sábado, setembro 25, 2010

Futebol de rua: bons tempos que ficaram para trás...

Imagem: Kushal Gangopadhyay


Não sei como andam as coisas hoje em dia, as peladas de rua ficaram para trás e com elas, ao menos para mim, a essência do futebol...

Recebi hoje, através de e-mail um texto sobre as 10 regras do futebol de rua e, segundo seu autor, esse sim, o “verdadeiro futebol de macho”.

Lendo cada uma das regras, não pude deixar de rir, mas também não houve como não voltar ao passado e lá reaver certos conceitos e princípios que deveriam ser imutáveis, não fosse os anos, ativos lobistas a trabalhar pela deformação dos caráteres, transformando meninos sãos em homens cínicos.

Naquele tempo, a rua e a bola, ensinavam lições, mostravam diferenças, criavam laços, mas também rivais...

Fazer parte do grupo, ser aceito entre os peladeiros era como um rito de passagem: ali, deixávamos de ser o “filhinho da mamãe” e passávamos a fazer parte da “rapaziada”...

Lá, na rua, com a bola, aprendemos a perder, a absorver derrotas, a não temer, a enfrentar o mais forte, a correr para salvar a pele e depois, a voltar e recomeçar...

Aprendemos o valor da amizade e a reconhecer nossas deficiências.

Mas também, descobrimos que era possível transgredir as regras rígidas de nossas mães e escapar dos maçantes deveres de casa, passados pela professora: mesmo que isso nos fizesse pular muros, andar na ponta dos pés, correr como um raio em direção à porta ou inventar que o caderno de caligrafia havia ficado na casa do Paulinho e que era só pegar e voltar rapidinho.

O almoço podia esperar o último gol...

O lanche era colocar um presunto ou um pedaço de queijo às pressas no pão e engoli-lo com a ajuda de um suco ou leite, enquanto vestíamos o surrado calção...

O jantar era o pior momento, pois significava o toque de recolher: fim do prazer.

Aprendemos a ter ouvidos seletivos: o chamado do companheiro para correr atrás da bola era audível em qualquer circunstância – mesmo quando morava no quinto andar ou no décimo andar ou então, meu quarto ficava na parte da casa mais distante da rua.

Bastava um assovio, às vezes só o quicar da bola era o suficiente para que tudo mais fosse esquecido...

Mas o grito estridente e em tom autoritário de nossas mães nos chamando, quase nunca era ouvido na primeira vez, ou mesmo na segunda...

O bairro inteiro sabia que aquele Fernandoooooooo, já para casa, era para mim, menos eu...

Fingir que não ouvia fazia parte da inútil convicção que ela desistira...

Mamãe nunca desistiu!

Seu chamado era determinante e determinado...

Não havia atenuantes ou argumentação...

Resistir servia para mostrar a rapaziada que você era valente, mas sempre terminava na humilhante condição de ser levado para casa pela orelha ou no ritmo dos tapas certeiros e cadenciados que só as mães sabem dar.

Certa vez, Walter ousou...

Deu um drible de corpo sensacional em Dona Valdira...

Mas descobriu que mães são implacáveis zagueiros e que nenhum árbitro no planeta é capaz de “amarelar” ou “avermelhar” uma mãe driblada...

Dona Valdira na segunda tentativa deu uma rasteira digna de uma suspenção exemplar e sem esperar que a maca viesse retirar o Walter da calçada, o arrastou pelas orelhas aplicando-lhe sonoros cascudos...

No dia seguinte, as marcas vermelhas do cinto, cintilavam nas costas de Walter e ele, as exibia como um troféu...

Mas quando Nanico disse que dona Valdira era uma megera, Walter precisou ser seguro por todos para que não fosse às vias de fato com aquele que ousou detratar sua mãe.

Foram bons tempos aqueles e mesmo sem confederações, federações, patrocinadores, torcidas organizadas, cotas de TV, empresários, agentes e toda essa gama de coisas que acabam por destruir o lúdico, o belo e a essência do jogo, havia regras sim senhor e é a elas que vamos agora:

01 – A Bola

A bola pode ser qualquer coisa remotamente esférica.

Até uma bola de futebol serve.

No desespero, usa-se qualquer coisa que role, como uma pedra, uma lata vazia ou a merendeira do irmão menor.

