quinta-feira, novembro 02, 2006

Ainda hoje, mesmo depois de tanto tempo...


Hoje como sempre faço nessa data, fui rever velhas fotografias, alguns amigos costumam dizer que esse ritual é um tanto doloroso e que eu poderia evitá-lo. Talvez, talvez pudesse, mas nunca quis... Esse é meu modo de manter sempre verdinho o jardim das lembranças, é minha maneira de rever meu pai e meu irmão com a vida ainda pulsando em suas veias. Gilmar Maia de Souza, cearense, vascaíno e meu pai. Alexandre Amaral Ferreira de Souza, carioca, flamenguista e meu irmão. Dois amores, duas saudades e duas imensas lacunas. Alexandre era a paz em pessoa, livros, música, minha mãe e seu trabalho consumiam seu tempo, mas nunca deixou escapar um sorriso de cínico deboche, diante das derrotas do glorioso Vasco da Gama, para o seu Flamengo. Alexandre era elegante, não se permitia arroubos de baixeza, jamais desceria ao nível das gozações miúdas... Sempre que seu Flamengo vencia, ele seguia o mesmo e terrível ritual, me olhava fixamente, sorria e dizia: Bom dia meu irmão, você já viu como hoje tudo está mais feliz? Esse era meu irmão, o amigo que tão cedo se foi... Meu velho era bem diferente, sisudo, calmo, integro, honesto com sigo e com os outros, porém capaz de uma ironia fina e cirúrgica. Era perfeito em desmontar argumentos, era lúcido e culto... Mas meu velho não sabia controlar seu coração, nem suas emoções diante da cruz de malta, sofria se enervava e costumava arrancar a unha do dedo mindinho do pé esquerdo a cada jogo do Vasco. Depois dizia: “Pior que ver o Vasco perder, é ainda ter que agüentar sua mãe, brigando por causa de uma unhazinha”. Esse era meu pai, o único ídolo que tive a vida toda. Hoje peguei uma velha foto amarelada pelo tempo e o vi altivo em seu uniforme, ainda cadete em Resende e me lembrei do que ele sempre dizia: “O maior fardo que se pode carregar é a honra intacta meu filho, pois a indecência é tão leve que se pode trocar a cada esquina”. Ele tinha razão, hoje vejo poucos homens a carregar o peso da honra, mas vejo muitos, que alegremente, trocam a cada esquina, sua honra, por uma indecência novinha em folha...
Saudades do único flamenguista que conseguia me tirar do sério e do meu companheiro de sofrimento, nas noites de quarta-feira e nas tardes de domingo, onde juntos padecemos e vibramos muito.

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