Imagem: Autorretrato
Doutrinação
Por Edmo
Natan
Eu tenho um
afilhado de 4 anos, Mateus.
Ele e o irmão
dele, Vinícius, que está prestes a fazer 7, são meus priminhos pequenos.
Eu acho que é
chegada a hora.
Preciso agir
antes que oportunistas deem o bote.
É uma tarefa
geralmente reservada aos pais, mas o deles não é daqui e tem outra cultura.
Uma coisa boa
desse período de quarentena é que pude planejar cada detalhe para colocá-los no
bom caminho e garantir ao menos uma grande alegria em suas vidas: irei
torná-los torcedores do América.
Não basta dar
camisa do time (o que está nos planos, é claro).
Vai muito
além.
Como não
estou presente diariamente na rotina deles, preciso atacar pontualmente e a
atmosfera do estádio é um fator fundamental na estratégia traçada.
É necessário
encantar os meus priminhos.
Parece tarefa
fácil, afinal, são crianças, ora, mas não é bem assim.
O inimigo
mora ao lado: tenho primos abecedistas que podem tentar levá-los para o lado
alvinegro da força e eu sei bem o quanto isso é perigoso.
Já passei por
isso antes.
E dói.
Uma ex — que
não é exatamente uma ex, mas dizer que é alguém com quem tive um relacionamento
de alguns meses e por quem ‘sofri’ é algo bem mais vergonhoso (vi isso no Twitter
e me identifiquei real) — se dizia americana enquanto estava comigo.
Provavelmente,
só pra me agradar.
Meses depois
do nosso término, ela postou foto com um cara no Frasqueirão, seu novo
namorado.
Me senti
traído.
Como ela pôde
fazer isso comigo??
Cadê a
responsabilidade afetiva???
Não aguentei.
Com o peito
carregado por uma mistura de desgosto e decepção, fui tirar satisfações.
Eu respeitava
a decisão dela, é claro, mas precisava entender aquilo.
O que teria
faltado?
Ela me
explicou que estava verdadeiramente apaixonada e percebeu isso quando
participou pela primeira vez daquele insuportável grito de “A — B — C — ÊÊÊÊ
ÊÊÊÊ! A — B — C — ÊÊÊÊ ÊÊÊÊ!”.
De fato, até
que é algo de fácil sonoridade.
Foi aí que
então entendi que a culpa era minha.
Eu nunca pude
ir a campo com ela, porque eu trabalhava nos jogos e meu dia sempre era muito
atarefado antes, durante e depois das partidas.
Pois bem.
Esse erro eu
não vou repetir com meus priminhos.
Está
decidido!
Eles vão aos
jogos comigo, assim que a pandemia passar!
Lembro-me bem
de como agia aquele que me influenciou a ser americano, meu pai.
Ele usava de
um artifício muito inteligente: o cachorro quente com refrigerante no intervalo
do jogo.
Era ‘de lei’.
Pouco antes de acabar o primeiro tempo, para evitar as filas, meu pai se
levantava.
A gente (eu e
meus irmãos) abria um pouco mais as pernas para ganhar espaço e guardar seu
lugar nas arquibancadas de concreto no Machadão.
Ê, saudade!
Isso, sim, é
memória afetiva!
Não lembro se
o pessoal vende cachorro quente na Arena das Dunas, mas tem pizza e coxinha!
Isso deve bastar.
Meus
priminhos já assistiram à final das Olimpíadas (2016) e a alguns jogos da Copa
do Mundo (2018) conosco.
Isso me
lembra que preciso providenciar algumas mascotes alvirrubros para eles
brincarem.
Aquele
cavalinho/burrinho do Fantástico com a camisa do América seria perfeito!
Estou
confiante!
Tenho meu pai
ao meu lado e ele tem experiência nesse tipo de doutrinação.
Vai dar
certo!
Ah, só um
detalhe que não poderia passar despercebido: aquela minha ex teve uma filha com
o agora marido abecedista.
E, claro, não
deixa Tio Edmo — uma evidente ameaça persuasiva alvirrubra — chegar nem perto
da criança.
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