também o gol sobre
a linha.
Foi gol?
Não foi?
A tecnologia que a FIFA pretende
adotar para resolver a dúvida em tempo real, acabando com o chamado gol
fantasma, empurra para um debate que já foi resolvido em outros esportes a
favor da tecnologia.
Confesso que não sei a minha
opinião, mas gostaria de saber.
Só sei que, quando as coisas
começam a ficar claras demais, começam também a perder a emoção.
São vividas sem nervosismo.
Todos nós queremos por natureza
saber, mas precisamos saber tudo?
Há mistérios belíssimos, que
nunca nos deixam descansar, e sobre os quais passam os anos e continuamos
falando, como o gol fantasma da Inglaterra na Copa de 1966.
Por outro lado, penso na dor que
levamos no coração, gravado por toda a vida, quando concedem ao adversário um
gol que não foi, e então choro.
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