segunda-feira, outubro 09, 2006

MTK Hungária FC, um clube que uniu um povo e venceu o preconceito...




O futebol europeu tem características diferentes das nossas, a maioria de seus clubes mantém fortes ligações com seus fãs e essas ligações vão além do simples gostar e da mera paixão. São vínculos mais fortes mais profundos e por vezes mais perigosos. O Chelsea da Inglaterra se orgulha de representar o bairro londrino do mesmo nome (apesar de sua sede ser apenas vizinha), o Celtic é a arma dos católicos de Glasgow na Escócia, contra o rival protestante Rangers. Na Espanha o Athletic Bilbao representa a nacionalismo basco, assim como o Barcelona representa a “nação catalã”. Esses são alguns exemplos, poderia dar mais, como o Dínamo Kiyvi que é o símbolo da resistência ucraniana ao invasor alemão. São muitas histórias e espero poder contar algumas aqui. Escolhi o MTK de Budapest por ser esse clube também um símbolo da resistência de um povo, o povo judeu. A luta dos descendentes de David pela sobrevivência tem sido marcada por perseguições, banimento, cativeiro e morte de seus membros. Sua fé, sua unidade e sua capacidade de superação é que os mantêm firmes em sua decisão de jamais desistir, de jamais desaparecer. O futebol foi um importante elo de união dos jovens judeus em toda a Europa, tanto nos anos anteriores à perseguição nazista como no após guerra, onde os judeus foram vítimas do bolchevismo soviético que se implantou no leste europeu. O MTK nasceu no então Império Austro-Húngaro, assim como outros clubes de origem judaica floresceram sob a égide dos Habsburgs. Se em Viena havia o SC Hakoah, em Budapest brilharia o MTK.
Fundado em 1888 como Magyar Testgyakorlók Köre em Budapest capital de Hungria, o MTK só adotaria o futebol 13 anos depois em 1901. Em 1903 a equipe se inscreveu na Liga Hungarian, a mais importante liga de futebol do país.
No ano seguinte em 1904, o MTK venceu seu primeiro título nacional e ainda sob a tutela do Império Austro-Húngaro, venceu os campeonatos de 1908/14/17/18. Teve seus anos de ouro no período amadoristico, conquistando 15 campeonatos nacionais, além de 7 copas. Suas conquistas receberam o reconhecimento internacional e logo a equipe era convidada para participar de muitos torneios pelo continente. No período que antecede a segunda grande guerra, o MTK continuou sua trajetória de vitórias, mas o mundo caminhava para as trevas e em 1940, a Hungria adere à Alemanha. Devido a inúmeros dirigentes judeus e o fato de seus sócios pertencerem à comunidade judaica, o clube passou a ser visto como uma equipe “judia”, e isso, custou caro,mesmo com a Hungria adotando uma política “branda” em relação aos seus cidadãos judeus. O clube, seus dirigentes e sócios sofreram com as perseguições até serem banidos da vida esportiva do país.
O MTK, só volta a existir após a segunda guerra mundial, mas agora tinha um novo regime a governar a Hungria e seus representantes tinham uma outra idéia sobre o esporte e como conduzi-lo. Seus rivais estavam fortalecidos pois muitos haviam sido “adotados” por instituições estatais, como o Honvéd que pertencia ao exército húngaro. Como todos os clubes de então, precisou “agradar” os novos senhores para com isso obter recursos e continuar a existir. No período socialista mudaram seu nome várias vezes: Primeiro para Budapesti Textiles SE (uma fábrica têxtil do governo), depois foi incorporado ao grupo de clubes pertencentes às forças armadas e batizado de Budapesti Bástya SE (Bastião de Budapeste SE). Dois anos depois, volta à tutela da fábrica têxtil e é novamente rebatizado, agora para Budapesti Vörös Lobogo SAE (Bandeira Vermelha de Budapeste SC). Na década de 70 acontece nova troca de nome, o clube se funde com a equipe do Ministério das Finanças e passa a se chamar MTK VM SK (Magyar Testgyakorlók Köre Vörös Meteor Sport Klub). Com o fim do regime comunista e a volta do capitalismo, Gabor Varszegi assume o comando do time, mantém o nome original MTK e acrescenta o antigo nome do tempo do Império Austro-Húngaro: Húngaria FC. Assim, renasce o MTK um dos grandes de Budapeste.
22 vezes campeão húngaro, 19 vezes vice-campeão, 14 vezes chegou na terceira posição e levantou 12 vezes a Copa da Hungria. Em 1964 conseguiu sua maior proeza, foi finalista da antiga Copa dos Vencedores das Copas, perdendo a final para o Sporting de Lisboa. Apenas duas vezes caiu para a segunda divisão, em 1981 e 1994, sempre retornando no ano seguinte à elite do futebol magiar.
Na atual temporada (2006/2007), após a oitava rodada é o segundo colocado um ponto atrás do Zalaegerzseg que tem 22 pontos. Mantendo-se firme na luta para reconquistar a taça que venceu pela última vez em 2003.
Essa é um pouco da história de um clube que teve entre seus jogadores os lendários Nándor Hidegkuti e o judeu Béla Guttmann. O primeiro foi companheiro de Puskás na seleção de ouro da Hungria e o segundo um dos maiores treinadores de futebol do mundo, chegando a trabalhar no Brasil como treinador do São Paulo FC.
Essa é a história de um clube que resistiu a duas guerras mundiais, que sobreviveu ao fascismo húngaro, ao nazismo alemão e ao bolchevismo russo. Que manteve em suas cores as cores da bandeira de Israel e que ainda é o elo entre os judeus da Hungria e seu passado em território magiar.

Fernando Amaral.

Colaborou Aaron Schain (Leco), 23 anos.



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