02 – O Gol

O gol pode ser feito com o que estiver à mão: tijolos, paralelepípedos, camisas emboladas, chinelos, os livros da escola e até o seu irmão menor.

03 – O Campo

O campo pode ser só até o fio da calçada, calçada e rua, rua e a calçada do outro lado e, nos grandes clássicos, o quarteirão inteiro.

04 – A Duração do Jogo

O jogo normalmente vira 5 e termina 10, pode durar até a mãe do dono da bola chamar ou escurecer.

Nos jogos noturnos, até alguém da vizinhança ameaçar chamar a polícia.

05 – Formação dos Times

Varia de 3 a 70 jogadores de cada lado.

Ruim vai para o gol.

Perneta joga na ponta, esquerda ou à direita, dependendo da perna que faltar.

De óculos é meia-armador, para evitar os choques.

Gordo é beque.

06 – O Árbitro

Não tem árbitro, ganha quem gritar foi falta primeiro, ou for o dono da bola ou então, for bom de porrada.

07 – As Interrupções

No futebol de rua, a partida só pode ser paralisada em 3 eventualidades:

- Se a bola entrar por uma janela. Neste caso os jogadores devem esperar 10 minutos pela devolução voluntária da bola. Se isso não ocorrer, os jogadores devem designar voluntários para bater na porta da casa e solicitar a devolução, primeiro com bons modos e depois com ameaças de depredação.

- Quando passar na rua qualquer garota gostosa.

- Quando passarem veículos pesados.

- Mas apenas de ônibus para cima.

- Bicicletas e Fusquinhas podem ser chutados junto com a bola e, se entrar, é gol.

08 – As Substituições

São permitidas substituições nos casos de:

a) Um jogador ser carregado para casa pela orelha para fazer lição.

b) Jogador que arrancou o tampão do dedão do pé.

c) Porém, nestes casos, o mesmo acaba voltando à partida após utilizar aquela água santa da torneira do quintal de alguém.

d) Em caso de atropelamento.

09 – As Penalidades

A única falta prevista nas regras do futebol de rua é atirar o adversário dentro do bueiro.

10 – Justiça Desportiva

Os casos de litígio serão resolvidos na porrada, prevalece os mais fortes ou quem pegar uma pedra antes.



7 comentários:

Sérgio Henrique disse...

Caro Fernando,

Cheguei a sentir em minha própria cabeça os cascudos de D. Valdira na medida em que lia o texto...

Certa vez eu levei uma "cabada" de vassoura por me atrever a tentar fazer o que o Walter fez. Ah, outra vez minha mãe me "sacaneou" quando arranquei o tampo do peito do pé ao chutar uma bola (o campo era um traiçoeiro calçamento em paralelepípedo). Ela "impiedosamente" colocou mertiolate (que na época ardia que era uma beleza) na ferida. Fui na lua e voltei de tanta dor...pense!!! Isso não se Faz D. Fátima.

Belo texto. Parabéns

Anônimo disse...

Belo texto!

Anônimo disse...

muito massa! legal demais, voltei no tempo, tenho 39 anos e joguei muita bola na rua no conjunto Potilândia, existia campeonato de mirim, uma vez fizemos um trófeu de pilão de madeira e enrolamos em papel dourado, faltou dizer aí que poste de iluminção e árvore tembém servia de traves!

Anônimo disse...

eramos felizes, sem traumas, e sem magoas.

Reinaldo Gomes disse...

Caríssimo Fernando!
Como diz um velho ditado,naquela época de pelada na rua, a gente era feliz e não sabia, mesmo que de vez em quando, fosse levado para casa puxado pela orelha, mas valia à pena, principalmente, quando se jogava rua x rua, e, mesmo devido à rivalidade, tudo terminava após o fim do jogo. Velhos tempos bons de pelada nas ruas do Bairro das Quintas.
Abraços!
Reinaldo Gomes

Anônimo disse...

ao ler passou uma filme na minha cabeça,como apanharmos por bobagens
mas isso as vezes ajuda a formar um bom caráter.eu passei uma tarde de domingo chorando porque minha mãe não me deixou jogar uma bolinha com meus primos.E agora as lágrimas arrebentaram ao ler esse texto.esse é o retrato de todas as localidades do Brasil...belo texto.

Marcelo Régis disse...

kkkk

Estou rindo até agora!

Boas lembranças me trouxe!

Era assim mesmo...

Bons tempos que não voltam mais!

Legal!