O que a imprensa brasileira tanto pública como privada faz questão de esconder...
Nos jogos Pan-americanos, a grande disputa é até a linha de largada
Larry Rohter
No Rio de Janeiro
No final da praia de Copacabana, um marcador eletrônico gigante está contando os dias para o início dos Jogos Pan-Americanos na cidade. Entretanto, a questão é se os organizadores e todas as instalações vão estar prontos no dia 13 de julho, quando o relógio marcar o início da competição de 17 dias.
O Rio programou os jogos como uma vitrine de sua beleza natural e de seu desejo de se tornar um centro mundial esportivo. Mas isso foi antes de enormes excedentes de custos, atraso nas construções, greves, disputas na justiça e brigas internas complicarem o cenário.
“Nosso objetivo é organizar os melhores jogos Pan-americanos possíveis, sob as circunstâncias que enfrentamos", disse Cláudio Versiani, secretário especial do governo para os jogos. "Estamos conscientes de que temos complicações, mas estamos confiantes que cumpriremos nossas obrigações.”
Autoridades esportivas e do governo atribuem parte da explosão do orçamento e dos atrasos, que elevaram o custo dos jogos para além de US$ 1,5 bilhão (em torno de R$ 3 bilhões), a uma decisão tomada depois que o Rio venceu o direito de sediar os jogos, de reformar as arenas e estádios para que tivessem os níveis norte-americanos e europeus.
“Decidimos ir um pouco além e sonhar mais alto", disse Carlos Roberto Osório, secretário-geral do comitê organizador. "Tínhamos algumas verdadeiras deficiências em nossas instalações esportivas, todas as quais haviam passado 30 anos sem investimento substancial.”
No entanto, Juca Kfouri, principal comentador esportivo do país, discorda. Ele vê a custosa disputa contra o relógio como um padrão de corrupção endêmico nos esportes e no estabelecimento político do país.
“Essa é a crônica da bagunça anunciada", disse ele, aludindo a um romance de Gabriel Garcia Márquez. "Todo mundo sabia, quando o Brasil venceu o direito de sediar os jogos, que chegaria o momento em que os organizadores iriam chantagear o governo e que todas as leis de licitações e fiscalizações seriam jogadas pela janela em nome da pressa e para evitar manchar a fama do Brasil.”
Na semana passada, o escritório de contabilidade do governo divulgou um relatório reclamando que alguns dos projetos tinham custado até dez vezes seu orçamento original. Segundo o relatório, apesar de recente aceleração dos esforços, os organizadores estavam "violando um acordo assinado em 2002, que determinava que todas as instalações necessárias para os jogos estariam em condição de uso e previamente testadas ao menos 90 dias antes da abertura".
Para o governo brasileiro, muito mais está em jogo do que este conjunto de eventos, nos quais os EUA e 41 outros países competirão. O Brasil espera ser sede da Copa do Mundo de Futebol em 2014 e das Olimpíadas de 2016, então qualquer fracasso nos jogos Pan-americanos seria um golpe fatal a essas aspirações.
Durante uma inspeção em janeiro, provocada por preocupações com atrasos e custos crescentes, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, grande fã dos esportes, anunciou que iria supervisionar pessoalmente o processo de construção.
Ajudou o fato de, naquele mês, ter assumido um governador aliado, substituindo um dos piores inimigos de Lula. Mas mesmo com o dinheiro agora fluindo, o escritório de contabilidade estima que, no atual ritmo de construção, algumas instalações só estarão prontas em setembro.
“Assumimos o compromisso de fazer os jogos e não temos apenas que cumprir isso, mas fazer os melhores jogos já vistos nas Américas", disse Lula quando anunciou que estava se engajando.
Já é tarde demais, porém, para resgatar alguns projetos importantes. A proposta original da cidade incluía a promessa de construir novas linhas de metrô, inclusive uma ligando o aeroporto aos principais estádios de competição, mas a expansão foi logo arquivada.
Um compromisso de limpar a poluída baía de Guanabara, que dá para o centro da cidade, também caiu pelo caminho. "Tem tanto lixo ali que tenho medo de estragar uma quilha de US$ 4.000 batendo contra uma geladeira" flutuando na imundície, reclamou recentemente um velejador a uma revista brasileira.
Com a aproximação dos jogos, há preocupações com relação à segurança. Em março, o secretário de segurança pública para o Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, disse que temia que os jogos pudessem se tornar um "pandemônio", em parte porque as novas armas e equipamentos não haviam sido entregues e não haveria tempo para testá-los adequadamente e para treinar os agentes de segurança em seu uso.
Entre outros problemas potenciais, a vila que abrigará os mais de 5.500 atletas fica perto da Cidade de Deus, uma favela violenta tornada famosa pelo filme do mesmo nome.
Mas as autoridades negam tais preocupações, chamando-as de sem base e preconceituosas. "A proximidade de uma comunidade onde pessoas pobres e trabalhadoras moram não é em si causa de preocupação e não exige medidas adicionais", disse o ministro de esportes, Orlando Silva, durante recente entrevista.
Em uma tentativa de democratizar os jogos, milhares de jovens de bairros pobres, inclusive de favelas controladas por gangues de drogas altamente armadas, foram convidados a servir de guias durante os jogos. Mas quando o presidente Lula e o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, dirigiram-se a eles no principal estádio em abril, começou uma briga entre facções rivais.
A questão de segurança foi complicada por uma briga - que Lula chamou de "discussão"- entre as forças armadas e a polícia sobre quem estará no comando e, portanto, controlará US$ 200 milhões (cerca de R$ 400 milhões) em novos equipamentos. No mês passado essa situação levou à demissão de dois ex-generais e quatro ex-coronéis que tinham sido contratados para supervisionar os esforços de segurança e combate ao terrorismo e que tinham sido contra a contratação de jovens das favelas como guias.
Em uma carta aberta à mídia, o general Sérgio Rosário disse que "decisões políticas" tinham sido responsáveis por sua demissão e reclamou que a Polícia Federal não tinha a experiência e a autoridade legal para dirigir a operação.
Como os brasileiros estão acostumados a complicações de último minuto, a aposta aqui é que, apesar das preocupações com prazos, custos e com a qualidade das construções, todas as instalações estarão prontas para o início dos jogos. Enquanto isso, as horas continuam passando.
Tradução: Deborah Weinberg
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