sexta-feira, outubro 01, 2010

Um negro chamado Walter Tull... Publicada em 27 de setembro de 2006.

Imagem: Haringey Archives



Ao me propor escrever sobre história do futebol e de seus personagens, não tinha ideia de por onde começar, pois queria fugir do lugar comum, queria evitar a mesmice e dar um novo enfoque ao tema.


Seria fácil escolher alguém conhecido e repetir os mesmos elogios, falar das grandes partidas e dos momentos inesquecíveis...


Uma mudança aqui e outra acolá, daria uma cara nova e transformaria em novidade um assunto velho e batido.


Então resolvi buscar algo novo, algo que fosse além, algo que contivesse mais que passes brilhantes, gols fantásticos e dribles impressionantes.


Encontrei Walter Tull.


Neto de escravo, filho de um imigrante das Ilhas Barbados e uma jovem inglesa de Folkestone, Walter Tull foi o homem que derrotou por duas vezes o preconceito e a intolerância.


Venceu uma infância trágica e se foi ainda jovem, num tempo em que a morte colhia sorridente nos campos da Europa, meninos, rapazes e homens.


Nascido em 1888, Walter foi o sétimo e último filho dos Tull, sua mãe morreu logo após o parto e seu pai desgostoso e infeliz, faleceu dois anos depois.


A família de sua mãe sem posses para cuidar da prole, entregou Walter e seu irmão mais velho Edward aos cuidados do Orfanato Metodista em Bethnal Green, Londres.


Ambos permaneceram no estabelecimento até completarem a maior idade, Edward tornou-se um bem sucedido dentista em Glasgow na Escócia, enquanto Walter permaneceu em Londres, vivendo de pequenos serviços e de sua habilidade como jogador de futebol.


Ainda garoto foi convidado a participar do time do Clapton, equipe amadora que disputava as ligas menores da Associação Inglesa de Futebol, porém sua maneira de jogar, seu estilo técnico e sua garra, logo chamou a atenção do treinador do Tottenham Hotspurs.


Em 1908, Walter assinou contrato profissional com os Spurs e ao lado do goleiro Arthur Walton, do Preston North End, tornaram-se os primeiros negros profissionais no futebol inglês.


Walter fez parte da delegação do Tottenham em uma excursão à Argentina e Uruguai e, a cada jogo sua fama crescia e seu futebol brilhava.


Mas um negro, vestindo a camisa de um grande de Londres e ainda tendo a ousadia de desmoralizar defesas e estraçalhar adversários, não poderia ficar impune, na puritana e conservadora Inglaterra de então.


Em uma partida contra o Bristol Rovers, Walter foi covardemente caçado, sob os olhos complacentes do árbitro, após marcar 4 dos 5 gols na goleada sobre o Rovers.


Ao final, Walter saiu gravemente contundido e permaneceu inativo por um longo período, e ao retornar, o treinador o colocou entre os reservas, dando-lhe poucas chances de voltar a jogar.


Em 1910 Walter deixa o Tottenham, ali parecia estar encerrada a carreira do negro hábil, forte e marcador de gols.


Durante um ano, Walter permaneceu parado, até que Herbert Chapman lendário treinador inglês, o convidou para se unir ao time do Northampton Town e disputar a Southern Liga.


Foram 110 partidas pelo novo clube, o estilo permanecia o mesmo, Walter ainda continuava a humilhar defensores e derrotar os fortes esquadrões do reino.


Chega o ano de 1914, o Rangers de Glasgow forma um grande time e vai buscar no Northampton seu principal reforço.


Mas a Europa já não era a mesma, o império Austro-Húngaro invade a Sérvia e a Alemanha sua aliada marcha sobre a França, termina assim o sonho do Rangers, de Walter e de milhares de jovens futebolistas em todo o continente europeu...


A primeira Grande Guerra chega à ilha de sua majestade e Walter se alista no 17º Regimento de Middlesex, é incorporado como sargento ao 23º Batalhão, que ficaria famoso por ser o “batalhão dos futebolistas” dado ao grande número de jogadores de futebol em suas fileiras.


Walter participa da primeira batalha do Somme em território francês e da frente italiana.


O craque da bola, também se mostra um grande soldado, faz história entre seus companheiros, ganha o respeito de seus superiores e retorna de licença a pátria como herói.


Em Londres, seu amor pelo futebol é mais forte, e ele enverga a camisa do Fulham na temporada de 1915, com o mesmo sucesso, com a mesma habilidade e com o mesmo faro de gols.


Em 1818, é reconvocado e devolvido aos campos de batalha e é nesse momento que Walter conquista sua maior vitória.


Volta à guerra como o primeiro oficial negro da história do exército da Grã Bretanha, mas não foi uma vitória fácil, os manuais militares ingleses de 1914, eram específicos: “Nenhum homem negro poderia comandar brancos”.


Walter mais uma vez era o centro das atenções, os oficiais conservadores, lutaram contra a sua nomeação, mas os oficiais que o comandaram não abriram mão, mantiveram a indicação de Walter e foram até as últimas instâncias para verem concretizado o que eles chamavam de “justa promoção”.


Ao final dessa curta, mas renhida batalha, o Supremo Comando das Forças Armadas Inglesas, apoiado em relatórios e depoimentos, promoveu Walter Tull a segundo tenente do 23º Batalhão do 17º Regimento de Middlesex.


A guerra já dava mostras de que não iria longe, seu fim estava próximo e o Rangers voltou a procurar Walter, mas essa história não tem um final feliz.


Numa última e desesperada tentativa de reverter o curso da guerra, os alemães lançam um grande ataque que ficou conhecido como a segunda batalha do Somme e, em março de 1918, perto de Favereuil, morre aos 29 anos Walter Tull.


Chega ao fim à história de um homem simples, filho de um modesto trabalhador, neto de escravo e cuja vida trágica não o impediu de ser maior que a maioria de seus contemporâneos.


Muito pelo contrário, fez dele um forte, um determinado, que enfrentou a solidão, o preconceito e estupidez, da mesma forma que entortou zagueiros, demoliu esquemas táticos e curvou o estado maior das forças armadas britânicas.


Walter não pode desfilar sua categoria no gramado do Ibrox Park, nem comemorar vitórias sobre os Celtic boys, mas é o maior símbolo da luta contra o racismo na Inglaterra e todos os anos no Walter Tull Memmorial Garden, próximo ao Sixfields Community Stadium do Northampton Town, centenas e centenas de fãs do Tottenham, Fulham e Northampton, prestam a ele homenagem.


Conta-se nos pub’s, que em um jogo entre Liverpool e Tottenham Hotspurs, a torcida do Liverpool entoou cânticos racistas contra um jogador do Tottenham, em resposta os torcedores dos Spurs, gritaram em coro o nome de Walter Tull, e então, o goleiro Bruce Grobelaar e Graeme Souness jogadores do Liverpool, pediram silêncio a seus torcedores.


Diante disso, os vermelhos calaram-se.



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